Política
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4 de maio de 2023
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09:46

Deputado Renato Freitas: ‘Num espaço tão hostil, a minha presença é muito necessária’

Por
Duda Romagna
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Renato Freitas esteve em visita a Porto Alegre a convite do deputado estadual Matheus Gomes (PSOL). Foto: Luiza Castro/Sul21
Renato Freitas esteve em visita a Porto Alegre a convite do deputado estadual Matheus Gomes (PSOL). Foto: Luiza Castro/Sul21
Freitas nasceu no estado de São Paulo, mas nos primeiros anos de sua vida foi para o Paraná com a mãe. Foto: Reprodução/Redes Sociais

“Um lugar onde só tinham como atração / O bar, e o candomblé pra se tomar a benção / Esse é o palco da história que por mim será contada / Um homem na estrada”, diz um trecho da música Homem na Estrada, do álbum “Raio X Brasil”, que fez Renato Freitas, ainda criança, entender o que era a política. Foi na fita de Racionais MC’s que Freitas encontrou a sua realidade retratada. “Eles já pensavam na realidade das periferias, na realidade do povo negro, os desafios e as possibilidades de superação dos problemas que nós enfrentávamos”, lembra.

Na juventude, ele morava na região metropolitana, estudava em Curitiba e trabalhava como empacotador em um supermercado, e nem sequer sonhava em se tornar vereador da capital paranaense, muito menos deputado estadual.

Freitas conheceu a política institucional quando ingressou no curso de Ciências Sociais, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), e filiou-se ao PT, em 2004. Hoje, é graduado e mestre em Direito pela UFPR, pesquisador na área de Direito Penal, Criminologia e Sociologia da Violência, já trabalhou na Defensoria Pública do Estado do Paraná e atuou como professor universitário e advogado popular. Apesar de recente, a carreira política de Freitas é marcada por disputas por mandatos, embates dentro da própria esquerda e trocas de partido.

 

Hoje, deputado, ele se aproximou da política institucional ao ingressar na faculdade. Foto: Luiza Castro/Sul21

Eleito em 2022, com quase 58 mil votos, Freitas hoje ocupa uma cadeira na Assembleia Legislativa do Paraná e batalha, assim como fez enquanto estava na Câmara de Vereadores de Curitiba, contra tentativas de interromper seu mandato. Em setembro de 2022, ainda vereador, foi cassado em função da sua participação em um protesto contra o racismo, que aconteceu dentro de uma igreja de Curitiba, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, após casos de homicídio de pessoas negras com grande repercussão nacional. Uma decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a cassação e também a eficácia de decisões do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), que mantiveram a cassação por quebra de decoro parlamentar.

Em entrevista exclusiva ao Sul21, enquanto visitava Porto Alegre, Renato Freitas falou sobre sua trajetória política e a luta do movimento negro, especialmente no Sul do país.

Leia também: ‘A ordem pública é uma expressão da injustiça’: Deputado Renato Freitas é recebido na ALRS

Sobre o dia-a-dia no legislativo, Freitas define como um ambiente hostil. Perguntado sobre as similaridades entre as realidades vividas por parlamentares negros no Rio Grande do Sul e no Paraná, ele considera que o retrato “europeu”, pelo qual os estados são conhecidos, potencializa o discurso racista. “O Paraná vende uma imagem de um estado europeu. O atraso é representado pelo Brasil negro, enquanto o Brasil de identidade europeia seria o Brasil do futuro, que deveria se separar, o movimento ‘sul é meu país’“, diz.

Ele se refere a um “caldo cultural” que busca desqualificar e esperar da população negra as “piores práticas”. “Quando você é acusado dessas piores práticas o ambiente já está formado para que as pessoas consigam ter adesão a essa ideia preconceituosa”, afirma. “As pessoas brancas se envergonham ao saber que quem tem o protagonismo da violência contra as pessoas negras é justamente a população branca. Diante dessa vergonha, ao invés de mudar, se arrepender e construir novos caminhos, eles preferem um caminho mais fácil, que é o de sempre, silenciar quem denuncia isso. Isso é emblemático em relação à política do Paraná“, completa.

“No mundo de ponta cabeça, desigual e que tem uma tradição escravocrata, como esse país em que nós vivemos, falar a verdade é um ato de libertação, e eles não podem contrapor a verdade, argumentar sobre a verdade, é mais fácil para eles atacar, não a verdade, mas sim quem está falando essa verdade”.

Freitas relembra ofensas disparadas contra ele enquanto a Assembleia Legislativa discutia a privatização da  Companhia Paranaense de Energia (Copel). Por meio de estereótipos considerados racistas, o parlamentar teve sua capacidade intelectual e política questionadas. O episódio narrado por ele lembra outro, ocorrido em Porto Alegre, quando a primeira bancada negra foi eleita para a Câmara de Vereadores. O ex-vereador Valter Nagelstein acabou condenado pelo crime de racismo após um áudio em que classificou os vereadores eleitos em 2020 como “jovens, muitos deles negros, sem nenhuma experiência, sem nenhum trabalho e com pouquíssima qualificação formal”.

No caso de Freitas, o ataque veio de um colega na Assembleia: “O deputado Ricardo Arruda disse que eu tinha envolvimento com facções criminosas, que eu era incapaz, infantil, que eu não tinha racionalidade alguma, que eu era louco. Mas o argumento que eu trazia ali, que a Copel está sendo vendida, privatizada, o argumento político foi colocado de lado para fazer um ataque pessoal.”

Ele relembra ainda outro caso, quando criticava um projeto do Executivo de Curitiba. “Um dos vereadores falou ‘quem é você, você é um mano, né? É assim que vocês chamam né, mano?’ Ele fez um gesto com as mãos, ‘você não tá na sua casa, mano’. Ele não falou nada do projeto que ele tinha votado a favor e ele tentou, de algum modo, me descredibilizar da forma mais rasteira possível, se valendo de um estereótipo e jogando para a torcida: uma cidade branca, conservadora.”

“Você percebe nesses momentos que você está sozinho.”

Em ambos os casos, conta que não recebeu apoio nem dos colegas da esquerda. “Então, a nossa causa, ela é nossa. Eu também fico muito feliz de ser essa voz, esse corpo e essa presença, ancestralidade, num espaço tão hostil. E se é tão hostil, a minha presença é muito necessária.” 

No espectro político, Freitas vê a necessidade de diferenciar a esquerda tradicional da que está sendo construída junto ao movimento negro. A primeira, segundo ele, prega a transformação da realidade, denuncia as injustiças, elabora discursos, mas não age como poderia. Já a segunda, é centrada na valorização da vida humana com “coragem de dar nome aos bois”.

“É uma esquerda que não está disposta a abrir concessões em relação à dignidade do ser humano, da existência humana e por isso tem coragem de se levantar à frente da opressão policial, de dizer que a política da governabilidade é um pacto da branquitude, porque de acordo com isso nós precisaremos de mais 300 anos para ter o mínimo de dignidade na nossa existência, pra que haja uma reforma agrária, uma política de desencarceramento, uma política de desmilitarização”, explica.

Freitas se orgulha da importância da sua presença para a representatividade negra no parlamento. Foto: Luiza Castro/Sul21

Ele sentiu na pele o que chama de “política de governabilidade” ainda no início da vida pública, nos anos 2000. Classifica a inclusão social que aconteceu nos primeiros governos de Lula como sendo pelo consumo, e não pela cidadania. “Tinha a propaganda de uma nova classe média, com condição de comprar eletrodomésticos, carros populares, pequenas viagens, esse aquecimento do consumo favorece principalmente o mercado. Nós não somos consumidores, antes de tudo nós somos cidadãos, e essa dimensão de cidadania foi colocada em segundo plano. O governo preferiu não fazer cidadania para não travar grandes guerras com as grandes forças”, diz.

Nessa realidade, entrou para o PSOL e foi candidato a vereador pela primeira vez, em 2016, pelo partido. Porém, já em 2018, voltou ao PT para a primeira candidatura ao legislativo estadual. “Fui para o PSOL e, embora tivesse um discurso muito mais coerente em relação a essas críticas, ele não tinha uma prática. O que se dizia, não se acompanhava pelos passos, não se praticava, não se alcançava. Essa falta de compasso entre periferia, população negra e esses grupos de esquerda, fez com que eu voltasse para o PT, porque ao menos é um partido de massas em que você pode disputar de fato o poder, porque, para nós, o que importa é o poder. Não o poder pelo poder, mas o poder para transformar as nossas vidas.”

Confira a entrevista em vídeo:


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