Política
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28 de setembro de 2021
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14:44

Advogada diz que kit covid foi estratégia combinada com governo para evitar que ‘País parasse’

Por
Sul 21
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Bruna Morato depõe nesta terça-feira (28) na CPI da Covid | Foto: Agência Senado
Bruna Morato depõe nesta terça-feira (28) na CPI da Covid | Foto: Agência Senado

Em depoimento à CPI da Covid do Senado nesta terça-feira (28), a advogada Bruna Morato, que representa 2 médicos da operadora de saúde Prevent Senior, afirmou que a empresa fez um pacto com médicos aliados do governo federal para fomentar a distribuição da hidroxicloroquina e do kit covid com o objetivo de tentar minimizar os impactos da pandemia na economia.

Segundo a advogada, no início da pandemia o diretor da Prevent Pedro Batista Jr. tentou se aproximar do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que havia criticado a empresa após várias mortes por covid-19 no hospital Sancta Maggiore, em São Paulo. Sem êxito na aproximação com Mandetta, a Prevent teria fechado uma “aliança” com um grupo de médicos que assessoravam o governo federal, “totalmente alinhados com o Ministério da Economia”.

“Existia um interesse do Ministério da Economia para que o País não parasse. Existia um plano para que as pessoas pudessem sair às ruas sem medo”, disse.

Ela citou os nomes de médicos que vinham assessorando o governo federal e o papel de cada um. O toxicologista Anthony Wong seria responsável por desenvolver um “conjunto medicamentoso atóxico”. Nise Yamaguchi, especialista em imunologia, seria responsável por disseminar. informações sobre resposta imunológica. E o virologista Paolo Zanotto falaria sobre o vírus de forma mais abrangente. A advogada disse que a Prevent Senior fez um “pacto” para colaborar com essas pessoas.

De acordo com a advogada, o objetivo da Prevent Senior e de seus aliados no governo, com o estudo em massa da hidroxicloroquina, era “que as pessoas tivessem a impressão de que existia um tratamento eficaz contra a covid-19”. “A economia não podia parar e eles tinham que conceder esperança para as pessoas saíssem para as ruas. E a esperança tinha um nome: era ‘hidroxicloroquina’”, disse.

Questionada sobre qual seria a relação da Prevent Senior com o governo federal e o suposto gabinete paralelo, a advogada Bruna Morato disse desconhecer uma relação direta entre eles. “As informações que tenho são que eles [Prevent Senior] colaboraram de forma muito efetiva para a divulgação de informação sobre a eficácia do “tratamento precoce”, disse.

Bruna afirmou também que a prescrição do “kit covid” era uma estratégia da Prevent Senior para evitar a internação de pacientes nos hospitais da rede e reduzir custos. “Não é nem uma questão interpretativa. É uma constatação. As mensagens de texto disponibilizadas à CPI mostram que a Prevent Senior não tinha a quantidade de leitos necessários de UTI e, por isso, orientava o “tratamento precoce”. É muito mais barato você disponibilizar um conjunto de medicamentos aos pacientes, do que fazer a internação desses pacientes. Era uma estratégia para redução de custos”, afirmou.

O senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que no dia da demissão do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que havia feito críticas ao hospital comandado pela Prevent Senior em São Paulo, o Conselho Federal de Medicina liberou a utilização do kit de “tratamento precoce” contra a covid-19. No entendimento do parlamentar, o governo federal e o gabinete paralelo que agia junto ao Ministério da Saúde atuaram em conjunto com o CFM e a Prevent Senior, num “planejamento criminoso”.

A CPI da Pandemia aprovou requerimento de Humberto Costa para que a Prevent Senior apresente os termos de livre consentimento do kit à CPI no prazo de 24 horas. Ele lembrou que o CEO da empresa, Pedro Benedito Batista Jr., durante depoimento na semana passada, mostrou uma pilha que papeis que seriam consentimentos de pacientes e familiares para os tratamentos experimentais oferecidos pela Prevent Senior, mas não os entregou à comissão parlamentar de inquérito.

Em abril 2020, um estudo realizado por um diretor da Prevent Senior apontou que o uso da hidroxicloroquina teria evitado mortes por covid-19, o que foi citado pelo presidente Jair Bolsonaro em postagem nas redes sociais no dia 18 de abril.

Bruna Morato classificou como “atípico” o fato de o presidente Jair Bolsonaro ter divulgado um estudo da Prevent Senior segundo o qual o tratamento com o “kit covid” garantiria “100% de cura”. “É totalmente atípico o fato de o presidente da República citar uma instituição de saúde como tendo obtido sucesso em um ou outro estudo. O que fica claro no que foi publicado é que existiu uma maior publicidade com relação às informações. Informações essas, inverídicas”, afirmou.

A advogada destacou ainda que, após o comentário de Bolsonaro, o diretor da Prevent Senior responsável pelo estudo acionou pesquisadores do plano de saúde para rever os dados da pesquisa. O objetivo seria garantir que estavam alinhados aos números citados pelo presidente da República.

“Existia uma mensagem encaminhada ao grupo de pesquisadores em que [o diretor do Instituto de Pesquisa da Prevent Senior] Rodrigo Esper pede que se faça um “arredondamento” de dados, considerando a citação do presidente da República. Ele pede que se faça uma revisão. Cita que [o estudo] foi citado pelo presidente e que, por isso, os dados precisariam ser perfeitos”, disse Bruna Morato.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), perguntou se a Prevent Senior obteve autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para realizar pesquisa com hidroxicloroquina. Segundo a testemunha, a pesquisa teve inicio em 26 de março, mas o pedido de autorização só foi feito em 4 de abril. Em poucos dias, segundo ela, eles apresentaram estudo prévio com determinadas informações, e um dos motivos da suspensão do estudo foi o fato de eles já terem os dados pré-prontos.

Bruna Morato disse que os médicos da Prevent Senior não tinham autonomia para retirar medicamentos do kit covid ou pedir exames para os pacientes. Segundo ela, a empresa punia com demissão os profissionais que descumprissem a orientação de prescrever o conjunto de medicamentos sem eficácia.

“Não existia autorização para fazer determinados exames. Se prescrevia hidroxicloroquina sem a realização do eletrocardiograma. Existia a dispensação de ivermectina, e o médico não tinha autonomia para retirar esse item. Os médicos eram orientados à prescrição do kit, que vinha num pacote fechado e lacrado. Quando o médico queria tirar algum item, ainda que ele riscasse na receita, o paciente recebia completo. A receita também já estava pronta”, afirmou.

Ela lembrou que a maior parte dos clientes da operadora é de idosos, o que tornaria a prescrição do kit covid ainda mais perigoso. “A Prevent Senior é um plano em que a faixa etária média é de 68 anos. Os pacientes que utilizavam esses kits já tinham muitas vezes comorbidades associadas. O conjunto de medicamentos, apesar de ser ineficaz, se tornava potencialmente letal para aquela população”, disse.

Bruna disse que um dos diretores da Prevent Senior, identificado como Felipe Cavalca, encaminhou mensagens em que orientava médicos do plano de saúde a não informar a pacientes e familiares sobre os riscos do tratamento com o “kit covid”. Ainda segundo a advogada, os usuários “foram ludibriados” para assinar termos de consentimento para a realização de estudos sobre os medicamentos ineficazes.

“O paciente idoso é extremamente vulnerável. Eles não sabiam que seriam feitos de cobaia. Eles sabiam que iriam receber medicamentos. Isso são coisas diferentes. Quando chegava para retirar o medicamento, era passada a seguinte informação: “para retirar essa medicação, o senhor precisa assinar aqui”. Eles não tinham ciência de que esse ‘assina aqui’ era o termo de consentimento”, disse.

A advogada confirmou que procurou o jurídico da Prevent Senior para fazer um acordo com os seu clientes, que envolveria três pedidos: que a Prevent Senior assumisse publicamente que o estudo sobre “tratamento precoce” foi inconclusivo; que assumisse o protocolo institucional da empresa, deixando claro que os profissionais não tinham autonomia; e que fizesse um documento em que a empresa se responsabilizasse por arcar com custos de possíveis processos vindos de famílias das vítimas.

Bruna Morato também informou que teve acesso ao prontuário de Regina Hang, mãe do empresário Luciano Hang, e informou que o documento mostra que ela recebeu tratamento preventivo, mas não consta autorização expressa para tal. Por isso, ela disse não ter como saber se a família tinha conhecimento. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) lembrou que Luciano Hang gravou mensagem em redes sociais dizendo que a mãe não tinha recebido o tratamento precoce e que, se tivesse recebido, talvez estivesse viva.

Segundo a testemunha, a causa da morte de Regina Hang foi registrada oficialmente como falência múltipla dos órgãos decorrente de choque hemorrágico. Não houve a informação de que ela havia sido internada inicialmente por covid-19, infringindo determinação do Ministério da Saúde. A advogada disse não saber se a omissão da covid no atestado de óbito foi feita a pedido de alguém.

*Com informações da Agência Senado


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