Meio Ambiente
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18 de março de 2023
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10:57

Festa da Colheita convida população a escolher: modelo de produção a favor da vida ou da morte?

Por
Marco Weissheimer
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Bela Gil foi uma das convidadas do MST para a Festa da Colheita do Arroz Agroecológico (Foto: Luiza Castro/Sul21)
Bela Gil foi uma das convidadas do MST para a Festa da Colheita do Arroz Agroecológico (Foto: Luiza Castro/Sul21)

O problema da fome não será resolvido pelo mercado. Essa foi uma das frases mais ouvidas, em diferentes formulações, na 20ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico, realizada sexta-feira (17), pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Assentamento Filhos de Sepé, localizado em Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre. É comum ouvirmos, no noticiário diário, que “o mercado ficou nervoso” por este ou aquele motivo. Mas, de fato, não parece haver nenhum registro de que os nervos do mercado tenham sido abalados com as notícias da volta do fome ao Brasil, durante o governo de Jair Bolsonaro, mesmo com cenas impactantes como a fila do osso ou o aumento dramático de pessoas pedindo comida nos arredores de mercados e supermercados.

O mercado, apresentado de modo abstrato e meio fantasmagórico, tem suas encarnações na vida real, lembrou Álvaro Delatorre, do Setor de Produção do MST-RS, em uma mesa sobre Direito Humano e Alimentação, na abertura da programação da Festa da Colheita. “O atual sistema agroalimentar transformou o país em um grande latifúndio produtor de commodities para exportação”. E esse sistema tampouco apresentou sinais de nervosismo quando as cenas de pessoas passando fome voltaram a fazer parte do nosso cotidiano. Na mesma linha, Juliano de Sá, presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul (CONSEA-RS) assinalou: “não mexemos na estrutura do sistema agroalimentar brasileiro, na concentração de renda, e o problema da fome segue aí”.

Festa da Colheita do Arroz Agroecológico ocorreu no Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão (RS). (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Chef de cozinha, escritora e ativista na área de alimentação saudável, Bela Gil participou pela primeira da Festa da Colheita no Rio Grande do Sul. Ela confessou que se apaixonou, de modo avassalador, pelo MST, assim que passou a conhecer o trabalho que o movimento vem fazendo pelo desenvolvimento da agroecologia no Brasil. Falar em alimentação saudável, salientou, não é um luxo, mas um tema urgente no país, tanto na questão do combate à fome, quanto em relação à saúde da população. “Quando a gente fala em alimentação saudável, a gente precisa começar a saber de onde vem os alimentos que consumimos e a forma como eles são produzidos. Nós estamos morrendo pela boca, seja pela falta de alimentos ou pelo consumo de alimentos de má qualidade, como os ultraprocessados. O número de pessoas morrendo hoje no Brasil porque está comendo mal é maior do que o das vítimas de homicídios”.

A 20ª edição da Festa da Colheita do Arroz Agroecológico foi marcada por uma série de anúncios que apontaram para um ponto de virada nas políticas de apoio à agroecologia e agricultura familiar que sofreram um processo de desmonte ao longo dos últimos seis anos. A presença do ministro do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, e de várias outras autoridades do governo federal, sinalizou a direção dessa mudança. No ato realizado logo após a cerimônia simbólica da abertura da colheita, alguns anúncios já indicaram as primeiras medidas que devem começar a ser implementadas ao longo deste ano. O primeiro anúncio, de caráter emergencial, foi a assinatura dos primeiros contratos de crédito de apoio para os agricultores que vem sofrendo com um severo quadro de estiagem no Rio Grande do Sul.

Organizadores estimaram que cerca de 5 mil pessoas participaram da Festa da Colheita. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Para além das medidas de caráter emergencial, para amenizar o impacto da seca, foram anunciados os primeiros movimentos para a retomada das compras, pelo governo federal, dos produtos agroecológicos dos assentamentos e da agricultura familiar de modo geral. O MST entregou ao ministro Paulo Teixeira a proposta do primeiro contrato do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para abastecer cozinhas comunitárias que atendem hoje cerca de 5.600 famílias em situação de fome e vulnerabilidade alimentar em Porto Alegre. Esse contrato prevê a compra de alimentos produzidos por mais de mil famílias assentadas no Rio Grande do Sul. O MST também entregou ao ministro dois projetos para a instalação de uma unidade de beneficiamento de sementes de arroz e de uma indústria para produzir arroz parabolizado.

E toda essa política de retomada das compras públicas da produção agroecológica deverá ser coordenada por Edegar Pretto, que deve assumir nos próximos dias a presidência da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A Conab, por uma decisão de governo, passará para a esfera do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar. E essa mudança, destacou Edegar Pretto, tem uma sinalização clara. “O fato de que a Conab passará a fazer parte do MDA é uma sinalização política de quais serão as nossas prioridades. A Conab será o maior cliente da produção dos assentados e da agricultura familiar. A merenda escolar não será mais composta de bolacha e sucos artificiais, mas sim de comida de verdade”.

Edegar Pretto: Conab será a maior cliente da produção dos assentamentos. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

O ministro Paulo Teixeira anunciou que o presidente Lula deverá relançar nos próximos dias o Programa de Aquisição de Alimentos em todo o país, com uma dotação orçamentária inicial de R$ 500 milhões. “Essa será a sua missão, Edegar Pretto”, disse Teixeira. O governo, acrescentou, retomará também o programa do biodiesel no setor dos combustíveis e metade da produção virá da agricultura familiar. “A melhor forma de combater a fome é garantir o acesso à terra, com garantia de crédito e infraestrutura. Vamos retomar o programa de Reforma Agrária com uma proposta baseada na criação de agrovilas com infraestrutura de luz, água e internet”.

O ato político foi encerrado por João Pedro Stédile, da direção nacional do MST, que destacou a Festa da Colheita como um momento de celebração da vida, que evidencia uma escolha que precisa ser feita pela população brasileira. “Estamos diante de dois modelos filosóficos: um é um modelo da morte, que usa agrotóxicos que nos envenenam e destroi a natureza; outro é um modelo da vida, baseado na agroecologia e na defesa da natureza”. Stédile assinalou ainda que o governo Lula abre um novo período na história do Brasil, mas que há não basta comemorar essa mudança, pois há mudanças estruturais que precisam ser feitas, especialmente no modo de governar. “Não basta mais fazer um governo para o povo, mas, sobretudo, ele precisa ser feito com o povo. A participação popular nas decisões de governo é fundamental. A crise capitalista está aí e só se agravou, mostrando que o capitalismo não serve mais para a humanidade”.

Ato político reuniu parlamentares, autoridades e lideranças de movimentos populares (Foto: Luiza Castro/Sul21)

O principal adversário do governo Lula, acrescentou, não é Bolsonaro, que Stédile definiu como “um lúmpen da extrema-direita”. “Os grandes inimigos são os bancos e as multinacionais e por isso temos que organizar para mudar essa política, para fazer com que a taxa de juros caia. Eles gostam de ficar endeusando os Estados Unidos, pois então vamos ter a mesma taxa de juros que é praticada nos Estados Unidos e na Europa. Temos que seguir organizando os comitês populares que devem ser o nosso fermento para fazer a massa crescer”. “Sem isso”, concluiu, “não conseguiremos fazer as mudanças que precisamos fazer”.  

Unidade de Produção de Bioinsumos

A Festa da Colheita do Arroz Agroecológico também foi marcada pela inauguração da Unidade de Produção de Bioinsumos Ana Primavesi, no assentamento Filhos de Sepé. Segundo Dioneia Ribeiro, produtora de arroz orgânico e integrante do Grupo Gestor de Arroz Agroecológico, do MST, a Cootap decidiu começar a produzir o próprio insumo para melhorar a fertilidade do solo e ter estratégias de redução de custo nas propriedades das famílias. A unidade de produção de bioinsumos trará algumas garantias para os produtores e produtoras do MST, como o aumento da produção, autonomia na produção de bioinsumos e acesso a novas tecnologias para as famílias assentadas. Para a safra 2022/2023 do arroz orgânico o uso desse bioinsumo foi implementado em duas áreas de pesquisa, em 28 hectares. Já para a próxima safra, 2023/2024, os bioinsumos estarão em toda a produção do arroz orgânico dos assentamentos em Viamão, totalizando cerca de 1126 hectares.

MST cerca de 16.111 toneladas de arroz orgânico na safra 2022/2023 (Foto: Luiza Castro)

Os números da safra de arroz agroecológico

O Grupo Gestor do Arroz Orgânico, do MST, estima colher na safra 2022/2023 cerca de 16.111 toneladas de arroz orgânico, totalizando aproximadamente 322.235 sacas de 50 kg cada, numa área total plantada de 3.200 hectares. Essa produção ocorre em 22 assentamentos da Reforma Agrária, localizados em nove municípios das regiões Metropolitana, Sul, Centro Sul e Fronteira Oeste do Estado. Ela envolve o trabalho de 352 famílias, organizadas em sete cooperativas da Reforma Agrária: Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentados de Tapes (Coopat), Terra Livre, Cooperativa dos Produtores Orgânicos de Reforma Agrária de Viamão (Cooperav), Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentamentos de Charqueadas (Copac) e Sete de Julho. 

Confira mais imagens da 20ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico

Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

Foto: Luiza Castro/Sul21
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