Meio Ambiente
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5 de novembro de 2022
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09:07

‘Quem é afetado não foi ouvido’, protesta pecuarista familiar sobre mina em Lavras do Sul

Por
Marco Weissheimer
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Território onde empresa pretende instalar mineração é ocupada por pecuaristas familiares e outras comunidades tradicionais. Foto: Laís de Moares/Arquivo pessoal
Território onde empresa pretende instalar mineração é ocupada por pecuaristas familiares e outras comunidades tradicionais. Foto: Laís de Moares/Arquivo pessoal

A Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul (Fepam) publicou dia 31 de outubro a licença de instalação EIA/RIMA, autorizando o início das obras de implantação do projeto Fosfato – Três Estradas, da empresa Águia Fertilizantes. O anúncio foi feito pela Secretária Estadual do Meio Ambiente, Marjorie Kauffman, durante ato em Lavras do Sul.

O projeto Três Estradas, da empresa Águia, associada à mineradora australiana Águia Resources Limited, prevê a extração de fosfato a céu aberto em Lavras do Sul, por meio de práticas de perfuração e detonação. Segundo a empresa, o projeto pretende “extrair, beneficiar e comercializar o minério de fosfato para produção de matéria prima para a indústria de fertilizantes e de corretivo agrícola”. O tempo previsto de vida útil da mina será de 15,5 anos, com possibilidade de ampliação para 22 anos. Após ser extraído na região, o fosfato concentrado será levado por caminhões até a cidade de Rio Grande, onde será processado em uma planta industrial próxima ao porto. Segundo a empresa, o fosfato produzido abastecerá fundamentalmente o mercado local do sul do país.

O projeto de mineração em Lavras do Sul foi incluído pelo governo Bolsonaro, juntamente com o projeto de mineração de titânio e zircônio em São José do Norte, na lista de empreendimentos mineradores a serem “destravados” no país. Em março de 2021, o governo federal lançou a Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de Projetos de Investimentos para a Produção de Minerais Estratégicos, batizada de Pró-Minerais Estratégicos.

Um decreto inseriu essa política no Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, criado com o objetivo de envolver diversos órgãos para “destravar” licenciamentos ambientais e dar “mais agilidade” na implantação de novos projetos de minerais considerados estratégicos como fosfato, potássio, lítio, níquel, urânio e terras raras. 

No dia 18 de junho de 2021, o governo federal editou a Resolução nº 2, definindo a relação desses minerais estratégicos, cujos projetos deveriam ser “destravados”. Dois projetos previstos para serem implementados no Rio Grande do Sul foram incluídos nesta lista: a instalação da mina de fosfato em Lavras do Sul e a da mina de titânio em São José do Norte. 

A implantação do projeto Três Estradas enfrenta a oposição de pecuaristas familiares e de outras comunidades tradicionais da região. O Ministério Público Federal é autor de uma ação que sustenta a existência de diversos vícios no processo de licenciamento do projeto. Em junho deste ano, o Tribunal Federal da 4ª Região (TRF4) concedeu efeito suspensivo a recurso interposto pelo Ministério Público em Bagé, reconhecendo a sua legitimidade ativa e a competência da Justiça Federal para julgar a ação na qual o MPF sustenta a existência de vícios no processo de licenciamento do Projeto Três Estradas, causando graves prejuízos ao meio ambiente e às comunidades e povos tradicionais do Pampa.

A Desembargadora Relatora Vânia Hack de Almeida entendeu que o interesse do MPF na causa é evidente, e tornou sem efeito a decisão de primeira instância que havia declinado a competência para a Justiça Estadual, devendo ser mantido o processamento e julgamento do feito na 1ª Vara Federal de Bagé/RS, inclusive do pedido liminar de suspensão do licenciamento ambiental.

 

Área a ser atingida pelo projeto de mineração de fosfato é uma das mais protegidas do bioma Pampa. Foto: Laís de Moraes/Arquivo pessoal

A área prevista para a implantação do projeto Três Estradas é considerada uma das mais preservadas do bioma Pampa e território de vida e de trabalho de centenas de famílias e comunidades que dependem da conservação da natureza para a produção de alimentos e manutenção dos modos de vida tradicionais.

Em 2020, o Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa encaminhou ao MPF um parecer sobre o laudo pericial antropológico requerido pela Procuradoria da República no município de Bagé para verificar se os pecuaristas familiares que vivem na área de influência do projeto de mineração podem ser caracterizados como integrantes de uma comunidade tradicional. O Comitê de Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa é composto por representantes de diferentes identidades e regiões do bioma, reunindo integrantes de comunidades quilombolas, pescadores artesanais, povo pomerano, povo cigano, povo de Terreiro e pecuaristas familiares.

Laís de Moraes, pecuarista familiar de Taquarembó, distrito de Lavras do Sul, vê com muita preocupação a concessão, pela Fepam, da licença de instalação do projeto Três Estradas. “Onde estamos a princípio será a futura barragem de rejeito que irá nos afetar diretamente, mas indiretamente a preocupação é constante, sabendo que a devastação está a poucos quilômetros de casa. Hoje temos um filho pequeno, que vai ser criado seguindo os ensinamentos que vêm sendo passados de geração para geração. Todo o nosso meio ambiente está sendo afetado, convivemos com o medo e a dúvida do que vai ser o nosso futuro, comparando uma atividade como a nossa que consegue conciliar produção e preservação, com um empreendimento grande de impacto ambiental enorme e para alguma espécies irreversível!”, assinala. 

A pecuarista afirma ainda que os moradores da região foram “calados em uma audiência pública, onde só o povo que não vive aqui e apoia o projeto foi ouvido”. Lais destaca a ação que está correndo no Ministério Público Federal para que a comunidade que mora no território seja ouvida. “É triste ver que uma região com um potencial para a produção e preservação ser destruída pela ganância daqueles que não ligam a mínima para a vida!”. Para ela, a população de Dom Pedrito também deveria ser ouvida, pois o projeto de mineração vai impactar também o território deste município. “A FEPAM está decidindo dar essa licença de maneira arbitrária no meu ver, pois quem realmente é afetado não foi ouvido”, protesta Laís de Moraes. 


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