Geral
|
9 de abril de 2024
|
16:22

Entenda por que catadores criticam PPP para coleta de vidro na Capital

Ato de assinatura da parceria público-privada entre prefeitura e empresa privada. Foto: Alex Rocha/PMPA
Ato de assinatura da parceria público-privada entre prefeitura e empresa privada. Foto: Alex Rocha/PMPA

A Prefeitura de Porto Alegre firmou, em 28 de fevereiro, uma Parceria Público-Privada (PPP) com a empresa Vidrofix para coleta e recolhimento de resíduos de vidro pelos próximos cinco anos. A previsão de coleta é de 30 toneladas por mês. O edital de chamamento público delimita que a empresa selecionada faça uma doação de serviços para o município. A Vidrofix deve disponibilizar de 30 a 40 contêineres em pontos indicados pela Prefeitura para depósito dos resíduos de vidro, além de coletá-los e encaminhar ao destino correto.

De acordo com a PPP, a empresa Vidrofix Comércio de Sucatas Ltda fica responsável pela manutenção dos coletores e deve apresentar à Prefeitura um relatório trimestral do recolhimento, indicando o volume total recolhido e o número de coletas feitas. Segundo a empresa, “a periodicidade de coletas vai depender da demanda”. A Vidroflix informa ainda que está localizada numa distância considerada próxima e que tem caminhões à disposição para deslocar-se à Capital a qualquer momento. A sede da empresa fica em São José do Hortêncio, a cerca de 70 km de Porto Alegre.

O prefeito Sebastião Melo diz que o vidro é um problema devido ao seu descarte irregular. “Termos contêineres dedicados a este tipo de material, em bairros onde há demanda expressiva para recolhimento, irá facilitar a separação adequada do lixo e dará mais segurança para toda a cadeia de tratamento dos resíduos”, afirmou ao anunciar a PPP. Em tese, não haverá custos aos cofres públicos para realizar a coleta de vidro na Capital.

 

Ato de assinatura da parceria público-privada entre prefeitura e empresa privada. Foto: Alex Rocha/PMPA

No entanto, coletivos de catadores da Capital não aprovaram a decisão da Prefeitura – embora não tenham ficado surpresos. “Esse é mais um projeto que comprova o interesse por um viés privatista por parte da Prefeitura”, afirma o catador Fagner Antonio Jandrey. Militante do Movimento Nacional de Catadores de Resíduos Recicláveis (MNCR) e membro da Secretaria Estadual do MNCR, Jandrey conta que a situação das cooperativas de catadores é preocupante e que sofrem há anos com a precarização das condições de trabalho, seja na coleta, seja na triagem com galpões desestruturados.

A atual secretária do Fórum Municipal de Catadoras e Catadores de Porto Alegre, Ana Paula Medeiros de Lima, ressalta que não houve participação popular no debate junto à Prefeitura e considera que essa Parceria Público-Privada é negativa para os catadores do município. Ana Paula destaca que o vidro não tem valor comercial tão relevante, mas que todo recurso que entra é importante para os coletivos. 

A secretária do Fórum indica que a coleta do vidro é válida para as cooperativas, tendo em vista que podem convertê-las em Créditos de Logística Reversa. Dessa forma, os catadores perdem em dois momentos com o apoio da Prefeitura a um novo interessado nos resíduos de vidro dos moradores da Capital: por não coletar nem vender os resíduos de vidro aos atravessadores e por não poder disponibilizar os créditos às empresas interessadas.

 

Unidade de Triagem da Vila Pinto | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O sistema de Logística Reversa é relativamente complexo. De forma resumida, se trata de uma compensação que as empresas têm para com a sociedade, já que, ao comercializarem seus produtos, estão distribuindo resíduos ao meio ambiente. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), criada pela lei nº 12.305/2010 e regulamentada pelo decreto nº 10.936, de 2022, cria uma ordem de prioridade para as ações de sustentabilidade quando tratamos de resíduos: 1. não geração; 2. redução; 3. reutilização; e 4. reciclagem.

Se considerarmos que “logística” se refere à distribuição de produtos, “logística reversa” trata do retorno dos resíduos de tais produtos. Já que a maioria das empresas tem dificuldades em não gerar, reduzir ou reutilizar suas embalagens – e que quase nenhuma tem infraestrutura própria de coleta, triagem e reciclagem -, houve uma adaptação da política em questão. 

Atualmente, as empresas podem compensar seus impactos ao pagar para catadores e cooperativas de catadores por meio da quitação de notas fiscais. Quer dizer, as cooperativas coletam, separam e vendem os resíduos para empresas de reciclagem. A partir desse processo, as cooperativas de catadores recebem uma nota fiscal que comprova sua venda à reciclagem e, assim, podem disponibilizar a mesma nota fiscal para que empresas do setor de produção paguem as notas fiscais como forma de compensação por sua geração de resíduos.

Grande parte das cooperativas se vinculam a programas de crédito e firmam contrato com interessados. No caso da Cooperativa de Trabalho dos Recicladores do Centro de Triagem da Vila Pinto, onde trabalha Ana Paula, a cooperativa está inscrita em um programa de crédito e disponibiliza suas notas fiscais de venda para que empresas interessadas quitem suas “dívidas” com a sociedade. Com isso, entra mais uma parcela de dinheiro aos coletivos de catadores. A cooperativa da Vila Pinto indicou ao programa no qual está inscrita que pode coletar e vender 400 toneladas de vidro por ano, sendo que recebem R$ 85,00 por cada tonelada. A projeção inicial é de que a Vidrofix faça a coleta de 30 toneladas mensais, 360 por ano.

 

Caminhão realizando coleta de resíduos depositados em contêineres. Foto: Pedro Piegas/PMPA

Em 2021, a aprovação da Lei nº 14.260 passou a garantir a dedução do Imposto de Renda a empresas comprometidas com projetos de reciclagem. Com a aprovação da lei, ficou instituído o Fundo de Investimentos (ProRecicle), cujos recursos podem ser destinados a projetos de reciclagem. A grande dúvida que surge é sobre quais projetos podem ser beneficiados. De acordo com o texto aprovado, serão considerados, dentre outras categorias, os projetos que abarquem: implantação e adaptação de sua infraestrutura física para coleta de recicláveis; aquisição de equipamentos e de veículos para a coleta seletiva; e desenvolvimento de novas tecnologias para agregar valor ao trabalho de coleta de materiais reutilizáveis e recicláveis.

Em junho de 2023, o Ministério do Meio Ambiente criou uma comissão para regulamentar a lei. Cerca de R$ 300 milhões já estão reservados pela União, sendo R$ 195 milhões para pessoas jurídicas e R$ 105 milhões para pessoas físicas. A lei aprovada passa a garantir que pessoas jurídicas (empresas) possam deduzir até 1% do seu Imposto de Renda. Antes de serem executados, os projetos deverão ser aprovados pelo Ministério do Meio Ambiente. Este dispositivo é parecido com a Lei Rouanet, presente no setor cultural do país. Questionada, a Vidrofix não respondeu se estaria apta a participar do programa.

A Secretaria Municipal de Parcerias de Porto Alegre, representante da Prefeitura de Porto Alegre, não respondeu aos questionamentos do Sul21 sobre o assunto.

 

Coletores destinados a resíduos de vidro. Foto: Alex Rocha/PMPA

Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora