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11 de agosto de 2023
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17:32

Código de vestimenta e proibição de bebês: regras de visitas a presídios do RS revoltam familiares

Por
Luciano Velleda
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Familiares de apenados dizem que só sairão da frente do Palácio Piratini após serem recebidos pelo governo. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Familiares de apenados dizem que só sairão da frente do Palácio Piratini após serem recebidos pelo governo. Foto: Joana Berwanger/Sul21

A entrada em vigor de novas regras para visitas de familiares no sistema penitenciário do Rio Grande do Sul tem causado revolta em parentes de presos. Desde a última segunda-feira (7), dezenas de familiares estão acampados na Praça da Matriz, em Porto Alegre, em frente ao Palácio Piratini, sede do governo estadual. A Normativa 14/2023 entrou em vigor quarta-feira (9).

As principais reclamações dos familiares se referem à obrigatoriedade de usar roupas com cores específicas na visita ao apenado (e sem bolso), a proibição de visita com bebês de até seis meses de idade (o encontro só será permitido de forma assistida e com agendamento), entre outros pontos.

Sem querer revelar o nome para não sofrer represália, A.P, com parente na Penitenciária Estadual de Sapucaia do Sul, diz que muitos familiares não têm condições financeiras para comprar roupas nas cores determinadas pela nova regra – amarelo, vermelho, rosa e azul. Antes, a regra apenas não permitia roupas escuras. “Não somos presas, não somos criminosas, e eles querem que a gente ande de uniforme como os presos”, ela afirma.

O pote de alimentação também diminuiu. Agora de 2 litros, ele é alvo de queixas. Os familiares consideram a quantidade insuficiente, porque o pote não pode ser preenchido totalmente e deve deixar espaço para ser revistado. Os dias de visitação devem diminuir, podendo ficar restritos aos finais de semana.

A quantidade de itens para entregar ao parente preso é outra reclamação. Antes, eram permitidos 10 itens de livre escolha e agora são cinco itens de higiene e cinco de alimentação. Porém, cigarros e chimarrão, por exemplo, passaram a entrar na cota de itens de alimentação.

“Se levar cigarro, só sobram quatro itens e isto não dá pra nada”, critica A.P.

Ela afirma que o grupo ainda não foi recebido pelo governo do Estado e que a intenção é manter a mobilização até que isso aconteça.

Segundo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), a uniformização das cores de roupa para a visita é “fundamental para diferenciar visual e rapidamente visitantes de apenados e servidores”.

O órgão afirma que as novas regras buscam “garantir maior proteção aos visitantes e, ao mesmo tempo, evitar o controle das organizações criminosas nestes locais”. Confira a íntegra da nota abaixo.

Outra mulher acampada em frente ao Palácio Piratini, com familiar preso em Montenegro, diz que as mudanças foram todas para piorar as regras de visitação. Ela afirma que as novas regras infringem leis que estabelecem a visitação de filhos menores de idade, assim como da visita íntima. Para ela, a normativa vai gerar “um caos” no sistema judiciário, com muitas ações contrárias.

No caso de bebês de até seis meses de idade, a visita agora só poderá ocorrer de forma assistida, com horário marcado e apenas uma vez por mês. Após os seis meses, a visita também é mensal, mas com tempo de duração maior.

O problema maior da nova regra, explica L.S, é com mulheres com mais de um filho, pois estas terão que agendar mais de uma visita e em dias distintos: uma para levar o bebê de até seis meses e outra para levar os filhos maiores.

“Vamos ficar aqui até derrubar a normativa ou ela se adequar ao que todas as casas prisionais precisam. Além da portaria ser ruim, tem casas (prisionais) dizendo que farão diferente e que a visita de bebê só será a partir de um ano”, afirma.

Em Sapucaia do Sul, por exemplo, A.P destaca que a direção do presídio anunciou que não permitirá visita de bebês com menos de seis meses. “Imagina o pai conhecer a criança só depois de seis meses?”

De acordo com a Susepe, a nova regra relativa a visita de bebês visa “proteger” as crianças.

“A entrada de recém-nascidos nas penitenciárias – ambientes nocivos e de muita circulação de pessoas – foi restringida para proteger os bebês de até seis meses, justamente os mais expostos a doenças, por não estarem ainda com o ciclo vacinal completo”, explica o órgão.

Protesto de familiares de apenados em frente ao Palácio Piratini. Foto: Joana Berwanger/Sul21

As novas regras de visita nas penitenciárias gaúchas foram debatidas na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa na última quarta-feira (9). A deputada Luciana Genro denunciou que as condições que estão sendo oferecidas para as visitas e para o ingresso de materiais são precárias e vão na contramão de um processo real de ressocialização e humanização do preso. Além disso, as roupas acabam por estigmatizar as famílias.

“Em aparente retaliação à mobilização das famílias, foi relatado que foram confiscados alimentos que haviam sido levados para os detentos pelos seus familiares. É totalmente inaceitável que o governo retire os alimentos que os apenados receberam de suas famílias,” destacou.

Kathlyn Pereira, esposa de um apenado da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, se emocionou ao relatar que o marido passou por uma cirurgia há pouco tempo e tem sofrido ainda mais com a recuperação. “Meu marido está sem comer desde domingo, pois tiraram da cela a dieta do pós-operatório e até a água, que são coisas que a família levou! A gente precisa que isso acabe hoje, é desumano!”, pediu.

De Cruz Alta, Rayane Vitória Medeiros Machado apontou que os familiares têm consciência de que o Estado não supre a necessidade dos presos, em especial no que se refere à alimentação, e por isso os potes de comida são importantes, além de representarem afeto e cuidado.

“Acreditamos que a ressocialização do preso vem através do carinho, amor e isso só é possível através do contato com a família, com os filhos. Por mais que eles estejam lá cumprindo pena, são seres humanos, são gente”, destacou.

O advogado Marcelo Terra Reis chamou de violência é institucional as novas regras e disse que as medidas tomadas pela Susepe ferem não só os direitos dos apenados, como o dos seus filhos.

“As crianças podem ir visitar somente acima de um ano, excepcionalmente com seis meses. Grávidas só podem ver o companheiro até o sétimo mês de gestação. Se estiverem molhadas, pegarem chuva, não podem fazer visita. Isso viola os direitos humanos, viola a Constituição. São regras institucionais que querem inviabilizar o convívio familiar. Não entendemos porque o estado do Rio Grande do Sul está tomando essas medidas. São medidas eugênicas, que dividem a sociedade. A Susepe está passando para a família o cumprimento da pena,” encerrou.

Mudança na regra de visita de crianças é um dos focos de tensão. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Na quinta-feira (10), a Comissão de Segurança e Serviços Públicos e Modernização do Estado, decidiu pedir reunião com o secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo, Luiz Henrique Viana, e o dirigente da Susepe, Mateus Schwartz dos Anjos, para tratar da normativa que impõe novo regramento às visitas nas casas prisionais no RS.

Na terça-feira (8), o deputado estadual Jeferson Fernandes (PT) havia usado a tribuna da Assembleia para alertar para a gravidade que ronda o sistema prisional com a nova normativa, tendo em vista a fragilidade do controle interno das prisões pelo Estado, que estariam em sua maioria sob domínio de facções criminosas. O deputado considerou ser preciso uma manifestação urgente do governador Eduardo Leite e sua equipe do sistema prisional.

“Há mobilização em todas as unidades prisionais do RS e desconforto dos servidores pelo baixo efetivo. E as facções criminosas se aproveitam disso”, advertiu, avaliando que “o Estado abriu mão de comandar as penitenciárias”. Segundo ele, autoridades da área prisional e familiares estão sofrendo ameaças de morte. O parlamentar entende que as medidas de disciplina são positivas, mas devem ser planejadas para a sua implementação.

“Esta é uma questão de estado”, reiterou Fernandes, ao sugerir a reunião de emergência com o governo. Também advertiu que a proximidade do Dia dos Pais, no próximo domingo (13), aumenta a tensão nos presídios diante dessa situação.

O deputado Leonel Radde (PT) observou que o RS, atualmente, reúne o maior número de facções que se fortalecem dentro do sistema prisional, e advertiu que “determinadas decisões podem ter reflexo em termos de tragédia”, uma vez que o Estado não controla boa parte do sistema prisional, resultado da desarticulação do próprio sistema, superlotação, baixo índice de ressocialização e servidores desmotivados.

Protesto de familiares de presos já dura cinco dias. Foto: Joana Berwanger/Sul21

“A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) informa que a nova Instrução Normativa 14/2023 padroniza as visitações nos estabelecimentos prisionais de todo o Rio Grande do Sul. Busca garantir maior proteção aos visitantes e, ao mesmo tempo, evitar o controle das organizações criminosas nestes locais.

Um dos pontos levantados pelos manifestantes, por exemplo, refere-se às cores das roupas. No regramento anterior, havia a proibição de determinadas cores. No atual, optou-se por, ao contrário, identificar as cores permitidas. A uniformização neste item é fundamental para diferenciar visual e rapidamente visitantes de apenados e servidores.

A entrada de recém-nascidos nas penitenciárias – ambientes nocivos e de muita circulação de pessoas – foi restringida para proteger os bebês de até seis meses, justamente os mais expostos a doenças, por não estarem ainda com o ciclo vacinal completo.

Em integração total com as demais forças de segurança, a Susepe age para garantir o devido cumprimento de pena de restrição de liberdade no sistema prisional e enfrentar, sempre que necessário, as ameaças do crime organizado. Porque, ao fim, o que estará em jogo, invariavelmente, é a segurança de todos.”


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