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19 de julho de 2023
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17:39

Fernando Marroni: Trensurb não será privatizada no governo Lula

Por
Luís Gomes
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Fernando Marroni, diretor-presidente da Trensurb | Foto: Luiza Castro/Sul21
Fernando Marroni, diretor-presidente da Trensurb | Foto: Luiza Castro/Sul21

A Trensurb, estatal federal de trens metropolitanos que faz a ligação entre Porto Alegre e Novo Hamburgo, foi incluída em setembro de 2019, por decreto do então presidente Jair Bolsonaro, no Programa Nacional de Desestatização. Terminado o governo anterior sem que a privatização ocorresse, o governo Lula agora deverá excluir a empresa do PND. É o que garante o diretor-presidente Fernando Marroni, que tomou posse no cargo no dia 8 de julho.

Em conversa com o Sul21 em seu gabinete nesta terça-feira (18), Marroni garantiu que, apesar de a retirada da Trensurb do PND ainda não ter sido formaliza oficialmente, o governo Lula irá manter a promessa feita pelo ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, a parlamentares gaúchos no mês de maio. “Não foi confirmado oficialmente porque é um pacote com todas as empresas, não dá para tirar só o trem, né? É um conjunto de empresas, inclusive de trens, que estão nesse projeto. Então, a Casa Civil está vendo a melhor forma de transitar para sair do PND. Mas há um compromisso do presidente Lula, nem pensar na privatização”, explicou.

Ao longo da conversa, Marroni diz que a Trensurb enfrenta um déficit orçamentário que exigirá recomposição do governo federal  e que inviabiliza, no momento, qualquer projeto de investimento. Contudo, ele destaca que há projetos que permitiram a redução dos custos de operação e que a sua gestão está disputando investimentos em programas do governo federal para a expansão da linha para outras cidades da Região Metropolitana.

“A nossa prioridade aqui é botar o trem em pé. Bom, a substituição da frota antiga, manutenção da rede, da linha, são gargalos que nós temos hoje. Mas, claro, nós disputamos aqui no PPA participativo, nós estamos disputando no PAC, porque aí também é uma empresa do governo federal, em que o governo federal pode atuar diretamente, não depende do Estado. Então, também nós estamos fazendo essa reivindicação. E, claro, o governo está olhando todo o sistema, mas tem essa disposição, tem essa diretriz, ‘vamos apostar num transporte ferroviário’”, afirma.

A seguir, confira a íntegra da conversa com Fernando Marroni.

 

Marroni diz que prioridade da Trensurb é colocar contas em dia | Foto: Luiza Castro/Sul21

Sul21: O senhor já tinha sido anunciado como diretor-presidente da Trensurb, mas tomou posse apenas no início de julho. Como o senhor encontrou a Trensurb?

Fernando Marroni: Bom, primeiro que a empresa ficou seis anos, praticamente, sem nenhum investimento. Então, nós temos desafios aqui, desde propriamente a linha física, que tem problemas de estabilidade, tem problemas de renovação de dormentes, essa coisa toda, o que, de uma certa forma, nos causa apreensão sobre a segurança da prestação de serviço.

A maior conta que nós temos aqui, além de pessoal, é energia. Não foi tomada nenhuma iniciativa nesse sentido. Então, isso evidentemente que tem um impacto grande na tarifa. As primeiras iniciativas nossas aqui são sair desse mercado de consumidor cativo para o mercado livre, que aí tem uma grande vantagem, nós podemos chegar aí a algo em torno de 20% do custo de energia aqui.

Sul21: Redução de 20% do custo só com energia?

Fernando Marroni: O custo de energia é 40% do custo da empresa, então seria um impacto importante. Nós também temos aqui um desafio da geração própria. É inacreditável, porque qualquer cidadão coloca uma placa solar em cima da sua casa e tal para redução do seu consumo e aqui não foi feita nenhuma iniciativa nesse sentido.

A vantagem que a gente tem aqui é que tem um corpo de servidores e funcionários muito capacitado, muito experimentado, são quadros muito importantes, o que de uma certa forma manteve a imagem da empresa para fora. O usuário do serviço considera aí 85% de bom e ótimo a prestação do serviço do trem. Mesmo com todas esses problemas que a gente teve de falta de investimento, isso não transparece lá para fora. Eu atribuo muito ao desempenho do quadro funcional da empresa.

Temos um desafio orçamentário que nós estamos vivendo aqui, porque o orçamento previsto foi em torno de R$ 90 milhões. Nos últimos seis anos, ele caiu de R$ 220 milhões para esse último orçamento previsto de R$ 90 milhões. Então, nós estamos aqui a descoberto, orçamentariamente, R$ 80 milhões hoje. Esse é um desafio que nós vamos ter que ir para o crédito suplementar, vai ter que ser aprovado no Congresso, como de resto quase todo o serviço público.

Acho que são os principais temas aqui que a gente tem na nossa agenda. E, evidentemente, que esta frota antiga que tem 40 anos e funciona, mas ela tem custo muito alto. Em relação à frota nova, é um prejuízo para a empresa manter essa frota. Então, a renovação desses 25 trens antigos é uma necessidade imperiosa aqui para a empresa.

Sul21: Já teve conversas com o governo federal para recomposição orçamentária, ao menos de forma gradativa, nos próximos anos?

Fernando Marroni: Temos dois pontos importantes [com o governo federal]. Um de estar no PND [Programa Nacional de Desestatização], que foi o objeto de uma audiência da bancada federal, junto com a bancada estadual aqui, representada pelo deputado Miguel Rossetto, com o chefe da Casa Civil [ministro Rui Costa], que se comprometeu que a Tresnurb será retirado do PND.

Sul21: Mas isso não foi confirmado oficialmente ainda.

Fernando Marroni: Não foi confirmado oficialmente porque é um pacote com todas as empresas, não dá para tirar só o trem, né? É um conjunto de empresas, inclusive de trens, que estão nesse nesse projeto. Então, a Casa Civil está vendo a melhor forma de transitar para sair do PND. Mas há um compromisso do presidente Lula, nem pensar na privatização.

E do orçamento, claro, nós já estamos fazendo as gestões junto ao governo e à Casa Civil. Hoje, a rigor, nós estamos na Casa Civil, porque as empresas que estão no PND estavam no Planejamento e, com a reforma que aconteceu por aquela Medida Provisória de reestruturação do governo, passaram a estar ligadas à Casa Civil. Então, nós estamos tratando isso com a Casa Civil e, bueno, é para pagar contas. Não tem nenhum item de investimentos, tudo despesas correntes, custeio. Então, acho que o governo não vai nos deixar aí sem esse custeio, porque não pode parar o trem.

Sul21: O compromisso que a gestão federal tem hoje é de não privatização. Dá para afirmar que a Trensurb não vai ser privatizada nesse governo?

Fernando Marroni: Não vai ser privatizada. No governo do presidente Lula, não. Nós estamos vivendo uma uma falência do sistema de transporte público, rodoviário e ferroviário. Primeiro, porque não é possível mais sustentar o sistema com tarifa. Veja, nossa tarifa aqui é R$ 4,50. O nosso custo aqui é R$ 9,70. Então, praticamente a União coloca 100% do que é praticado pelo usuário. Se tu aumenta tarifa, tu perde passageiro, e aconteceu quando passou de R$ 1,70 para R$ 4,50.

E outra, se um trabalhador tem que se deslocar num ônibus e fazer uma conexão, não existe integração. Ou seja, não existe um bilhete único que ele possa andar num sistema e no outro. Então, se ele tiver que pegar um ônibus e o metrô, ele vai consumir 25% do salário mínimo só para se transportar. Isso é inviável. Já é inviável com as tarifas que a gente pratica, que são subsidiadas. Imagina num processo [de privatização]. E as cidades estão vivendo isso, Porto Alegre está subsidiando o transporte rodoviário, emissor de carbono. Eu eu brinco aqui, nós éramos para receber um incentivo verde. Não é um subsídio, é incentivo verde, por conta da energia que nós usamos aqui, que é energia limpa. Então, o desafio brasileiro hoje, não é um desafio da Região Metropolitana de Porto Alegre, é que as tarifas em qualquer estado não suportam o custo do sistema.

Eu fiquei acompanhando a reunião do diretório nacional do PT, que aconteceu agora no fim de semana, e o PT tirou como diretriz a tarifa zero. Eu acho, penso e concordo que nós temos que evoluir para um sistema onde se garanta o direito constitucional das pessoas. Está na Constituição, o cidadão tem direito à locomoção, à mobilidade. E, para que esse dispositivo constitucional seja garantido, precisa de uma política pública. Como que a gente vai fazer para ter uma fonte de financiamento para o sistema de transporte coletivo, para garantir esse direito? Bom, esse é um desafio para o governo.

Sul21: Qual é o valor anual do subsídio da União para a tarifa da Trensurb?

Fernando Marroni: R$ 170 milhões de aporte do governo federal.

Sul21: Imaginemos, então, que seria necessário um aporte de mais cerca de R$ 170 milhões para a Trensurb funcionar com tarifa zero.

Fernando Marroni: Sim. Mas, a rigor, nós podemos baixar muito o custo de energia, não só nessa iniciativa, que é mais rápida, de trocar o mercado cativo pelo mercado livre, mas também uma outra iniciativa que nós estamos aqui projetando, que é nós sermos geradores. Nas estações, as placas resolvem. E, para a energia de tração dos trens, que é entre dois terços e 80% do consumo, se nós trocarmos a frota antiga, nós diminuímos esse custo. E se a gente gerar a própria energia, que é possível hoje, nós podemos zerar o custo de energia.

Sul21: Que representa 40% do custo.

Fernando Marroni: Isso. Então, bom, nós poderíamos diminuir quase a metade da tarifa no caso. Essa economia poderia se reverter em benefício do cidadão.

Sul21: Eu queria voltar aos desafios do transporte público em geral. A gente ouve há vários anos, décadas, que os sistemas estão falidos.

Fernando Marroni: E depois da pandemia piorou.

Sul21: Piorou, claro. Mas a gente não vê mudanças no sistema de transporte público nas últimas décadas, excetuando em algumas cidades, como Rio e São Paulo, que o metrô até que avançou. Em Porto Alegre, o sistema de bacias é o mesmo e, em geral no País, os sistema são os mesmos desde quando se fez o diagnóstico de que estavam falidos. Como o senhor vê a possibilidade de inserção do trem e da Trensurb para tentar contornar essa situação?

Fernando Marroni: Eu penso que a Trensurb tem uma grande responsabilidade, porque ela é um eixo aqui que vertebra o sistema da Região Metropolitana. Claro, com uma ausência. No início, o projeto de expansão da Trensurb pegava Alvorada, Cachoeirinha, Gravataí e uma outra ponta para Viamão. Ou seja, essas cidades que estão no nosso eixo há 40 anos atrás não era assim. Demandavam Porto Alegre, hoje não. Canoas, Novo Hamburgo e São Leopoldo são cidades autônomas. E outra, mudou muito a busca pela prestação de serviço. Hoje, tu faz isso em rede, etc. A pandemia deu uma acelerada também no home office, então mudou muito o perfil nessa nossa linha aqui. Enquanto a região de Alvorada e Viamão são cidades dormitórios, que demandam muito Porto Alegre. Então, a expansão do trem para aquela região, somada a esta linha vertebra aqui no eixo até Novo Hamburgo, nós temos uma grande responsabilidade de nos integrarmos, mas depende de cada uma das prefeituras, porque cada prefeitura tem a sua licitação própria, tem o seu sistema próprio.

Então, a Trensurb não vai, na nossa gestão, se omitir sobre esse tema. Inclusive, nós queremos ser proativos, conversar com a Granpal [Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre]. Eu já tenho agenda aqui com todos os prefeitos da região, com o prefeito de Porto Alegre, principalmente. Mas depende também de uma iniciativa do governo do Estado com a Metroplan. Esse tema da integração, por exemplo, não é possível que a gente só tenha aqui com Porto Alegre e com Canoas, mas tem 10% de desconto na passagem se ele pegar o ônibus e pegar o trem. Isso não resolve o problema do passageiro, nem resolve o problema do sistema.

Nós entendemos a nossa responsabilidade e vamos ser proativos nisso, porque nós temos a ociosidade também na demanda. A Trensurb tem um um estudo em curso de origem e destino desta região onde a gente atua para que a gente possa também mostrar isso. Nós já transportamos 200 mil passageiros por dia, hoje estamos transportando 110, 115 mil por dia É um equipamento muito importante.

E, veja, assim como como o Brasil abandonou a sua malha ferroviária já lá no fim da década de 90, quando foi feita a privatização da malha, que foi um erro, porque uma coisa é uma concessão para tu circular nas linhas existentes, outra coisa é tu conceder as linhas, porque foi concedida a malha inteira para uma uma só empresa. E essa empresa para cumprir os índices exigidos no edital, ela cumpre transportando ferro, não precisa fazer mais nenhum transporte no País inteiro, porque aquilo ali lhe dá o índice para responder o que estava no edital. Quer dizer, foi muito mal feito. Uma coisa é conceder o direito de uso da linha, ‘olha, quer passar lá, quer transportar?’ Então, a empresa tal vai transportar, passa lá, vai pagar tanto, como se fosse uma rodovia com pedágio, uma coisa dessa natureza. Então, esse foi um equívoco. E assim como foi feito este abandono das ferrovias no País, foi abandonado aqui, porque nós temos 40 anos e só teve uma expansão em 2014 por conta da Copa, andou um pouquinho. Imagina, se esse projeto tivesse tido continuidade, nós teríamos hoje toda a Região Metropolitana e mais. Caxias está a 60 km de Novo Hamburgo, do nosso trem. Então, veja o potencial que se tem hoje.

Sul21: E quão realista é hoje a possibilidade de discussão de expansão das linhas?

Fernando Marroni: A nossa prioridade aqui é botar o trem em pé. Bom, a substituição da frota antiga, manutenção da rede, da linha, são gargalos que nós temos hoje. Mas, claro, nós disputamos aqui no PPA participativo, nós estamos disputando no PAC, porque aí também é uma empresa do governo federal, em que o governo federal pode atuar diretamente, não depende do Estado. Então, também nós estamos fazendo essa reivindicação. E, claro, o governo está olhando todo o sistema, mas tem essa disposição, tem essa diretriz, ‘vamos apostar num transporte ferroviário’. O que já aconteceu um pouco lá em 2014 e tal, com os VLTs, com novos trens, expansão de três. A nossa perspectiva é que isso se concretize, que o governo Lula tenha realmente uma incidência forte nisso para superar esse problema da falência do sistema. Nós só vamos superar com equipamentos mais eficientes, com integração e assim por diante.

Sul21: Em havendo expansão da linha, quais seriam as prioridades?

Fernando Marroni: A nossa prioridade aqui é o projeto original, que seria esta parte da zona sul de Porto Alegre, a ligação até Viamão e a uma bifurcação em Alvorada, pegando Alvorada, Cachoeirinha e Gravataí, que é onde tem, digamos assim, um grande potencial de passageiro. Mas, claro, esse nosso estudo de demanda está atualizando isso.

Sul21: Esse estudo começou quando?

Fernando Marroni: Já estava em curso. Acho que até por conta do processo de privatização, eles contrataram uma consultoria e está em curso.

Sul21: Qual a previsão para conclusão?

Fernando Marroni: Agora tem mais 90 dias, eu acho.

Sul21: Quais são os maiores entraves para gente ter soluções para a integração com os demais sistemas de transporte metropolitano?

Fernando Marroni: Eu penso assim, que se teria que ter um novo marco legal dos consórcios [entre municípios], por exemplo. A institucionalização dos consórcios, eu votei isso quando eu estava na Câmara Federal, é para superar essa fragmentação de, por exemplo, cada cidade ter o seu próprio sistema e não enxergar o outro. Às vezes, até esse processo limita o gestor de poder ter uma iniciativa proativa. Então, acho que a saída é o consórcio administrado pelas prefeituras, mas coordenado também pelo governo do Estado. O governo do Estado tem responsabilidade sobre as regiões metropolitanas.

Por exemplo, existe a possibilidade da Granpal ter um consórcio metropolitano sobre o sistema de transporte coletivo. Vamos fazer uma licitação só que preveja as integrações e que preveja o trem nesse processo. O que se tem de instrumento legal para superar fragmentação é o consórcio.

Sul21: Na questão da renovação da frota, qual é a proposta da Trensurb?

Fernando Marroni: Seria os 25 trens originais. Depois, nós temos 15 trens da Série 200, que são os três mais modernos, que têm freio a disco, não consome tanto a roda, o sistema de motorização é moderno, quando freia carrega energia, tem essa coisa da energia reversa. Então, já é um equipamento mais atualizado. Se nós atualizamos a Série 100, nós vamos ter a diminuição nos custos.

Sul21: Qual é a estimativa de custos para fazer essa atualização?

Fernando Marroni: Olha, no PPA anterior, foi colocado R$ 600 milhões, mas hoje talvez tenha que atualizar esse valor, talvez gire em torno de R$ 1 bilhão.

Sul21: Alguma consideração final?

Fernando Marroni: Para nós, o trem está inserido nesta política nacional do presidente Lula sobre sustentabilidade, é uma ferramenta importante para que a gente avance nisso, substitua o modelo que a gente tem de transporte a diesel, sobre pneus, etc. É uma ferramenta que pode ajudar essa diretriz do governo, que está muito presente em todas as iniciativas do presidente Lula. Isso é importante para nós, a marca da sustentabilidade. E esse é o futuro, né? Nós vamos contribuir para as gerações futuras se a gente aumentar a oferta de serviços na Região Metropolitana de Porto Alegre.


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