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13 de abril de 2022
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16:56

Fome, falta de estrutura nas escolas e de ações de saúde: a situação dos indígenas no RS

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Sul 21
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Comissão recebeu relatório nesta quarta (13). Foto: Celso Bender/ALRS
Comissão recebeu relatório nesta quarta (13). Foto: Celso Bender/ALRS

A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos recebeu nesta quarta-feira (13) o relatório do Grupo de Trabalho sobre Implementação de políticas públicas nas comunidades indígenas no Rio Grande do Sul, durante e após a pandemia de covid-19. O levantamento apurou a vulnerabilidade alimentar durante a pandemia e nos meses subsequentes das etnias Guarani, Kaingang, Xokleng e Charrua do Estado, tanto pelo recuo das ações governamentais quanto pela fragilidade das políticas públicas voltadas para essa população. O tema foi debatido em audiência pública da CCDH no início da pandemia, em 2020, demandada pelo Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI), tendo como desdobramento a instituição de um grupo de trabalho para realizar diagnóstico e propor soluções.

A vice-presidente da comissão, deputada Sofia Cavedon (PT), encaminhou a reunião. Entre as principais sugestões apontadas pelo relatório seria a necessidade de R$ 27 milhões de recursos, levantada à época pelo grupo, para a compra de cestas básicas em 2021 e 2022 para as 7.500 famílias das aldeias que estão em situação de fome e insegurança alimentar. Também sugere a complementação do valor da alimentação escolar aos indígenas, cujo valor no orçamento da Secretaria da Educação é de R$ 0,50 centavos por estudante e o relatório propõe que seja ampliado para R$ 2,50. “São ações emergenciais, uma vez que a fome é o principal problema que assola as aldeias indígenas”, destacou Joana Bassi, da secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura. Ela alertou que a fome e a insegurança alimentar dos indígenas não pôde ser enfrentada no período da pandemia e deverá persistir nos próximos meses.

Além da fome, as aldeias reclamam ações voltadas para a saúde específica dos indígenas, estrutura e internet nas escolas indígenas e habitações decentes para os habitantes das quatro etnias.

Conforme explicou Agda Ikuta, da secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural e Conselheira do CEPI, o relatório indica ainda a necessidade de enfrentar os problemas de autossustento, produção ilegal de produtos transgênicos nas terras indígenas ou parcerias com terceiros, e a construção de meios para ampliar e assegurar orçamento estadual para as ações existentes. Uma das ponderações do relatório é quanto ao resgate da alimentação tradicional dessas comunidades nas cestas básicas distribuídas pelo governo.

Por solicitação do deputado Jeferson Fernandes (PT), a CCDH acolheu no espaço de Assuntos Gerais os membros do Conselho Estadual dos Povos Indígenas e das Comunidade Indígenas vinculadas ao Conselho, além de autoridades da Procuradoria Geral do Estado. Autor da audiência pública que em 2020 debateu o desamparo das comunidades indígenas no período da pandemia, Fernandes destacou os resultados do relatório que apontam a ausência da União no cumprimento de atenção mínima aos povos originários em seus territórios, em especial a Funai, considerando “inadmissível” a desatenção dos entes federais aos indígenas. O deputado sugeriu o encaminhamento do documento ao governador Ranolfo Vieira Júnior e também aos pré-candidatos ao governo do Estado, uma vez que o relatório apurou com precisão a situação estrutural das quatro etnias que vivem no RS.

Durante a exposição, realizada de forma presencial na Sala da Convergência, no Palácio Farroupilha, e também em formato virtual, manifestaram-se agentes públicos que participaram da elaboração do documento, como o cacique Cláudio Acosta, coordenador da etnia guarani no CEPI, que destacou a situação das 52 comunidades. Ele indicou urgências também nas habitações e nas escolas indígenas, muitas delas desaparelhadas e sem acesso à internet, ferramenta que permitirá também a participação dos conselheiros das aldeias nas reuniões do CEPI. Sem recursos públicos, muitos caciques e cacicas têm que dispor de seus próprios meios para os deslocamentos até a capital, para as reuniões. Muitos vendem artesanato ou ramos de chá nas proximidades das aldeias para custear esses deslocamentos, tal o desamparo governamental em que se encontram.

Lucas Wegner Medronha, da secretaria de Igualdade, Cidadania e Direitos Humanos e Assistência Social, e conselheiro do CEPI, destacou a metodologia do Grupo de Trabalho, que apurou a situação das políticas públicas aos indígenas no período da pandemia e as ações realizadas, assim como o levantamento das ações e as principais políticas conduzidas pelo governo e, ainda, a elaboração de propostas prioritárias para o enfrentamento da situação. Ele identificou “aumento da fome, dificuldade de produção de alimentos nas aldeias e não acesso das famílias aos programas de proteção social, saúde e vigilância sanitária, contaminação e morte nas aldeias”, além de outros problemas, como a falta de profissionais de saúde durante a pandemia, dificuldade de comunicação para as aulas online para o ensino regular e também depois da pandemia, uma vez que muitas crianças indígenas continuam sem aulas.

No dia 25, às 14h30, haverá reunião do CEPI com a Secretaria de Igualdade, Direitos Humanos e Assistência Social para encaminhar relatório ao governo.

Guilherme Müller, da Secretaria Estadual da Saúde e Conselheiro do CEPI, disse que é preciso assegurar servidores suficientes na área da saúde e em todas as outras secretarias, principalmente no que tange a pauta indígena, uma vez que há déficit e fuga de servidores, devido ao arrocho salarial e o parcelamento iniciados há 7 anos no estado. Além disso, deve-se assegurar recursos para o cofinanciamento estadual para a saúde indígena, que tem fortalecido a atuação das equipes do Ministério da Saúde, em âmbito da Atenção Primária. Também alertou para o compartilhamento de informações e dados por parte da Sesai, para que estados e municípios possam atuar de forma orientada. Por fim, abordou a importância do respeito à medicina tradicional indígena, e às práticas espirituais e de cura em aldeias indígenas.

Outras recomendações foram apresentadas por Diocela de Andrade, da secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, como dinamizar a política educacional e alimentar nas escolas com as políticas de produção de alimentos e saúde publica.

A primeira manifestação das aldeias foi da Cacica Cullung Veitchá Teie, coordenadora da etnia xokleng no CEPI. Ela referiu o direito ancestral aos territórios que reivindicam em parque localizado no município de São Francisco de Paula, onde estão acampados há dois anos ao longo da rodovia, aguardando decisão do governo federal e do ICMBIO, que administra o local. Relatou dificuldades dramáticas no frio, na falta de escola para as crianças e de atendimento de saúde apropriado à sua comunidade. Reclamou que o prefeito não recebe as demandas dos Xokleng, “estamos sofrendo nas nossas terras tradicionais e também nas nossas aldeias”, referindo-se aos outros parentes, como são considerados os indígenas entre si, Kainkang, Guaranis e Charrua.

Cullung falou também da manipulação praticada pelos brancos junto aos indígenas, para acessar seus territórios, promover conflitos e mortes dentro das aldeias. Como representante da aldeia, pediu que a energia elétrica da escola seja ativada para garantir a educação bilíngue aos 15 curumins, que perderam aulas no ano passado e seguem aguardando o direito ao acesso à educação. Também pediu atenção à saúde das mulheres, das gestantes e criança que aguardava medicação especial, situação que só foi contornada por ação do Ministério Público Federal. E convidou para a festa da celebração no território tradicional do povo Xokleng Konglui, no dia 30 de abril, quando ocorrerá o ritual de batismo das crianças e a inauguração da escola indígena. Ao encerrar, comentou que os parentes, em Brasília, estão mobilizados para assegurar a demarcação das terras indígenas.

A seguir manifestaram-se outros caciques, como Miguel, João Batista e Gabriel Nascimento, da aldeia da Serrinha; e André Benitez, de Maquiné.

O procurador da Procuradoria Geral do Estado (PGE), Silvio Jardim, elogiou o relatório produzido pelo Grupo de Trabalho e reiterou a necessidade de efetiva política de estado, “com diretrizes claras a respeito dos processos de reparação instituídos no regramento jurídico do país”. Um dos retrocessos que aumenta o drama das comunidades indígenas aconteceu hoje pela manhã, referiu Jardim, ao relatar que a comunidade em Charqueadas, em área da Fepagro, na Fazenda Carola, onde 37 famílias estão alojadas em área da CEEE, teve a energia cortada. Esse local está em processo de regularização como reserva indígena, informou o procurador, que solicitou a imediata intervenção da CCDH na questão. Silvio Jardim também lamentou a invisibilidade das comunidades indígenas no orçamento do estado.

*Com informações da ALRS


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