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30 de janeiro de 2022
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09:10

Funai está ‘trabalhando ativamente’ para exterminar povos indígenas, denuncia organização

Por
Marco Weissheimer
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Desmatamento na Terra Indígena Ituna/Itatá. (Foto: Juan Doblas/Instituto Socioambiental)
Desmatamento na Terra Indígena Ituna/Itatá. (Foto: Juan Doblas/Instituto Socioambiental)

O Ministério Público Federal de Altamira (PA) formalizou, dia 25 de janeiro, uma ação junto à Justiça Federal  que envolve a existência de ações dentro da Fundação Nacional do Índio (Funai) para abrir à exploração comercial territórios de indígenas isolados no Pará. Segundo a organização Survival International, que atua na defesa dos direitos dos povos indígenas, essas ações (como a perda intencional de prazos para procedimentos legais) envolveriam funcionários do alto escalão da Funai e teriam como objetivo abrir a Terra Indígena Ituna Itatá, localizada no Pará, à exploração comercial, negando evidências da existência de indígenas isolados no território.

A Survival International cita uma reunião do presidente da Funai, Marcelo Xavier, com o senador Zequinha Marinho (PL-PA) que há anos lidera uma campanha para a abertura desse território indígena à exploração comercial. Políticos anti-indígenas e pró-agronegócio do Pará, assinala a organização, estão há anos pressionando contra a renovação da restrição de uso. Um dos principais líderes dessa pressão para acabar com a restrição de uso do território é o senador Zequinha Marinho, vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, aliado do presidente Jair Bolsonaro e integrante da Assembleia de Deus. 

Nesta reunião, informações que deveriam ser de uso sigiloso de técnicos da Funai teriam sido repassadas e discutidas com o senador. Essas informações, diz a Survival, foram obtidas por uma equipe técnica da Funai que realizou uma expedição na TI Ituna Itatá, em agosto de 2021, e foram incluídas em um relatório produzido por servidores da Fundação. Entre outros dados sigilosos, o relatório aponta a possível localização dos indígenas isolados e o nome dos servidores que elaboraram o documento, expondo indígenas e servidores a possíveis ameaças, denuncia a organização.

Panela de cerâmica encontrada na Terra Indígena Ituna Itatá em agosto de 2021. (Foto: Funai)

Apesar das evidências da existência de indígenas isolados, encontradas pelos técnicos na expedição realizada em agosto de 2021, o diretor de Proteção Territorial da Funai, César Augusto Martinez, teria assinado um despacho para desqualificar essas evidências sem apresentar nenhum argumento plausível, diz a Survival. A Terra Indígena Ituna Itatá estava protegida legalmente por meio de um mecanismo de restrição de uso que protege territórios de povos indígenas isolados que ainda não tiveram seus processos de demarcação finalizados. No dia 26 de janeiro, a Justiça Federal acatou o pedido do Ministério Público Federal e determinou que a Funai renovasse, em 48 horas, a restrição de uso por um período de três anos. A restrição de uso proíbe a entrada de qualquer pessoa que não seja da Funai e impede atividades econômicas no local.

Entre as evidências relatadas pelos técnicos que participaram da expedição na TI Ituna Itatá, aponta a Survival International, estão “uma panela de cerâmica indígena, um casco de jabuti quebrado de maneira convencional por isolados e uma capoeira – um pequeno local de floresta que foi derrubado no passado, mas que se encontra em regeneração com árvores e arbustos e que evidencia que por ali passaram indígenas isolados”. Embora essas evidências tenham sido apontadas no relatório, acrescenta a organização, a direção da Funai negou que qualquer evidência da presença de indígenas isolados teria sido encontrada na expedição.

Para a diretora de pesquisas da Survival International, Fiona Watson, é impossível imaginar uma traição maior ao propósito da Funai do que esta. “Um órgão governamental que existe para defender os direitos dos povos indígenas agora está trabalhando ativamente para exterminá-los. É o genocídio em curso. Se isso não for contestado e revertido, testemunharemos a destruição completa de um dos povos em situação mais vulnerável do planeta”, afirmou.

O mecanismo da restrição de uso foi adotado pela primeira vez em 2011 como parte das condicionantes envolvendo o licenciamento da usina hidrelétrica de Belo Monte. Os estudos de impacto apontaram que os povos isolados da região sofreriam risco concreto de genocídio com a chegada de milhares de migrantes atraídos pela obra. Em 2013, 2016 e 2019 a portaria de restrição que protege o território foi renovada. Agora, o Ministério Público Federal avaliou que a Funai “deu todas as indicações de que não pretendia mais fazer a renovação”, deixando transcorrer prazos importantes o que motivou o acionamento da Justiça Federal.

O MPF citou a expedição de 2021 enviada para confirmr a presença de isolados dentro da Terra Indígena. Com base nas informações levantadas em campo, um relatório foi elaborado pela equipe responsável recomendando que fosse mantida a restrição de uso. No entanto, registrou o juiz federal Mateus Pontalti, que tomou a decisão de obrigar a Funai a fazer a renovação, “apesar do substancioso relatório produzido e da gravidade da situação que envolve a TI Ituna/Itatá, a presidência da Funai deixou transcorrer o prazo de vigência da Portaria 17/2019 sem justificar o motivo pelo qual resolveu desconsiderar a análise técnica e tomar posição diversa daquela sugerida”.

Os documentos do processo judicial que trata desse caso, informou o MP Federal, não serão divulgados na íntegra “porque contêm dados que são protegidos por sigilo, para preservar a vida e o direito de autodeterminação dos povos isolados”.


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