Educação
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7 de abril de 2024
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10:09

Orquestra Villa-Lobos completa 32 anos: ‘Exemplo contundente de transformação social pela arte’

Por
Luís Gomes
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Orquestra Villa-Lobos completa 32 anos com apresentação do espetáculo Mapa-Múndi | Foto: Divulgação
Orquestra Villa-Lobos completa 32 anos com apresentação do espetáculo Mapa-Múndi | Foto: Divulgação

Há 32 anos, no coração de uma das comunidades mais carentes de Porto Alegre, nascia um dos mais premiados projetos de educação e cultura da história da Capital. Criada pela iniciativa de uma professora de Música da Escola de Ensino Fundamental Heitor Villa-Lobos, na Vila Mapa, bairro Lomba do Pinheiro, a orquestra já fez mais de 1,4 mil concertos no Brasil na América Latina, realizando tradicionalmente apresentações de final de ano pelos principais palcos da cidade.

Idealizadora da Orquestra Villa-Lobos, a professora Cecília Silveira conta que o projeto tem origem na provocação de uma turma de 14 alunos que desejava aprofundar seus conhecimentos musicais. Ela então introduziu o ensino da flauta doce.

Com o passar do tempo, o projeto se espalhou por outras escolas municipais da Lomba do Pinheiro e se tornou um programa que, atualmente, conta com 23 educadores atuando em outros quatro locais do bairro — EMEFs Saint Hilaire, Afonso Guerreiro Lima e São Pedro e no Centro de Promoção da Criança e do Adolescente São Francisco de Assis.

Hoje, são mais de 300 alunos que recebem aulas de flauta doce, violino, viola, violoncelo, violão, cavaquinho, piano, baixo elétrico, percussão, a participação no coral infantil e adulto, teatro e gaita-ponto. O grupo artístico principal é composto por 35 jovens músicos.

Desde a sua fundação, a orquestra recebeu 29 premiações nas áreas da educação, cultura e dos direitos humanos a nível local, nacional e internacional. “A longevidade da orquestra é a comprovação de que um trabalho de educação feito com muita identidade e construindo coletivamente tem chance de ter sucesso”.

Cecília deixou de atuar diretamente com o ensino de instrumentos e assumiu a coordenação das oficinas e atividades formativas de educação musical. Além disso, é a diretora artística da Orquestra Villa-Lobos. “Sou a produtora, faço a direção artística, a regência, toda essa parte fica sob a minha responsabilidade”, diz.

A professora diz que não há um dado certo sobre o número de alunos que já passaram pelo programa, mas estima que seriam cerca de 20 mil. “O número não é maior por um motivo que nos deixa muito feliz: muitas das crianças que entraram há 10 anos permanecem no programa. Então, a rotatividade não é muito grande, muitos permanecem de um ano para outro”, diz.

 

Cecília Silveira (centro) durante apresentação da Orquestra Villa-Lobos | Foto: Divulgação

Ela avalia que o alcance do projeto pode ser considerado “imensurável” e destaca que o resultado concreto pode ser visto no impacto nas vidas dos estudantes e de mais de uma geração de diversas comunidades da Lomba do Pinheiro.

“Muitas das crianças e adolescentes que participam são filhos dos meus ex-alunos. A gente tem exemplos muito contundentes do que é uma transformação social por meio da arte. Poderia citar várias crianças e adolescente que cresceram e fizeram a opção pela música, e até outras que não seguiram esse caminho, mas que até hoje têm a experiência vivida dentro do projeto como muito importante na sua constituição como pessoa, nos seus valores e, principalmente, no desenvolvimento da sua sensibilidade como ser humano”, diz.

Um desses alunos impactados e que permanece até hoje no programa é Geyson William, 30 anos. Mais novo que a própria orquestra, Geyson conta que o gosto pela música vem de família, seu pai era mestre de bateria da escola de samba da comunidade, a Unidos da Vila Mapa. “Desde pequeno eu tive contato com música, desde os dois anos eu já estava no meio da bateria”.

A sua inscrição nas oficinas do programa, por volta de 2002 ou 2003, ocorreu porque sua mãe tinha o sonho de ver um filho tocando violino. O início, porém, dava-se com aulas de flauta doce. Já neste instrumento, Geyson começou a se destacar e mostrar a facilidade rítmica. No final de 2005, quando a orquestra se preparava para uma apresentação na Argentina, foi convidado para participar de um ensaio.

“Eu não tinha noção das coisas ainda, era pequeno. O primeiro ensaio que frequentei foi muito marcante. O momento de tocar com o grupo, não só o teu instrumento tocando, mas um grupo inteiro tocando junto e funcionando”, diz.

 

Geyson William em apresentação da Orquestra Villa-Lobos | Foto: Divulgação

Com o passar do tempo, Geyson migrou para o violino, instrumento que também tocou em duas apresentações de final de ano da orquestra, mas acabaria se achando mesmo no violão. “Eu migrei para a harmonia, que é onde eu fiquei responsável hoje na orquestra”.

Ele permaneceu na programa durante todo o ensino fundamental e médio e atualmente é um dos monitores, dividindo o seu tempo com as aulas da Faculdade de Música da UFRGS. “Eu nunca sai da orquestra. Para mim, é muito gratificante. Como eu sou um dos monitores oriundos da comunidade, tu meio que te torna uma referência. Eu acho muito bonito quando os pais chegam e querem que tu mostre a trajetória que tu fez para o filho deles. Não precisa se tornar um músico, mas que siga uma trajetória para, ali na frente, ter um futuro legal. Mostrar que na própria comunidade tu tem essa possibilidade”, afirma.

Contudo, apesar de ressaltar a importância da parte artística da orquestra, ele destaca o lado social, pela transformação de perspectiva que traz para a comunidade. “Eu dou aula em outras escolas na Lomba do Pinheiro e consigo enxergar essa diferença de realidade, o que tem na Mapa e o que está começando, porque é um processo. Mas a gente vê que essa chama está começando a se formar também nas outras comunidades”, afirma.

Nos 32 anos da orquestra, Cecília diz que o principal aprendizado que teve é de que a renovação é constante. “A arte nos dá esse caminho. Trabalhar com criação artística sempre é novidade, tu tá sempre sendo provocado e motivado para fazer novos projetos. Esse poder instigador é o maior aprendizado que a gente tem”.

Cecília explica que a realização das oficinas do programa, o que mantém os educadores, e é garantida pelo convênio com a Smed, mas salienta que a orquestra também conta com apoiadores, especialmente para a compra de instrumentos. Uma nova campanha de arrecadação de recursos para a compra de novos instrumentos deve ser lançada em breve. “Apesar de recebermos muitas doações de pessoas físicas, como a gente atende mais de 300 alunos, não temos a condição de estar sempre em dia com a parte instrumental”, diz.

A professora avalia que a Orquestra Villa-Lobos se tornou uma grande referência e inspiração para outros projetos na área da educação. “Para a cidade de Porto Alegre e, ouso dizer, para o País. Porque a gente é muito solicitado a participar, a dar o relato da experiência, inclusive convite para participações em grandes eventos até fora do Rio Grande do Sul. Isso para nós é muito importante, mas aumenta a nossa responsabilidade de seguir fazendo o trabalho com essa qualidade e essa dedicação”, afirma.

O aniversário de 32 anos será celebrado no próximo dia 13, com uma apresentação do espetáculo Mapa-Múndi no pátio da Escola Heitor Villa-Lobos. A entrada é franca, e a retirada de ingressos pode ser feita na direção da escola, na avenida Santo Dias da Silva, 460.


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