Educação
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2 de março de 2024
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18:17

Coordenadoria de Educação sugere censura do livro ‘O Avesso da Pele’ após crítica de diretora de escola

Por
Luciano Velleda
[email protected]
O avesso da pele entra na lista. Foto: Divulgação/Companhia das Letras
O avesso da pele entra na lista. Foto: Divulgação/Companhia das Letras

A 6ª Coordenadoria Estadual de Educação (CRE) orientou os diretores das escolas estaduais na área de abrangência do órgão, sediado em Santa Cruz do Sul, a não distribuirem nas bibliotecas e nem aos alunos do ensino médio, “até segunda ordem”, o livro O Avesso da Pele, do escritor carioca radicado em Porto Alegre, Jeferson Tenório.

A orientação ocorre após a diretora da Escola Estadual Ernesto Alves, Janaina Venzon, publicar um vídeo nas redes sociais criticando a linguagem da obra por usar “palavras de baixo calão” e descrever cenas de sexo. O documento é assinado por Luiz Ricardo Pinho de Moura, coordenador da 6ª CRE.

“Lamentável um governo federal mandar esse tipo de linguagem para ser trabalhado com adolescentes dentro de uma instituição de ensino”, diz a diretora no vídeo, após ler trechos do livro em que aparecem as palavras “pau” e “boceta”. “Governo federal, por favor, deixe as escolas cuidar dos seus estudantes, onde os valores, o respeito, a conduta, os bons costumes e a ética prevaleça. E vindo ainda de um governo federal, é muito nojento. Que país é esse?”, questiona a diretora da escola de Santa Cruz do Sul.

O livro O Avesso da Pele, no entanto, foi escolhido pela própria escola no final de 2023 para ser trabalhado com os alunos do ensino médio em 2024. A obra integra um catálogo previsto no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação (MEC).

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A decisão da 6ª Coordenadoria Estadual de Educação (CRE) de orientar para que o livro não seja entregue nas bibliotecas e para os estudantes até análise do governo federal, foi criticada pela Companhia das Letras, editora que publica a obra.

O livro de Jeferson Tenório foi o vencedor do prêmio Jabuti na categoria melhor romance em 2021. Segundo a editora, a obra foi avaliada pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD 2021) para ser trabalhada no Ensino Médio, tendo sido aprovado por uma banca de educadores, especialistas e mestres em literatura e língua portuguesa juntamente com outros 530 títulos.

“Para chegar ao colégio em questão, ainda precisou passar por aprovação da própria diretora, que assinou o documento de ‘ata de escolha’ da obra e agora contesta o conteúdo do livro. Esses dados são transparentes e públicos. A retirada de exemplares de um livro, baseada em uma interpretação distorcida e descontextualizada de trechos isolados, é um ato que viola os princípios fundamentais da educação e da democracia, empobrece o debate cultural e mina a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo”, destaca a Companhia das Letras.

“Repudiamos veementemente qualquer ato de censura que limite o acesso dos estudantes a obras literárias sob pretexto de protegê-los de conteúdos considerados ‘inadequados’ por opiniões pessoais e leituras de trechos fora de contexto. O que se destaca em ‘O avesso da pele’ não é uma cena, tampouco a linguagem, mas sim a contundente denúncia do racismo que se imiscui em todas as nossas relações, até as mais íntimas”, afirma a editora.

Contatada pela reportagem do Sul21, a Secretaria Estadual de Educação diz não ter havido orientação para recolher a obra literária. O ofício da 6ª Coordenadoria Estadual de Educação (CRE), no entanto, é claro ao solicitar que os livros “não sejam disponibilizados nas bibliotecas e aos estudantes, até segunda ordem”.

A situação envolvendo o livro de Jeferson Tenório levou a Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD) a apresentar uma representação no Ministério Público Federal (MPF). Segundo Aline Kerber, presidente de honra da entidade, a gestão democrática do ensino público é princípio basilar e o caso fere os artigos 205 e 206 da Constituição Federal, “sobretudo a liberdade de aprender e ensinar, a gestão democrática, o pluralismo de ideias e os direitos humanos”.

Na representação, a Associação pede que a diretora Janaina Venzon seja responsabilizada pelo vídeo, assim como a deputada estadual Kelly Moraes (PL) por tê-lo republicado no Instagram. A entidade pede ainda ao MPF que o vídeo seja retirado das redes sociais imediatamente e que os livros sejam devolvidos à biblioteca da Escola Estadual Ernesto Alves “com uma campanha que mitigue os danos de autocensura nas escolas da cidade e do RS”.

Por fim, a Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD) solicita que a 6ª Coordenadoria Regional de Educação e Governo do Estado do RS devolvam os livros da “suposta” retirada das bibliotecas de Santa Cruz e expliquem o equívoca à população.


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