Educação
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5 de dezembro de 2023
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15:00

Sob críticas de parlamentares, relatório final das CPIs da Educação é aprovado

Por
Luciano Velleda
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Membro da base do governo, Mauro Pinheiro (PL) foi o relator do documento final aprovado. Foto: Ederson Nunes/CMPA
Membro da base do governo, Mauro Pinheiro (PL) foi o relator do documento final aprovado. Foto: Ederson Nunes/CMPA

Como já era esperado, o relatório final das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que investigaram possíveis irregularidades em contratos e compras de materiais didáticos pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) foi aprovado na manhã desta terça-feira (5). O documento, escrito pelo vereador Mauro Pinheiro (PL), membro da base governista do prefeito Sebastião Melo (MDB), recebeu sete votos favoráveis e quatro votos contrários na CPI presidida pela vereadora Mari Pimentel (Novo), e oito votos favoráveis e quatro contrários na comissão conduzida pelo vereador Idenir Cecchim (MDB), líder do governo Melo na Câmara.

A aprovação do texto nas duas CPIs era dada como certa em função da composição majoritária de aliados do prefeito. Entre os vereadores que votaram contra o relatório, a justificativa central é de que o documento é superficial e favorável ao governo Melo por não apontar os indícios de fraude e formação de cartel que as investigações teriam revelado.

Na CPI presidida por Mari, votaram a favor Cláudia Araújo (PSD), Comandante Nádia (PP), Idenir Cecchim (MDB), José Freitas (Republicanos), Mauro Pinheiro, Moisés Barboza (PSDB) e Psicóloga Tanise Sabino (PTB). Foram contrários Biga Pereira (PCdoB), Jonas Reis (PT), Mari Pimentel e Roberto Robaina (PSOL).

Na CPI presidida por Cecchim, foram favoráveis Airto Ferronato (PSB), Comandante Nádia, Fernanda Barth (PL), Idenir Cecchim (MDB), Márcio Bins Ely (PDT), Mauro Pinheiro (PL), Moisés Barboza e Psicóloga Tanise Sabino. Manifestaram-se contrariamente Aldacir Oliboni (PT), Fran Rodrigues (PSOL), Giovani Culau e Coletivo (PCdoB) e Tiago Albrecht (Novo).

Na semana passada, acreditando que o relatório de Mauro Pinheiro (MDB) seria benevolente com o governo Melo, a vereadora Mari Pimentel apresentou um relatório paralelo ao Ministério Público Estadual. No documento, a vereadora apresenta um resumo das principais descobertas da CPI, contando como funcionou o suposto esquema de cartel com compras direcionadas, sem licitação, de mais de R$ 100 milhões realizadas pela Smed, com materiais que ficaram armazenados e sequer chegaram nas escolas.

O relatório organiza uma série de nomes de empresários, empresas e funcionários públicos que teriam participado das aquisições irregulares, ligando as relações pessoais e profissionais entre os envolvidos. No centro da investigação está o modelo de compra por meio da adesão de ata de registro de preço – procedimento conhecido como “carona” por acelerar o gasto público dispensando licitação.

Na cronologia dos fatos, Mari afirma que a descoberta de uma fotografia onde o lobista J.F.S. se reuniu com a cúpula da prefeitura abriu uma das maiores linhas de investigação da CPI da Educação. Conhecido como “Jajá”, ele é representante comercial das empresas Inca Tecnologia e Astral Científica, comandadas pelo empresário Sérgio Bento de Araújo, e esteve diretamente envolvido em seis das 11 compras investigadas. Entre junho e outubro de 2022, foram mais de R$ 43 milhões recebidos da prefeitura pela venda de materiais pedagógicos que acabaram estocados em depósitos e escolas da cidade.

O relatório redigido pelo vereador Mauro Pinheiro (PL) e aprovado pelas duas CPIs, aponta seis recomendações na sua conclusão. Algumas delas, segundo parlamentares que votaram contra o texto, já foram investigadas pela CPI. As principais recomendações do texto aprovado são:

— Que a Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Transparência e Controladoria (SMTC), instaure procedimento administrativo específico para apurar possíveis irregularidades nas contratações da Smed que foram objeto das CPIs, especialmente as conduzidas por intermédio do empresário J.F.S., na condição de proprietário, representante ou distribuidor, bem como da empresa Conceitto, de propriedade de Verônica Almuas;

— Que a Prefeitura instaure procedimento interno para apurar responsabilidades nas falhas de gestão identificadas pelas CPIs, notadamente aquelas relacionadas aos problemas de distribuição dos materiais adquiridos e à falta de condições estruturais dos equipamentos públicos da Smed para o uso do aparato tecnológico comprado;

— Que a Prefeitura institua grupo de trabalho, ou outra estrutura adequada, para a realização de uma análise minuciosa dos processos de compras instituídos a fim de aprimorar os fluxos realizados na Smed, visando evitar que situações como as apontadas no relatório se repitam;

— Que a Prefeitura organize força-tarefa para promover melhorias estruturais, especialmente arquitetônicas, elétricas e de mobiliário, nas escolas da rede pública, permitindo que todas possam disponibilizar aos seus alunos, em atividades pedagógicas, os materiais didáticos comprados;

— Que a Smed estabeleça cronograma com um fluxo organizado para a entrega dos materiais adquiridos, priorizando o atendimento às escolas, a fim de que as mesmas não sejam surpreendidas pelas entregas, como ocorreu;

— Que o relatório seja remetido aos órgãos de controle para o devido conhecimento e providências que entenderem cabíveis.

O texto também traz a especificação dos fatos que geraram as CPIs, os documentos apresentados às comissões e um resumo das oitivas realizadas. O relatório ainda elenca pontos que podem ser alvo de investigações futuras.

Em relação à oitiva de Verônica Almuas, proprietária da empresa Conceito, o relatório afirma que “ao longo de todo o seu depoimento, foi possível perceber que a depoente não tem conhecimento do funcionamento da sua empresa, dos produtos ofertados e da sua administração”. Mauro Pinheiro destaca que “a depoente reside em Santa Catarina e a sua empresa tem sede em Gravataí, o que causa estranheza a este relator”. Assim, “diante de várias contradições, do depoimento confuso e suspeito”, o vereador recomenda uma melhor averiguação dos fatos.

O relatório também chama atenção para o caso do empresário J.F.S., envolvido em seis das 11 aquisições investigadas pelas CPIs. Ele é dono das empresas JBG3 e World Soluções Educacionais e representante comercial da Inca Tecnologia e da Astral Científica. Conforme o texto, o depoimento do empresário foi confuso em relação a quais empresas são de propriedade de J.F.S., as quais ele representa, e àquelas pelas quais ele foi responsável pela logística de entregas.

“Todas apresentam o mesmo portfólio de vendas”, destaca Mauro Pinheiro. O relatório recomenda “uma investigação sobre essas empresas, pois poderia haver indícios de direcionamento e fraude na coleta de orçamentos”.

O texto menciona ainda a participação da ex-servidora da Smed Michele Schröder nas compras investigadas. Mauro Pinheiro ressalta que duas servidoras da Smed informaram que vinha dela a orientação da empresa a ser contratada, e que isso contraria o depoimento de Michele.

“É importante aprofundar as investigações no que tange à participação da servidora Michele nas indicações das empresas contratadas”, afirma o relator. O vereador aponta que “as CPIs não conseguiram apurar quem indicava as empresas para iniciar o processo de aquisição dos materiais” – se seria a coordenadora pedagógica, a equipe técnica ou a secretária de Educação.

O relatório aponta que foram verificadas “falhas administrativas de logística na distribuição dos materiais adquiridos” e que o Executivo buscou sanar os problemas. Em relação à denúncia de materiais didáticos com equívocos de matemática e de português, Mauro Pinheiro ressalta que “os livros adquiridos com erros foram imediatamente devolvidos e trocados, sem custo algum para o município”.

A adesão a atas de registro de preços, forma de contratação utilizada pela Smed para compra dos materiais e alvo de questionamentos ao longo da CPI, “está em consonância com os ditames legais” e é utilizada por outros órgãos, ressalta o relator. “Não existe óbice jurídico para que o Município de Porto Alegre faça a adesão às atas de registro de preço de órgãos ou entidades de outra esfera de governo, mesmo diante da falta de regulamento municipal detalhado sobre tema”, afirma.

O vereador registra que a Smed, em resposta à CPI, informou que “não houve desperdício de dinheiro público, uma vez que todos os materiais pedagógicos e equipamentos foram adquiridos de acordo com o número de alunos matriculados na rede municipal e estão diretamente imbricados nos programas estratégicos da Smed de inovação, recuperação e qualificação da aprendizagem” da rede pública municipal. Conforme Mauro Pinheiro, “tal informação não foi contraditada de forma contundente pelas provas colhidas” e “efetivamente a quantidade de materiais adquirida está em consonância com as necessidades de rede municipal de ensino”.


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