Educação
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16 de outubro de 2023
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19:36

CPI da Educação: ex-secretário adjunto diz que compras suspeitas tiveram atuação de pessoas próximas a Melo

Por
Luciano Velleda
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MárioJaime Gomes de Lima, ex-Secretário Adjunto de Educação do Município de Porto Alegre, durante depoimento na CPI. Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA
MárioJaime Gomes de Lima, ex-Secretário Adjunto de Educação do Município de Porto Alegre, durante depoimento na CPI. Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA

O depoimento do ex-secretário adjunto de Educação de Porto Alegre, Mário de Lima, vinha sendo aguardado com expectativa pelos vereadores que investigam as supostas irregularidades na compra de materiais didáticos pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) no governo do prefeito Sebastião Melo (MDB). Nesta segunda-feira (16), a expectativa se confirmou na reunião conjunta das duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) da Câmara que tratam do tema.

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Ao longo do depoimento, Mário de Lima afirmou que as decisões na Smed eram tomadas pela então secretária Sônia da Rosa e que ele não tinha tanto poder internamente, embora tivesse conhecimento dos assuntos. O ex-secretário adjunto ainda indicou ter havido envolvimento de pessoas ligadas ao gabinete de Melo.

Um exemplo desse envolvimento seria a compra de telas da Edulab. Solicitada pela ex-secretária Sônia da Rosa, a CPI investiga se aquisição do material teria contado com a atuação de Alexandre Alves Borck da Silva, conhecido como “Xandão”, atual secretário extraordinário de Modernização e Gestão de Projetos e presidente do MDB de Porto Alegre. Na ocasião, ele era adjunto da Secretaria de Governança e teria sido designado pelo vice-prefeito para “desenrolar” a aquisição das telas.

A ex-secretária de educação Sônia da Rosa depôs na mesma reunião conjunta das CPIs no dia 3 de outubro. Em sua sessão, a CPI buscou respostas para a suspeita de ter havido direcionamento nas compras da Smed por meio da adesão de ata de registro de preço – um procedimento conhecido como “carona” por acelerar o gasto público dispensando licitação. A audiência do começo de outubro foi a primeira em que o nome do secretário Borck foi comentado.

Naquele dia, a presidente da CPI da Educação, a vereadora Mari Pimental, apresentou um áudio de Mabel Vieira, ex-assessora técnica que instruía processos de compras de materiais da Smed. A gravação tratava de pendrives que circulavam na Smed com indicação de a quais atas aderir e que a secretária de Educação, tratada no áudio como “Soninha”, orientava destruir os pendrives. As indicações sobre a quais atas aderir teriam sido feitas pelo secretário Borck. Na ocasião, a ex-secretária Sônia não comentou o áudio exibido.

No depoimento desta segunda (16), a vereadora Mari Pimental afirmou que a compra das telas limitou a concorrência entre os fabricantes e chegou a ser suspensa pelo Tribunal de Contas. “Foi feita uma grande força pelo governo para que andasse algo que não tava da maneira mais lícita ou mais adequada possível. Foi feita essa ‘força-tarefa’ envolvendo o gabinete do prefeito, o vice-prefeito e o Alexandre Bork”, diz.

A vereadora avalia que o depoimento do ex-secretário adjunto de Educação mostrou também que o governo foi alertado internamente, em novembro de 2022, dos problemas de logística na distruibuição dos materiais pedagógicos. contradizendo declarações de supresa de Melo quando o caso veio à tona numa série de reportagens de GZH.

O caso de uma cartomante contratada equivocadamente como dona de uma empresa, conforme afirmava a ex-secretária Rosa, por exemplo, Mário de Lima disse ter contado ao prefeito e ao vice-prefeito. “Quando ele denunciou e abriu sindicância, foi exonerado e a secretária saiu com buquê de rosas e ato de despedida”, analisa Mari Pimentel.

A vereadora Biga Pereira (PCdoB) citou um artigo escrito por Lima que falava sobre um “deslocamento de culpa” e quis saber se os escalões superiores colocaram a culpa no então adjunto por eventuais falhas. “Isso não é algo da Prefeitura de Porto Alegre, isso acontece normalmente nos governos e como eu sei que isso acontece normalmente nos governos, a gente acaba construindo elementos para poder garantir sua defesa quando isso vier a acontecer”, afirmou a testemunha.

A nova citação de envolvimento do secretário Borck leva a presidente da CPI da Educação a concluir que as alegações iniciais de quando o escândalo surgiu, dando conta de que os materiais pedagógicos parados em galpões eram apenas um problema de logística, sem conhecimento de instâncias superiores da Prefeitura ou não eram usados devido aos diretores de escola e professoras serem “de esquerda”, caíram por terra com a divulgação da auditoria na última sexta-feira (13), a qual concluiu ter havido erros nos processos do início ao final.

Durante o depoimento, o ex-secretário adjunto de Educação disse que ocasionalmente havia apoio para apressar alguns processos da Smed. Para a vereadora, o andamento da CPI até o momento traz a suspeita de que o secretário Borck pode ter atuado para “desenrolador” alguns processos de compra da Smed.

“É um cara ligado ao partido, era quem estava ajudando a desenrolar, dentro da prefeitura, as coisas dessas aquisições que tinham problemas. Mostra que estava ao lado da porta do gabinete do prefeito quem estava facilitando para que esses processos todos, que tiveram origens erradas, fossem feitos”, afirma a presidente da CPI da Educação.

Na audiência desta segunda-feira (16), a vereadora apresentou o áudio de uma suposta conversa de Mabel Vieira, ex-servidora do gabinete da ex-secretária Sônia da Rosa, com o ex-secretário adjunto Mário de Lima, sobre o processo da compra de brinquedos da empresa Edulab, na data de 29 de novembro de 2022. No áudio, a servidora dá a entender que algumas decisões sobre compras de materiais eram feitas ou barradas por um determinado “gabinete”. Perguntado sobre qual seria esse “gabinete”, Lima não reconheceu a existência do áudio e disse que desconhecia aquela conversa. “Eu não tinha nem poder institucional nem político para tomar algum tipo de decisão”, respondeu Lima.

Ouça o áudio:

A presidente da CPI da Educação fez então referência a uma troca de mensagens por aplicativo. “Ela afirmou para o senhor que essa ‘compra tem que sair este ano, pois é ‘dos caras’. Quem são os caras?”, insistiu

Troca de mensagens entre Lima e servidora cita que material a ser comprado era “dos caras”.

O recebimento dos itens foi atestado pela própria ex-secretária Sônia da Rosa no dia 30 de dezembro. A data, antevéspera do ano-novo, chamou a atenção da presidente da CPI da Educação. “Será que a secretária, a chefe de gabinete, mais adjunta, todas elas vindas de Canoas, estavam lá para receber os materiais no dia 30 de dezembro?”, questiona.

No depoimento, Mário de Lima disse que as decisões tinham anuência de pessoas hierarquicamente superiores. Ele reforçou que o prefeito Melo até poderia não ter conhecimento de todas as decisões, mas que alguém acima dele sabia. “Quem é a pessoa acima dos secretários, sem ser o Prefeito?”, pergunta Mari Pimentel, para em seguida sondar a resposta: “Só pode ser o secretário Alexandre, que é como se fosse um (ministro da) Casa Civil aqui na Prefeitura de Porto Alegre ou o vice-prefeito”.

A presidente da CPI da Educação acredita ser necessário chamar o secretário Borck, o Xandão, para depor na CPI, embora reconheça que tal pedido dificilmente será aprovado pelos vereadores que compõem a base de apoio de Melo na Câmara e nas comissões que investigam as compras de materiais pedagógicos.

Ela acredita que as informações já obtidas e o depoimento do ex-secretário adjunto mostram que ele não apoiava todas as ações sob suspeita que ocorriam na Secretaria Municipal de Educação (Smed). “Ele tava tentando se proteger, tanto que ele tem tudo documentado e não assinou nenhum despacho. Ele tem muito resguardo, diferente da Sônia que botou a culpa no ‘corpo técnico’. Ele não, ele sabia dizer quem era os responsáveis, diferente dos outros que vieram aqui e botaram a culpa no ‘corpo técnico’ e na ‘comissão técnica da pedagogia’, sem ter alguém que tomava a decisão. Então acho que isso mostra que ele realmente está resguardado, diferente dos outros que vieram como testemunha”, avalia a presidente da CPI da Educação.

Procurado pela reportagem, o secretário Borck afirma nunca ter sido assessor do prefeito e que atuou como adjunto da Secretaria de Governança, posteriormente conduzido para a Secretaria de Gestão de Projetos, que acompanha projetos transversais do governo. “Meu trabalho na Prefeitura frente à Secretaria de Modernização e Gestão de Projetos é transversal e inclui interlocução entre as diversas secretarias, o que em absoluto significa participação nas formas de aquisição”, garantiu.


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