Educação
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16 de setembro de 2023
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08:53

Empresas denunciadas por atrasar salários são contratadas para fornecer merenda a escolas gaúchas

Por
Luís Gomes
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Concessão à empresa. privada envolve serviços de cozinha, lavanderia, obras, elétrica e hidráulica. Foto: Pedro Piegas/PMPA
Concessão à empresa. privada envolve serviços de cozinha, lavanderia, obras, elétrica e hidráulica. Foto: Pedro Piegas/PMPA

Um processo de contratação de empresas prestadoras do serviço de merenda para escolas da rede estadual, realizado em 31 de agosto, resultou na contratação de três empresas que apresentaram, recentemente, atrasos no pagamento a trabalhadores terceirizados. A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) afirma que as empresas estavam aptas a serem contratadas, mas a deputada Luciana Genro (PSOL), que vem apresentando uma série de denúncias sobre o tema, questiona a falta de controle pelo governo do Estado sobre os processos de terceirização.

De acordo com levantamento feito pelo gabinete da deputada, a partir de dados disponíveis no sistema de transparência do próprio governo, a dispensa de licitação foi dividida em 14 lotes, um para cada Coordenadoria Regional de Educação (CRE) participante. Dos 14 lotes, 12 foram vencidos por empresas com histórico recente de problemas.

Somente uma única empresa, a Portal, foi a vencedora em 10 lotes. Procurada por trabalhadoras terceirizadas da empresa em Passo Fundo, Luciana Genro oficiou o governo do Estado e o Ministério Público do Trabalho nos meses de maio e julho, respectivamente, para denunciar atrasos salariais e nos pagamentos de vale-alimentação. Contudo, no processo de agosto, a Portal venceu a disputa para ser contratada, inclusive, pela 7ª CRE, que abrange Passo Fundo.

No processo de contratação para a 1ª CRE, que compreende a cidade de Porto Alegre, a vencedora foi a SV Apoio Logístico Eireli, que irá receber mais de um milhão de reais, exatamente R$ 1.287.996,99, o maior valor entre os 14 lotes. Em julho, o Matinal publicou uma reportagem em que afirma que o nome que consta como sócio-administrador da empresa e assina contratos em valores de até R$ 39 milhões é um office boy que mora na periferia de Viamão. A empresa também teria ligações com empresários que já foram presos e investigados em operações de desvio de dinheiro.

Para a 9ª CRE, com sede em Cruz Alta, a contratada será a empresa Império Soluções em Serviços LTDA, que foi denunciada em maio de 2022 pelo mandato da deputada por atrasar os salários das trabalhadoras em Pelotas por pelo menos três meses. Em maio de 2022, Luciana enviou ofício à Seduc questionando a situação.

Procurada pela reportagem, a Seduc afirmou que não há impedimento para a contratação das três empresas. “Sobre o processo de contratação das empresas terceirizadas que prestam serviço de merenda, a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) informa que todas as participantes do certame estão aptas e atendem os requisitos previstos no edital. Para casos específicos de eventuais atrasos no pagamento, a Seduc tomou as devidas providências para instrução de procedimento notificatório com a finalidade de apurar as irregularidades apresentadas pelas empresas, podendo haver penalidade conforme os princípios da razoabilidade e proporcionalidade”, diz nota encaminhada à reportagem.

Deputada estadual Luciana Genro (PSOL-RS) | Foto: Divulgação/ALRS

Luciana reconhece que não há, de fato, impedimento legal para a contratação das empresas. Contudo, questiona a inação do governo do Estado diante de repetidos problemas na contratação de empresas terceirizadas. Ela pontua que apresentou o Projeto de Lei 77/2023, que exigiria que o Estado, ao contratar uma empresa terceirizada, precisará exigir a garantia de cobertura para verbas rescisórias não pagas e condicionar o pagamento da empresa à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas relativas ao contrato. Em caso de não pagamento, segundo o projeto, o governo deverá efetuar diretamente o pagamento das verbas trabalhistas, que serão deduzidas do pagamento devido à empresa.

“Eu vejo que, primeiro, existe um descaso do governo com a situação das trabalhadoras que vivenciam essas irregularidades e atrasos no pagamento. Por outro lado, há lacunas na legislação que permitem que essa situação aconteça e se repita. A luta que estou travando também está relacionada com as mudanças que são necessárias na lei para que a gente garanta que não aconteça o atraso. O meu projeto de lei tá pendurado lá na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa], pronto para ser votado, com parecer favorável, e o governo não dá ok para votar. A gente precisa aprimorar a legislação para garantir que essa situação não aconteça. Porque, se o governo afirma que não pode fazer nada em relação às empresas que atrasam o pagamento e que elas têm o direito de continuar participando de licitações, ganhando e atrasando o salário, é evidente que a lei precisa mudar”, afirma a deputada.

Na terça-feira, o PL conhecido como “Lei Anticalote”, também assinado pelos deputados Matheus Gomes (PSOL) e Sofia Cavedon (PT), estava apto para ser votado na CCJ, mas teve a votação adiada após o relator, deputado Delegado Zucco (Republicanos), se ausentar da reunião da comissão, o que foi considerado pela oposição como uma manobra do governo. A proposta foi protocolada em fevereiro deste ano, diante das mobilizações deflagradas por trabalhadores e trabalhadoras terceirizadas de escolas estaduais gaúchas.

Segundo Luciana, aos questionamentos que apresentou à Seduc e ao governo, a resposta padrão é de que “não haveria o que fazer”. “Porque as empresas acabam fechando e abrindo com novos CPFs, que não têm como identificar e que a lei acaba permitindo que elas participem da licitação. O governo reconhece que existe um problema na legislação. Se eles acham que o meu projeto não é bom ou que ele não resolve, que então apresentassem outra proposta. Mas eles não fazem nada, não apresentam uma proposta de mudança na legislação, não aceitam a minha proposta e não fazem nada para evitar que essas situações aconteçam. Inclusive, nem se preocupam quando acontece, porque, cada vez que tem um atraso de salário, quem tem que acionar a Seduc ou as secretarias envolvidas no problema são os mandatos parlamentares. O próprio governo não se preocupa com os servidores. Porque são terceirizados, acham que não diz respeito ao governo se preocupar se estão recebendo devidamente, mas a gente sabe que, em última instância, o Estado é responsável e acaba tendo que pagar no fim das contas e paga com multa. Portanto, é prejuízo para o Estado. Se não se preocupa pela questão humanitária de que pessoas estão trabalhando sem receber, que fosse pela preocupação financeira”, afirma a deputada.

Nesta sexta-feira (15), Luciana encaminhou um novo ofício ao governador em que questiona se há procedimento em andamento para apurar condutas ilícitas ou descumprimento de cláusulas contratuais anteriores por parte das empresas contratadas pela Seduc. Com relação às três empresas citadas acima, questiona qual o resultado das apurações e se foram aplicadas sanções pelos atrasos nos pagamentos. Por fim, questiona quais medidas foram adotadas pelo Executivo para assegurar que os contratos firmados serão devidamente cumpridos diante do histórico de atrasos de pagamentos.

O governo tem um prazo de 30 dias para responder ao ofício da deputada.


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