Educação
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13 de abril de 2023
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17:59

Violências nas escolas: monitoramento de denúncias será ampliado no Brasil e no RS

Por
Luís Gomes
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Reforço do patrulhamento nas escolas é uma das medidas anunciadas pelo governo do RS Foto: BM/Divulgação
Reforço do patrulhamento nas escolas é uma das medidas anunciadas pelo governo do RS Foto: BM/Divulgação

Na esteira dos recentes ataques a escolas em São Paulo e Blumenau, e da subsequente onda de pânico gerada em todo o Brasil por novas ameaças, os governos federal e estadual anunciaram nesta semana uma série de medidas para o enfrentamento do problema, entre as quais o reforço policial e do monitoramento dos chamados grupos de ódio.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino anunciou medidas para o enfrentamento à violência nas escolas, como a criação de uma força-tarefa para o monitoramento de redes de ódio e a liberação de recursos para patrulhas escolares. Ao todo, serão disponibilizados R$ 150 milhões para projetos de segurança de estados e municípios. O limite mínimo das propostas a serem apresentadas é de R$ 100 mil e máximo de R$ 1 milhão para órgãos municipais e de R$ 500 mil a R$ 3 milhões para os estados e o Distrito Federal.

Também foi criado o canal Escola Segura, que passará a receber denúncias sobre ameaças a escolas. As informações enviadas ao canal serão mantidas sob sigilo e não há identificação do denunciante.

Nesta quarta-feira (12), o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, informou que determinou um adicional de mais de 1,7 mil policiais no patrulhamento de escolas pelo tempo que for considerado necessário para tranquilizar a população quanto à segurança de alunos, professores e demais profissionais da educação.

“Há um grupo mapeando todas as situações e liberei o trabalho em horas extras dos nossos policiais para podermos dobrar o efetivo nas ruas ao longo dos próximos dias. O Estado estará com efetivo reforçado, focado no patrulhamento das regiões no entorno das escolas”, afirmou.

Atualmente, a Chefia de Polícia do Rio Grande do Sul, por meio do Gabinete de Inteligência e Assuntos Estratégicos (GIE), coordena a força-tarefa de diversos órgãos da Polícia Civil para o enfrentamento aos ataques nas escolas. O GIE é responsável pelo monitoramento de casos e denúncias. Quando há um registro de ocorrência de um caso concreto em escolas, o órgão encaminha para as delegacias da Divisão Especial da Criança e Adolescente (Deca), que faz parte do Departamento Estadual de Proteção a Grupos Vulneráveis (DPGV). Em cidades que não possuem uma delegacia da Deca, as investigações são repassadas a delegacias locais.

A delegada Caroline Bamberg Machado, diretora da Deca de Porto Alegre, diz que, desde que começaram a surgir casos de ameaças a escolas em outros estados, a Polícia Civil vem trabalhando para coibir situações que possam vir a ocorrer no Rio Grande do Sul.

“A Polícia Civil como um todo, não só a Deca, outros departamentos também estão engajados nestas investigações, numa força-tarefa para se combater e elucidar esse tipo de delito. Todos os casos, mas todos os casos mesmo, são tratados com seriedade. Todos eles são verificados, são realizados diligências e investigações no sentido de descobrir a autoria e buscar uma responsabilização para quem fez. Não tratamos isso como trote, porque é um assunto muito sério, causa uma repercussão e um pânico social muito grande, então a gente trata todos os casos com toda a seriedade possível e exigível”, afirma a delegada.

Caroline defende que pais devem estar atentos e monitorar o que seus filhos menores de idade acessam em computadores e outros dispositivos com acesso à internet. “As crianças e adolescentes estão em formação e não têm maturidade suficiente para distinguir, por vezes, o que é uma brincadeira do que é uma coisa série ou discernir se, do outro lado da tela, há um criminoso cibernético ou não. E os pais têm uma falsa ideia, uma falsa sensação de segurança quando acham que os seus filhos estão dentro de casa, mas lhe entregam na mão, muitas vezes sem controle, um celular com acesso à internet, o que possibilita um perigo enorme para os seus filhos. Ninguém fala em proibir o uso de celular, mas sim controlar o que seu filho está acessando, conversar sobre os perigos da internet, dizer para eles o que é certo, o que é errado, o que é brincadeira e o que não é, deixando uma porta aberta para que o filho venha conversar, venha trazer os problemas ou as dúvidas que surgirem com o uso da internet.”

A delegada alerta que o processo de radicalização, via de regra, inicia com o aliciamento da criança e do jovem por pessoas mais velhas, em muitos casos se passando por crianças e adolescentes. “O abusador é um predador que não tem um perfil específico, age de acordo com a situação. Aborda muitas vezes de uma maneira tão sutil e começa com assuntos interessantes para a criança, acima de qualquer suspeita. Por isso que a gente fala que o monitoramento tem que ser constante com as crianças e adolescentes. Não existe essa história de estar invadindo a individualidade. Nossos filhos, até os 18 anos, estão em formação psíquica, mental, muitas vezes não têm condições de discernir o que é certo, precisam ser norteados pelos pais, é dever dos pais fiscalizar e estar atentos a isso”, diz.

Ela ainda pede que as direções de escolas, professores, estudantes e o público em geral, quando tomarem conhecimento de possíveis ameaças, entrem em contato com a Polícia Civil para que o caso possa ser monitorado. Ela destaca que a Polícia Civil gaúcha tem cooperado com forças de segurança de outros estados neste trabalho.

A reportagem entrou em contato com representantes do GIE e de outras delegacias da Polícia Civil que também atuam nas investigações de ataques a escolas, mas obteve como retorno que as entrevistas sobre o assunto estão suspensas no momento.

No início da semana, o ex-policial civil e deputado estadual Leonel Radde (PT) tratou do tema em reuniões no Ministério da Educação (MEC) e no Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), em Brasília. Ele destaca que dialogou sobre a possibilidade de realocação de recursos para o fortalecimento e a compra de equipamentos para a Delegacia de Combate à Intolerância, que faz o monitoramento de redes de ódio.

Radde avalia que este monitoramento, especialmente de grupos de ódio que atuam na chamada deep ou dark web, estão entre as medidas mais importantes a serem tomadas, pois, segundo ele, há uma conexão direta entre o crescimento do extremismo no Brasil e os ataques e ameaças a escolas.

“Os dados demonstram que temos um crescimento de 300% nos grupos extremistas mais organizados como células e simultaneamente nós temos um aumento desses atentados em escolas a partir de 2017, que é onde a extrema-direita aqui no Brasil começa de fato a se estabelecer como uma força política relevante”, diz. “A nossa negligência em relação a esse monitoramento e punição de pessoas que propagam conteúdo nessas redes sociais ou que fazem apologia a determinadas ações nos levou também é um patamar de proliferação desses atentados terroristas”, complementa.

Radde destaca que a maioria dos jovens que foram presos ou apreendidos nas operações policiais relacionados aos ataques receberam ou difundiram na internet algum tipo conteúdo de extrema-direita, neonazista, supremacista, com pautas LGBT-fóbicas, misóginas, machistas, entre outros conteúdos que podem ser enquadrados como discurso de ódio.

“O próprio discurso da extrema-direita de violência é um combustível muito relevante para esses atentados em escolas, porque também é uma mimetização, é uma cópia, do que acontece nos Estados Unidos e de toda essa apologia à violência, às armas, que a gente vê”, afirma o deputado.

Radde destaca que não é possível a Justiça punir fatos preparatórios, como falas em fóruns, sem que haja elementos que constituam, por exemplo, a formação de uma organização criminosa. Contudo, acredita que a própria difusão de material que faça apologia a estes ataques já poderia ser considerado crime. No entanto, ele avalia que o mais importante seria o estabelecimento de programas de desradicalização nas escolas, o que poderia estar relacionado com o trabalho de monitoramento policial.

“Com a velocidade atual das pautas, a velocidade das redes sociais, as coisas têm que ser muito mais rápidas e efetivas, e não há mais tempo para menosprezo. Aquilo que talvez na década de 2000 e na década de 90 pudesse ser resolvido com um ‘chama o pai, dá uma punição, uma suspensão e tal’, hoje em dia isso não tem mais resultado prático”, diz.


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