Economia
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23 de julho de 2022
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08:59

Filas longas para atualizar CadÚnico e receber Auxílio Brasil poderiam ter sido evitadas, diz ONG

Por
Duda Romagna
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Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, na Avenida João Pessoa, foi um dos pontos de atendimento mais procurados na Capital. Foto: Luiza Castro/Sul21
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, na Avenida João Pessoa, foi um dos pontos de atendimento mais procurados na Capital. Foto: Luiza Castro/Sul21

No dia 13 de julho, a Câmara de Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 1/22, que institui estado de emergência no país até o fim do ano e permite a ampliação da assistência social à população. Com a PEC, o Auxílio Brasil passa de R$ 400 a R$ 600, a partir de agosto. O aumento levou mais pessoas às filas de atualização ou realização do Cadastro Único para Programas Sociais, ou CadÚnico, registro que permite ao governo acessar os dados e mapear famílias de baixa renda no Brasil, operacionalizado e atualizado pelas prefeituras.

Para terem acesso aos programas, os beneficiários devem atualizar o cadastro a cada 2 anos. Durante a pandemia, os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) ficaram de portas fechadas, impossibilitando o atendimento. Segundo a Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), em Porto Alegre, das 127 mil famílias cadastradas, metade precisa regularizar a situação cadastral.

Segundo a SMDS, 160 fichas eram distribuídas diariamente. Foto: Luiza Castro/Sul21

Inicialmente, o atendimento para primeiro cadastro e atualização acontecia somente na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), no Sine Municipal e no Vida Centro Humanístico, de segunda à sexta-feira, das 8h às 17h. O atendimento nas 22 unidades do CRAS na Capital foi restrito para famílias acompanhadas por equipes técnicas. Após o aumento da demanda, no entanto, a FASC anunciou a ampliação dos locais, para as subprefeituras Restinga, Partenon, Norte e Leste, das 8h30 às 12h e das 13h30 às 18h, a partir da última quarta-feira (20).

Mesmo com a ampliação, as filas continuaram. Na quinta-feira (21), até as 8h30, todas as 160 senhas de atendimento já haviam sido distribuídas na Secretaria de Desenvolvimento Social, na Avenida João Pessoa. Ana Paula, moradora da Cohab Cavalhada, entrou na fila às 21h do dia anterior, para que seu pai, Paulo, aposentado e pessoa com deficiência, pudesse fazer a prova de vida. Sua senha era a número sete, Paulo foi atendido às 8h15, quase 12 horas após sua filha chegar ao local. “Pra qualquer outro serviço aqui tu precisa pegar a mesma fila, mas graças a deus consegui, guardando lugar para ele, aqui dormindo no chão”, conta Ana Paula.

Ana Paula separou café e um cobertor e passou a noite em uma cadeira de praia. Foto: Luiza Castro/Sul21

Para Paola Carvalho, diretora da Rede Brasileira de Renda Básica, o sucateamento e o mau uso de dados são os principais motivos para as longas filas de espera para atualizar o CadÚnico. “Tivemos, nos últimos anos, um desfinanciamento muito grave da política de assistência social. A cada ano essa política foi perdendo em torno de 30% a 40% do seu orçamento, desde a Emenda Constitucional 95. Significa que, quando nós chegamos na pandemia, a assistência social já estava menor, já conseguia fazer menos atendimentos e ela tinha menos serviços”, conta.

Ela explica ainda que, durante a pandemia, para o pagamento do Auxílio Emergencial, os dados do CadÚnico foram utilizados junto ao aplicativo próprio do programa. “O Auxílio Emergencial através do aplicativo garantiu um número de inscrição muito expressivo da população brasileira num cadastro do Governo Federal em relação a um benefício de transferência de renda, tanto que nós chegamos a 68 milhões de famílias que receberam pelo menos uma parcela do auxílio emergencial.”

Segundo Paola, a Rede Brasileira de Renda Básica e outras entidades sugeriram oficialmente ao governo que se utilizasse os dados do aplicativo para migrá-los para o Cadastro Único, indicando para os municípios o número de pessoas que deveriam complementar essas informações e que o processo fosse feito aos poucos, para evitar as filas. “A complementação poderia ser diluída no tempo, porque nós tivemos os serviços fechados durante um ano. Os serviços reabriram com uma demanda super represada, com o empobrecimento da população que procura o serviço para outras coisas, não somente para o cadastro, atrás de uma cesta básica, por exemplo. A gente não poderia sobrecarregar os serviços, nem colocar as famílias nessa condição que a gente vê hoje, que é estar na fila desesperadamente para conseguir se inscrever.”

O Auxílio Emergencial atendia 39 milhões de famílias brasileiras, já no Auxílio Brasil o número caiu para 18 milhões. No Rio Grande do Sul, em outubro de 2021, o último mês de pagamento do Auxílio Emergencial, 1,6 milhão de famílias foram beneficiadas, agora somente 509 mil estão no Auxílio Brasil. “Um milhão de famílias ficaram desassistidas de qualquer política de transferência de renda. Eu não sei quantas ainda estavam em situação de desemprego, de fome, de pobreza extrema, quem tinha que nos dizer isso era o governo, se tivesse migrado essas informações com seriedade para dentro do sistema. Eu posso te assegurar que não houve um crescimento econômico, geração de emprego, retomada do crescimento, ao ponto de que essas 1,1 milhão de famílias fossem absorvidas pelo mundo do trabalho, as pessoas ainda estão em condições de precisar de um programa que dê sustentação para a vida delas”, explica.

“A gente tem trabalhado com a fila que são essas pessoas que estão oficialmente lá no serviço para fazer o cadastro único e elas não foram aprovadas pelo governo ainda. Apesar delas serem extremamente pobres, de estarem passando fome, estarem a todo critério, elas não foram autorizadas pelo governo a entrar no Auxílio Brasil. Elas estão lá na fila de espera. Fora essas famílias, nós temos ainda as famílias que estão lutando para entrar na fila, que a gente chama de fila para entrar na fila”.

Para a Rede Brasileira de Renda Básica, há também um represamento de dados sobre a fila de espera, para que se crie um símbolo de que não há filas. Ainda que consigam atualizar o cadastro presencialmente nos locais de atendimento, muitas pessoas passam até 45 dias sem a atualização constar no sistema e podem ter seus benefícios negados. “O governo federal não quer que as pessoas estejam na fila porque impõe sobre ele uma pressão de incluí-las no programa, então também tem uma forma de manter essa lista sob controle, de não deixar ultrapassar muito esses números para não ter a pressão de ter que obrigatoriamente incluir massivamente essas famílias”, diz Paola.

Foto: Luiza Castro/Sul21

Segundo dados da Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos (PNCBA) do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a cesta básica mensal em junho de 2022 em Porto Alegre foi a terceira mais cara do país, custando R$ 754,19, um valor 25% maior do que o oferecido pelo Auxílio Brasil. Ainda de acordo com a pesquisa, o leite integral e a manteiga registraram aumento de 14,67%, com o leite UHT sofrendo variação de 44,55%.

Na segunda-feira (18), Juliana, moradora da Restinga, não conseguiu ser atendida na SMDS. Na quinta-feira, chegou ao serviço às 7h e conseguiu a ficha número 68. A alta dos preços dos alimentos afeta diretamente a sua rotina, por criar um filho pequeno sozinha. “Também recebi o Auxílio Emergencial que era muito pouco. Agora está um absurdo, aumentou muito o leite, R$ 8 uma caixinha, não tenho o que fazer. O Auxílio Gás também não adianta, ainda tem que botar mais R$ 53 para comprar um bujão”, desabafa.

Ela reitera que participa das políticas de transferência de renda desde o Bolsa Família, quando o valor que recebia era maior. “Vim aqui porque veio um papelzinho da Caixa dizendo que faz mais de cinco anos que eu não atualizo o cadastro. Imagina se cortarem? É o único dinheiro que eu tenho, é pouco, mas fazer o quê? Quando era mais ou menos uns R$1.200 eu acho que ainda dava pra se manter, mas agora com R$ 600, para quem tem filho pequeno, água e luz como é que fica? Tá tudo aumentando”.

Já Maria Augusta saiu do bairro Jardim Carvalho e chegou na SMDS às 6h. Ela conta que perdeu o direito à meia passagem dada pelo município e não tem dinheiro para voltar a frequentar sessões de fisioterapia, atendimento que precisa por apresentar problemas nos pés e na coluna, após anos trabalhando como diarista. Os R$ 600 são necessários para que ela restabeleça sua saúde e consiga retomar seu trabalho. “Eu tô aqui pra tentar alguma coisa, eu não posso ficar sem ganhar nada, o meu companheiro não ganha o suficiente pra nós dois como servente de obra. Pelo menos eu vou conseguir fazer fisioterapia.”


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