Cultura
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4 de novembro de 2023
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09:17

Feira do Livro: em sua 1ª obra, Fabiana Sasi usa a ancestralidade para contar história infantil

Por
Duda Romagna
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Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

Há 20 anos morando em Porto Alegre, a baiana Fabiana Sasi encontrou na escrita infantil uma maneira de disseminar sua ancestralidade. Essa história já era contada em seus trabalhos como roteirista e, ainda, pela gastronomia. A cozinheira, bacharela em rádio e TV e, ainda, especialista em cinema, escreveu seu primeiro livro, “O Fio da Memória”, na pandemia, em 2021.

A obra despretensiosa foi vencedora do Prêmio Açorianos e do Troféu Carlos Urbim de literatura para a infância. Na história, Lia é uma “guriazinha” bem “perguntadeira” que se surpreende ao perceber que sua tia está ganhando alguns fios de cabelo branco. A menina recorre à avó e com a matriarca da família ela descobre o valor dos fios brancos como fonte de sabedoria e memórias preciosas.

 

Fabiana Sasi é baiana e vive desde 2003 no Rio Grande do Sul. Foto: Luiza Castro/Sul21

A produção foi inspirada em uma vivência da própria autora. “Eu tinha contado ela há uns 20 anos para a filha de uma amiga minha que perguntou por que meus cabelos estavam ficando brancos. É exatamente a pergunta que a menina fez no livro”, relata. Completando 40 anos na pandemia, ela conta que se voltou à sua identidade, junto ao seu filho em fase de alfabetização. “Eu fui me voltando para aquela menina que um dia eu fui, para aquela mulher que eu estava me tornando cada vez mais amadurecida e repensando na mulher do futuro que eu gostaria de ser”, explica Fabiana.

“No fundo, esse livro, que é infantil, remonta muito da minha ansiedade, de busca identitária enquanto mulher negra e também enquanto pessoa que estava passando por um outro ciclo. Foi um presente, para mim e para o meu filho, e uma devolutiva, já que tantas histórias me salvaram ao longo dos dias incansáveis de confinamento. Eu acho que eu também precisava fazer essa devolutiva para as pessoas, agradecer como história, assim surge ‘O Fio da Memória’.”

 

A obra é inspirada pela vivência da própria autora. Foto: Luiza Castro/Sul21

A obra abriu esta edição da Feira do Livro de Porto Alegre no espaço “Quintal das Histórias”, com contação para crianças. “Estar aqui é um presente mesmo. São coisas que a gente sonha e que às vezes não consegue dimensionar se vai ou não alcançar. Eu nunca pensei que poderia ser uma escritora publicada de livros. Escrevi bastante, mas sempre atrás, nos bastidores da escrita. Não à frente de algum programa ou escrevendo para um público que soubesse que aquela produção era minha”, conta.

A temática do livro é a vivência e a ancestralidade de matriz africana, presente no decorrer da história, tanto nas expressões utilizadas quanto em elementos não verbais nas ilustrações, produzidas pela artista Sílvia do Canto. Fabiana explica que foi preciso desenvolver um glossário para desmistificar termos envoltos em preconceitos. “Se fala muito de um racismo epistêmico, de uma apropriação, mas se fala pouco do que acontece com a etimologia das palavras de origem africana, muito do que se usa no vocabulário do português falado no Brasil, que é de origem afro diaspórica, a gente usa com uma conotação muito pejorativa. Eu fui trazendo palavras que me remetiam a um afeto, carinho. Então tem cafuné, tem dengo.”

 

O “Quintal das Histórias” fica em frente ao Memorial do Rio Grande do Sul”. Na foto, Fabiana e Carmen, uma das contadoras do espaço Foto: Luiza Castro/Sul21

“O Fio da Memória” é parte do Ciclo Preto Sou, uma série de eventos na programação da Feira que envolve o diálogo da cultura, das artes e do cotidiano afrodescendente, protagonizado por negras e negros. Em mais dois momentos a obra estará sendo abordada no “Quintal das Histórias”, em frente ao Memorial do Rio Grande do Sul: nos dias 10 e 15 de novembro, das 16h às 16h30.

Leia também: 69ª Feira do Livro começa nesta sexta (27) com diversidade, antirracismo e gênero na programação

O livro foi contemplado na Lei Aldir Blanc e sua segunda edição foi viabilizada através de outro edital de fomento público, o FAC Publicações, da Secretaria Estadual de Cultura. “É importante pensar também no fomento público para que outras pessoas da área artística, seja na música, seja no teatro, seja na literatura, possam ter esse esse lugar de possibilidade de execução”, pontua Fabiana.

“É uma alegria ter a possibilidade de ver o livro na banca, vendendo, as pessoas folheando, e mais do que isso, ver ele na programação infantil, com a história sendo contada, proferida com palavras. Esse é um livro que trata muito sobre a oralidade, a troca de saberes, a partir da troca geracional. São dois pontos do ciclo da vida, a criança e o idoso, uma vovó e uma menininha que trocam saberes a partir da oralidade. É uma alegria ver o livro sendo contado nesse Quintal das Histórias, por contadores tão sensíveis, ver essas rodas de crianças ao redor do livro com essa escuta atenta, com tantas outras atividades na feira, me deparar com esse espaço cheio de criancinhas ao redor do livro é uma emoção indescritível”, completa.

 

Livro está disponível em versão física, digital e com audiodescrição. Foto: Luiza Castro/Sul21

Como contrapartida, uma versão digital do livro está disponível gratuitamente e pode ser acessada através da página no Instagram, @ofiodameada. É possível acessar a contação da história com áudio-descrição das ilustrações no YouTube. Além de ser encontrada na Feira do Livro, a versão física pode ser adquirida com entrega em todo o Brasil, basta enviar uma mensagem também pelo Instagram. “Eu quero que o livro se torne cada vez mais acessível às pessoas que tenham apreço pelo livro físico, que queiram aquela sensação de folhear, mas que também ele possa se dissipar assim como a contação e a oralidade se dissipam no vento”, finaliza Fabiana.

Confira mais fotos:

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

 

 


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