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7 de junho de 2011
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23:22

PEC que tramita na Assembleia busca evitar a lógica do lucro no abastecimento de água

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Sul 21
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HD_CORSAN - ETA - Lajeado (1)
(Foto: Divulgação)

Felipe Prestes

O TCE-RS vai decidir amanhã (8) sobre a legalidade da concorrência que concedeu ao Grupo Odebrecht os serviços de saneamento e abastecimento de água em Uruguaiana. Por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), protocolada pelo deputado Luis Fernando Schmidt (PT), a bancada governista na Assembleia Legislativa tenta evitar que se propague pelo estado a concessão destes serviços à iniciativa privada. A PEC 206/2011, que já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), prevê que os serviços relacionados aos recursos hídricos sejam realizados apenas pelo poder público, ou por empresas de economia mista, nas quais municípios ou estado precisam deter no mínimo 51% do capital social e do capital votante, detendo assim o controle acionário.

“Nos países que deixaram a iniciativa privada tomar conta foi um caos”, afirma o deputado Luis Fernando Schmidt. O parlamentar diz que experiências de concessão da água fracassaram na Argentina e em Paris. A capital francesa recentemente voltou atrás na concessão destes serviços, tornando-os 100% públicos novamente. Schmidt diz que a lógica do lucro que rege a iniciativa privada fatalmente estoura no bolso dos cidadãos. Segundo ele, nos locais que cederam o abastecimento de água a empresas privadas, as pessoas encontraram barreiras para pagar os serviços prestados. “Manter a água pública significa garantir a democratização dela e também significa nos prevenir, enquanto nação, na área de mananciais hídricos”.

“População de Uruguaiana verá que é um engano”

Schimdt acompanha o caso de Uruguiana com preocupação e discorda do que alega a prefeitura do município, que garante que a tarifa vai baixar 14%. Para o deputado, a tendência é que a taxa fique menor no início para ir aumentando gradativamente, até se tornar proibitiva. “Via de regra eles fazem isto (baixam a taxa) e sobem gradativamente. As pessoas acabam tendo que tirar dinheiro de outras questões primordiais para pagar a água. Daqui a dois anos, a população de Uruguaiana já vai ver que foi um grande engano da administração ter feito este ato”, afirma.

A lógica para o parlamentar é simples. Se um grande grupo empresarial como Odebrecht investe um grande montante de recursos – a promessa da concessão é de que sejam investidos R$ 160 milhões em obras de saneamento até 2014 – vai pressionar ao máximo a tarifa para obter um lucro que justifique o este investimento. “Quando a empresa aporta dinheiro, ela quer tirar lucro. A Odebrecht vai querer tirar muito mais do que investiu”, diz Schmidt.

Deputado Schmidt: Iniciativa privada não vai investir em localidades pequenas (Foto: Marcos Eifler/Ag.AL)

Localidades menores são prejudicadas

Outro problema apontado por Luis Fernando Schmidt é que a iniciativa privada pode ter conflitos com a do interesse público. Por exemplo, um bairro com pouca densidade populacional – poucos consumidores – pode ser deixado de lado, mesmo que as pessoas que vivam ali estejam necessitando mais que em outros bairros de obras de saneamento.

Se vários municípios do estado seguirem os passos de Uruguaiana, as cidades menores podem acabar sendo prejudicadas. Hoje, a Corsan pode trabalhar com o chamado “subsídio cruzado”: os recursos vindos das cidades em que a empresa pública arrecada mais com tarifas servem para fazer obras necessárias em pequenos municípios. Caso as grandes cidades sigam como tendência a concessão à iniciativa privada, as localidades pequenas ficariam sem recursos e dificilmente conseguiriam buscá-los também na iniciativa privada. “Onde as empresas de telefonia, por exemplo, atendem primeiro? Nas grandes cidades. As empresas que terão concessões de saneamento também não irão investir em Boqueirão do Leão, onde eu nasci, que tem cerca de 500 domicílios recebendo atendimento da Corsan. É evidente que elas vão investir apenas em Uruguaiana, em outras cidades-polo e na Região Metropolitana”, afirma Luis Fernando Schmidt.

Corsan precisa se aproximar dos municípios

Schmidt sabe, porém, que não dá para culpar os municípios que buscam a iniciativa privada. Ele reconhece que as críticas recorrentes de prefeitos aos serviços da Corsan, em especial à falta de obras de saneamento, se justificam em grande parte dos casos. “Os problemas são verdadeiros. O governo está preocupado com a situação”. Parte dos problemas, Schmidt acredita que está sendo solucionada. O deputado conta que o governo Yeda havia acabado com as superintendências regionais da companhia, que agora estão funcionando novamente. “Temos que aproximar a Corsan das municipalidades. O governo Yeda centralizou as decisões, havia uma relação muito distante. Temos que ter pessoas que conhecem as regiões onde estão atuando”.

O petista diz que a administração anterior também não buscou recursos federais. Ele afirma que o estado e os prefeitos devem trabalhar para conseguir recursos do PAC II. Espera que a Corsan, com recursos próprios e federais, invista cerca de R$ 2,9 bilhões em saneamento básico.

Andamento da PEC no Legislativo

Ainda é incerta a data de votação da PEC 206/2011 em plenário. Após passar pela CCJ, a proposta foi encaminhada à Comissão de Saúde e Meio-Ambiente, mas Luis Fernando Schmidt entende que ela não deve passar por esta comissão. Ele vai solicitar que a PEC passe apenas pela Comissão de Segurança e Serviços Públicos e, de lá, para a apreciação em plenário.

Entretanto, para ir à votação por todos os deputados é preciso haver acordo entre os líderes de bancadas. Partidos como o PSDB, do prefeito de Uruguaiana, Sanchotene Felice, podem barrar o acordo. Muitos projetos costumam ficar no limbo na Assembleia. A própria PEC 206/2011 já havia sido protocolada antes, no segundo semestre de 2009, pelo então deputado estadual – hoje, federal – Ronaldo Zulke (PT).

Se a prefeitura de Uruguaiana conseguir vencer em todas as instâncias judiciais antes que a proposta seja aprovada, a mudança na Constituição estadual não afetaria a concessão do município da Fronteira Oeste, que valerá por 20 anos. Mesmo com todos os possíveis percalços à votação da matéria, Luis Fernando Schmidt comemora o debate que a proposta suscita. “Acho que nossa PEC tem papel preventivo importante. Com o debate público, a sociedade vai se apropriando de elementos para discutir o tema”.


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