Colunas>Marcelo Carneiro da Cunha
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14 de janeiro de 2011
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17:19

A inútil bobagem chavista

Por
Sul 21
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Estimados sulvinteumenses, cá estou, de volta de uma viagem a um paraíso caribenho recentemente descoberto pelos brasileiros, chamado Los Roques. “Paraíso” é expressão batidíssima no universo das editorias de turismo, assim como “terra de contrastes”, mas olhem que depois de horas procurando outra só me sobrou essa mesmo. Paraíso terrestre, já que existem mosquitos, mesmo que nada comparável ao que encontramos à espera aqui no litoral de São Paulo, chuvas de quando em vez, e as dificuldades venezuelanas ao fundo.

Estimados leitores, dá tristeza olhar para os elementos da presença chavista em um país tão vizinho e tão belo. E ela está quase em toda parte, felizmente menos em Los Roques, um arquipélago levemente distante da maluquice bolivariana que Hugo Chávez impõe ao país, e com a qual eu acho que a gente deveria se importar mais, mesmo que não se possa fazer tanto.

Los Roques, paraíso turístico venezuelano / Foto: Fabian Klein

Eu, você, o senhor aqui ao lado, os que estiverem acima dos quarenta, vivemos, de perto ou de longe, a ditadura brasileira. Então como você se sentiria, num aeroporto dos dias de hoje, se o alto-falante mandasse os passageiros prestes a entrar no avião da TAM de Caracas a São Paulo, se dividirem em duas filas, uma de homens e outra de mulheres, e todos fossem então submetidos a revista física por adolescentes vestidos de Guarda Nacional Bolivariana?

O aeroporto é, ele mesmo, tomado por mensagens que parecem ter sido criadas por um Goebbels com péssima formação em comunicação, informando a todos que o socialismo permite coisas inacreditáveis como a redução do analfabetismo, o aumento do atendimento médico, ou o acesso ao estudo. Isso lá não é simplesmente a obrigação de qualquer governo de meia pataca? Sim, é, mas é apresentado pela propaganda oficial como resultados positivos de um movimento revolucionário que Chávez afirma que criou e que existe, embora não se veja nada que substancie o que é afirmado.

Eu sou um ficcionista, e sei reconhecer ficção quando encontro alguma pela frente. Aquilo que é afirmado por eles, comparado com a realidade que se encontra no país real, é ficção. E, pelo tom dramático e pelo anacronismo crônico, má, péssima ficção.

Um cartaz da secretaria, ou algo assim, que controla a alfândega, naturalmente mantém cartazes no aeroporto que fala da importância do trabalho que realizam e tal. Até aí, poderia ser um cartaz como os que a infernal Infraero também nos brinda. Porém, e tudo está nos poréns nessa vida, caros sulvinteumenses, eles assinam os cartazes com a pérola de slogan, “Pátria, socialismo o muerte, venceremos!”. Vocês acreditam? Vocês podem imaginar a Infraero assinando um cartaz com uma estupidez dessas (e olhem que estamos falando de Infraero)?

Na vida real e econômica, existe um câmbio que os brasileiros mais velhos também vão recordar, e lembrar como era disfuncional. No câmbio ficcional, o dólar vale 4,30 bolívares. No mundo real, são 8 bolívares por dólar. O que significa que o curto voo que o leva de Caracas ao paraíso pode custar 200 ou 400 dólares. O que você acha que todo mundo faz, estimado leitor? Aceita um dos muitos convites para trocar dólares no aeroporto, feitos por todo mundo que se aproxima de você, claro, podendo ou não se meter em uma fria. O que você acha de uma realidade assim, estimado leitor?

Você é cercado por propaganda trouxa, dizendo a você que aquilo que você vê é socialismo e maravilhoso, quando, evidentemente, não é. Me dá uma tristeza nessas horas, estimados leitores, que só sentindo pra saber. Me lembra da primeira vez em que fui até o paraíso socialista do Leste Europeu, nos anos 80. O mesmo discurso, a mesma tranqueira.

E isso não é necessário, queridos leitores. Outros países da mesma América do Sul, o Brasil inclusive, já mostram o que é possível e que funciona para o nosso continente. Democracia, inclusão, governo governando, projeto de Estado, instituições fortalecidas, e não salvadores golpistas. Por mais que eu tenha aproveitado imensamente os dias em Los Roques, nunca deixei de pensar que estava em um belo país, lindo pela própria natureza, mas com os sapatos amarrados com os cadarços trocados, impedido de avançar juntamente com seus vizinhos e irmãos sul-americanos. Dá pena, por ser tão autoritário, tão desnecessário, tão tolo, e tão imutável. Amigos de lá me garantem: se eu acho o Chávez tudo isso, imaginem a oposição.

Eu lamento, estimados leitores. A Venezuela é um lindo país, com gente muito, muito pobre, cidades horrorosas em lugares divinos, meio como aqui, mas pior. Para mudar isso, é preciso prosa de excelente qualidade, alguma poesia, muito consenso, muito trabalho. Não essa ficção triste e sem graça que ocupa, e parece ainda vai ocupar, os tempos e os espaços de lá.

Pena.

*Jornalista e escritor


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