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8 de novembro de 2017
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20:03

Proteger as minorias não significa preterir a maioria

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Sul 21
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Proteger as minorias não significa preterir a maioria
Proteger as minorias não significa preterir a maioria
Fica mais fácil de entender o absurdo que é este tipo de pensamento quando o relacionamos a crianças e idosos vítimas de violência. Não há argumento razoável que sustente que estas duas populações não estão mais vulneráveis e que, portanto, necessitam de políticas específicas de proteção. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Samir Oliveira

A frase que dá título a este texto é uma obviedade que precisa infelizmente ser repetida. Existe um certo ranço em parte da sociedade brasileira contra toda e qualquer medida que proteja ou beneficie grupos vulneráveis. Esse raciocínio parte do princípio de que a legislação existente já prevê punições a crimes como homicídio e, portanto, não há necessidade de normas específicas para proteger mulheres e homossexuais, por exemplo.

Esta lógica ignora completamente os crimes de ódio. Se for aplicada ao pé da letra, também colocaria na lata do lixo os estatutos da Criança e do Adolescente e do Idoso. Fica mais fácil de entender o absurdo que é este tipo de pensamento quando o relacionamos a crianças e idosos vítimas de violência. Não há argumento razoável que sustente que estas duas populações não estão mais vulneráveis e que, portanto, necessitam de políticas específicas de proteção.

Por que, então, quando se trata da vida das mulheres, da comunidade LGBT e da população negra a percepção é outra?

A militância contra a ideia de que existe feminicídio é o que mais apavora. E ela é bastante comum, disseminada especialmente nas redes sociais. Neste contexto a Lei Maria da Penha é vista como um privilégio de mulheres. Ergue-se um muro de ignorância e contra a realidade. A incompreensão arma-se contra todos os dados e pesquisas que demonstram que a vida das mulheres está sempre por um fio.

A jornalista Nana Soares reuniu alguns dados assustadores:

  • Uma mulher é estuprada a cada 11 minutos no Brasil.
  • Há 10 estupros coletivos notificados todos os dias no sistema de saúde.
  • A cada 7.2 segundos uma mulher é vítima de violência física.
  • Em 2013, 13 mulheres morreram todos os dias vítimas de feminicídio. Cerca de 30% foram mortas por parceiro ou ex.
  • O assassinato de mulheres negras aumentou (54%) enquanto o de brancas diminuiu (9,8%).
  • Em 2015, a Central de Atendimento a Mulher – Ligue 180, realizou 749.024 atendimentos. 1 atendimento a cada 42 segundos.
  • 2 em cada 3 universitárias brasileiras disseram já ter sofrido algum tipo de violência (sexual, psicológica, moral ou física) no ambiente universitário.

O feminicídio ocorre quando uma mulher é assassinada por ser mulher. Algo que jamais ocorreu com um homem. Sim, homens são assassinados. Heterossexuais também – sejam eles do sexo masculino ou feminino. Mas nenhum homem é morto simplesmente por sua condição de homem. Assim como nenhuma pessoa hétero é morta por sua orientação sexual.

Isso acontece com mulheres, com a população LGBT e com negros e negras – que são as vítimas mais vulneráveis entre estes dois segmentos. A morte é o estágio final de um ciclo de violência que passa por preconceitos, assédios, humilhações naturalizadas como piadas e agressões físicas e sexuais.

É inaceitável defender que a legislação olhe da mesma forma para uma pessoa que cometeu um assassinato em briga de bar ou num latrocínio e para uma pessoa que espancou mulheres, travestis e homossexuais até a morte. Ter que explicar isso chega a ser um pouco surreal, mas infelizmente é necessário. Os argumentos que pautam esta lógica rasa são muitos e estão profundamente enraizados no senso comum, por isso precisamos combatê-los.

Não é preciso ser de esquerda para defender que populações vulneráveis contem com mecanismos específicos de proteção do Estado. Basta apenas possuir um pouco de empatia e não fechar os olhos diante da realidade. Proteger as minorias não significa preterir a maioria.

E aqui o conceito de minoria e maioria é político, não estatístico. Minorias são grupos vulneráveis, sujeitos a crimes de ódio por suas próprias condições – sejam elas de raça, de etnia, de gênero, de orientação sexual ou de classe. As minorias não vivem compartimentadas em caixinhas isoladas. Pelo contrário, muitos dos marcadores citados anteriormente se atravessam.

É compreensível que, diante da violência galopante no Brasil, todos sintam-se parte de um grande “grupo vulnerável”. Mas entendam: ninguém está perdendo seu direito à segurança. As minorias é que estão lutando para também garantir o delas.

***

Samir Oliveira é jornalista e militante da Setorial LGBT do PSOL/RS.


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