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12 de abril de 2019
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15:33

A conversa de sempre semanas atrás

Por
Sul 21
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A conversa de sempre semanas atrás
A conversa de sempre semanas atrás
“Aos poucos e insidiosamente o fuzilamento de uma família negra vai se transformando ou sendo branqueado”. (Facebook/Reprodução)

Ronald Augusto (*)

Aos poucos e insidiosamente o fuzilamento de uma família negra vai se transformando ou sendo branqueado na imagem do fuzilamento de uma família. Ponto. Essa empatia mais com uma ideia embaçada de “família” do que com a concretude social de uma família de negros, começou a colar nas manifestações apaixonadas e sentimentais que se seguiram ao crime. Corolário: a noção (ou a denúncia) de um genocídio negro só pode ser levada a efeito por nós. Para as pessoas brancas, afirmar isso com todas as letras soa como um crime de lesa brasilidade, essa brasilidade pretensamente pós-racial.

O problema que detecto na costumeira opinião-clichê “ah, acho que isso não tem nada a ver com racismo”, é que ela, de ordinário, sai com naturalidade da boca de gente branca.

O sujeito é branco e por isso mesmo já está com a vida praticamente encaminhada (ele nem percebe as vantagens embutidas no pacote). Só que o cara ainda quer mais, ele, por exemplo, quer ser coach sobre racismo para abrir nossas mentes. Lacrador.

A branquitude (de esquerda, inclusive) é particularmente atenciosa e receptiva com aqueles negros conscientes e empreendedores que enfrentam o racismo, sim, porém com leveza e serenidade.

*

Acho engraçado quando, por substituição ou por extensão, alguém se refere ao guru do Jair Bolsonaro não como filósofo, porém como astrólogo.

*

Muitos poetas mortos, quando vivos, faziam tudo, menos poesia. A recepção manda prender e soltar tanto os poetas mortos quanto os poetas vivos.

*

Um dia desses (enquanto caminhava) escutava um programa de rádio, “Rádio livre” era o nome, se não me engano, Rádio Bandeirantes/RS. Quando sintonizei, a discussão já ia animada. O tema girava em torno ao governo do Bolsonaro e seus impasses, óbvio. A polêmica com Rodrigo Maia, Reforma da Previdência, Olavo de Carvalho, o confuso Ministro da Educação etc, a pauta era essa. Não consegui identificar quem eram os convidados, a princípio, pelo que afirmavam e defendiam (todos eles), pensei que se tratava de um grupo de políticos do PSL. Fiquei surpreso e decepcionado quando soube que duas das vozes eram de jornalistas da empresa. Os demais eram advogados ou cidadãos de bem ligados à cultura do empreendedorismo enquanto panaceia econômica. Enfim, resumindo a tragédia, não havia nenhuma voz discordante, todos (jornalistas e convidados) eram extremamente simpáticos às ideias e aos planos de governo do senhor Jair Bolsonaro. Ouvi chapas como “esquerda podre”, que o Ministério da Educação seria “um antro”, impropérios ao “corporativismo dos funcionários públicos”, que Lula é um “cachorro morto” e que a salvação do país está nas mãos do Paulo Guedes e do Sergio Moro.

Quase todos concordaram que a imprensa em geral (exceto a Band, claro) não está fazendo jornalismo de verdade, mas sim uma campanha difamatória contra o atual Presidente da República, afinal todos os governos demoram pra acertar o passo nos primeiros meses etc etc

Foi uma experiência muito triste ter ouvido esse programa vespertino enquanto fazia minha habitual caminhada. Estava ali o que há de pior no jornalismo: empáfia, elitismo, a história pela metade, a voz que domina todos os temas lançando mão de argumentos que se resolvem num clichê, a retórica, a máscara do justiceiro da notícia.

Para terminar, um ouvinte se manifestou contrariamente à maneira depreciativa com que um dos convidados se referiu aos funcionários públicos. Disse o ouvinte, mais ou menos, o que segue: “nem todo funcionário público é petista e relaxado”.

*

Não me espantou que o ex-Ministro da Educação tenha citado o narco Pablo Escobar como um pensador da educação, afinal, seu chefinho sempre viu nas milícias uma solução para o combate ao crime. Tudo segue dentro da mais estrita coerência.

(*) Ronald Augusto é poeta e ensaísta. Formado em Filosofia pela UFRGS. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012), Oliveira Silveira: poesia reunida (2012), Decupagens Assim (2012), Empresto do Visitante (2013) e À Ipásia que o espera (2016). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com e é colunista do portal de notícias Sul21: http://www.sul21.com.br/editoria/colunas/ronald-augusto/

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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