Raul Ellwanger
Esta balada está dedicada a Ico Lisboa, poeta, líder estudantil secundarista, trabalhador, membro da resistência à ditadura e organizador de grupos conspirativos secretos. Ico foi “desaparecido” pelo regime em 1972, sendo seus restos achados somente em 1979. Procurei na canção refletir o sentimento de absoluta dor e tristeza dos que perdem seu familiar ou amigo, a impotência ante a brutalidade estatal – anônima, mas conhecida – os desejos algo sonhadores de um eventual “reaparecimento”. Na emoção de sua letra estão muitos outros moços e moças, todos os outros se é possível, alguns que conheci e os milhares que não conheci, seja no Chile, na Argentina, no Uruguai, no Brasil.
Começa a canção perguntando pelo estado da alma dos familiares, ante o sumiço incompreensível de uma pessoa. O que acontece com a mãe, o que é dela, o que sente dentro de si quando nem um aroma quedou de seu filho. Reitera: o que é feito dela ou dele, moças e meninos de vinte anos viçosos e cheios de idealismo e esperanças. Segue com a identidade da vítima como cidadão, perseguida não por acaso ou capricho de algum tiranete maluco, mas por uma política oficial do regime, vilipendiada por sonhar com a democracia e com um país melhor, diferente, liberto.
Na cadência harmônica há uma reiteração da caminhada diatônica do baixo, seja na parte A, seja na parte B. Tentei ali graficar a opressão, o peso da angústia, através deste andar descendente algo monótono, em oposição à dilatada curva melódica do sax tenor de Leandro Nunes, como a gritar por espaço, por ar, por liberdade.
Na terceira estrofe é a voz do próprio familiar que declara seu desejo, seu ânimo de recuperar o ser querido. Como acontece com a saudade, as referências são sensoriais: tocar, ver, ouvir, abraçar, como já antes aparecera o perfume. Há uma interlúdio – “o que fizeram de ti” – que aparece e desaparece, mas não faz parte da nenhuma estrofe, está solto no nada como a dizer do absurdo de toda a situação. Como o absurdo de durante décadas não termos podido mais conviver com Ico, Alceri, Nilton, Ligia, Bicho, Chael, Marta, Túlio, Dodora, Coqueiro, Mariano, Raab, Tenório, Breno e tantas vítimas mortas e desaparecidas deste lado obscuro, infame e impune do Brasil e da América.
Canção do desaparecido
Raul Ellwanger
O que será da mãe
Que será do irmão
Daquele que não voltou
De repente sumiu
Sem deixar um sinal
Um perfume de si
O que fizeram de ti
O que fizeram de ti
Que destino fugaz te levou
Coração mais sincero
Um país tão bonito sonhou
Eu ainda te espero
O que será da mãe…
Só queria tocar tua mão
Ver teu sorriso enfim
Sentir passos na escuridão
Os teus braços voltando pra mim