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16 de julho de 2017
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10:30

Sinistrose

Por
Sul 21
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Sinistrose
Sinistrose

Paulo Timm

“Você não me entende porque você nos divide em dois: eu e você. Não existe divisão. Eu não sou só eu. Eu sou também você e todos os outros, e todas as coisas que eu vejo. Você não me entende porque você nunca me olhou. Olha firme no meu olho, me encara fundo. A gente só consegue conhecer alguém ou alguma coisa quando olha para ela, bem de frente, cara a cara.”

Caio Fernando Abreu

                                                                          *

Há realmente algo de sinistro nos ares de Brasília: Um Presidente ameaçado de perder o cargo em virtude de indiciamento em crime de corrupção; outro, ex presidente, condenado a quase dez anos em regime fechado pela Lavajato, por razões semelhantes;  Congresso tenso diante dos desafios a que está chamado a decidir, levando  um grupo de senadoras a ocupar manu militari a Mesa Diretora dos trabalhos da Casa; uma controvertida terceirização aprovada e uma reforma pre[A1] videnciária em marcha forçada gerando tensões e rebeldia no mundo do trabalho; traições cruzadas por todos os lados; Justiça e Ministério público às turras; as redes sociais explodem em indignações de todos os lados, ódios e ressentimentos pipocam e repelem a pele do bom senso.  Ninguém mais manda em ninguém, como se vivêssemos na Terra do Nunca. Só falta mesmo, para mudar o regime, tal como ocorreu no fim do Império, uma grave crise militar. Deus nos livre se isso vier a ocorrer. Algo me diz, porém, que sempre pode piorar…

Diante da confusão, as análises proliferam, cada analista dando um ponto de vista diferente. Divergem não só nas avaliações, mas sobre os próprios fatos, numa era que se consagra como da pós verdade. Como diria um psicanalista : o real, o imaginário e o simbólico se entrecruzam. Alguns analistas insistem que tudo isso é uma conspiração do Império do Meio interessado em impedir a emergência de uma grande potência ao sul do Equador. Outros dizem que tudo é uma grande armação que, no fundo, levará, senão Lula, alguém que ele indicar para a Presidência nas eleições de 2018. Estes provam por A + B que o PT jogou contra Dilma para não vê-la sangrando em prejuízo dos interesses do Partido e agora joga nas Diretas Já para ganhar tempo. Outros, ainda, dizem que há, sim, um golpe, embora seus articuladores se movam ao sabor de circunstâncias, aí despontando como cabeças, ora o Ministro Gilmar Mendes, ora o Procurador Rodrigo Janot, ora Renan Calheiros, ora até o Juiz Moro. E curioso: saltam os analistas de uma à outra inspiração teórica, da crise das elites à crise das instituições e daí à crise das representações, sem que ninguém consiga entender as razões últimas desse pugilato teórico. Enquanto isso, juristas debatem em seletivo latim as vicissitudes da judicialização da política e vice-versa, nas variadas inspirações que hoje pontuam as controvertidas  decisões da Justiça, ora inclinadas ao punitivismo alimentado pela sede de justiça reclamado pela mídia e opinião pública, ora apoiadas em generosas doutrinas ditas garantistas, que exigem maior respeito aos direitos constitucionais.

À margem de toda essa concelebração pânica, o proclamado Mercado, Senhor dos Anéis, parece que se cansou da farsa e descola da Política. Trata de fazer o que mais gosta: ganhar dinheiro. E isso dá à anomia um mínimo de materialidade positiva, que nada tem a ver com o Governo, que tenta explorá-la. Ainda não é a retomada do crescimento, mas é, pelo menos, o retorno à normalidade. Câmbio estável, Bolsa com pouca oscilação, preços em baixa.

Difícil entender com isenção  o Brasil atual. Como disse Wagner Moura, outro dia, em conversa com Bial, na Rede Plim Plim: “ A zona cinzenta dispensada aos intelectuais e grande parte da classe média está muito apertada entre o branco e preto”. Isto é, entre os que estão fechados com a esquerda (Lula 2018) ou com a direita (Bolsonaro 2018).  Não obstante, todos  sofremos o Brasil e, não raro, caímos na sinistrose. O que seria isso?

                                                           Significado de Sinistrose

substantivo feminino[Neologismo] bras Sentimento e/ou atitude excessivamente negativos de descrença com relação à situação do país e às suas instituições, e também aos homens em geral, principalmente políticos.

 Começamos a internalizar um sentimento de que no Brasil nada dá certo. Que estamos condenados. “Não tem mesmo jeito”.  Damos o salto mortal do sinistro, efetivo, à sinistrose, projetada.

Isso está acontecendo, sobretudo, entre os jovens. Até porque para eles o passado é sempre passado remoto, ou tudo aquilo que aconteceu antes de seu nascimento. Vargas é tão antigo quanto Napoleão ou Ramsés II. Mal sabem que no Censo de 1872 éramos menos de 10 milhões de almas, encravadas num fazendão escravocrata da cana, charque e café e que, num século, realizamos o único caso, então, de sair do subdesenvolvimento crônico para uma economia moderna com 200 milhões de “máquinas humanas desejantes”.

CENSO 1872 – IMPÉRIO DO BRASIL

Estrangeiros: 382.041….. 3,8%

Brasileiros :  9.548.437….. 96,2%

Escravos:       1.610.806….  16,2%

  _________________________

Total ______ 9.930.468, 100%

Vejo essa sinistrose aqui em Portugal, onde me encontro, no discurso dos jovens que aqui aportam, às centenas, diariamente: “O Brasil é um horror! Estou fugindo daquele país pra nunca mais voltar!”. Tento argumentar que não é bem assim, que há ilhas de progresso e tranquilidade no país, sobretudo fora das entupidas regiões metropolitanas.  O Brasil, enfim, não é a Síria. Merece ser olhado de frente, não pelas costas. Não adianta. Acham que eu estou a serviço de alguma ONG anti imigração. Vão atrás dos seus delírios. Delírio é isso: a metamorfose de um belo sonho em pesadelo, geralmente provocado por traumas vivenciados. Difícil de tratar. Mas insisto: O Brasil merece ser olhado de frente, nos olhos…

.oOo.

Paulo Timm é economista, pós-graduado CEPAL/ESCOLATINA – Prof. aposentado da UnB . Fundador do PDT.


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