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23 de julho de 2017
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10:30

Sant’Ana, o irreverente

Por
Sul 21
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Sant’Ana, o irreverente
Sant’Ana, o irreverente

Montserrat Martins

Inesquecível um Jornal do Almoço onde o Lasier Martins passou a palavra ao Paulo Sant’Ana e ele começou assim: “Lasier, me dei conta agora que estamos num programa racista, do lado de cá das câmeras somos todos brancos, do lado de lá nos filmando são todos pretos”. Lasier ficou roxo de constrangimento e só conseguiu dizer “Esse Sant’Ana…”. Dizem que na história da RBS só ele teve “carta branca” para dizer tudo o que pensava, fruto da visão do Maurício Sirotsky que percebeu nele o potencial da espontaneidade que não devia ser tolhida, porque cativava o público.

Foto: YouTube

Quando Rogério Mendelski polemizava com as professoras em greve, num Jornal do Almoço ao ar livre declarou o Sant’Ana, com um pote de geleia na mão: “Essa geleia eu ganhei de presente de uma professora, com a condição que eu não desse nem uma prova para o Mendelski”.

Nos anos 90, quando boa parte do público acreditava que a RBS estava desconfortável com o PT no poder em Porto Alegre, Sant’Ana profetizou em sua coluna na Zero Hora, mais de uma vez, que o PT passaria duas décadas no poder, porque era quem levava asfalto para as vilas. Mas também teve independência para criticar, depois, o mesmo PT que fora capaz de elogiar.

Sempre falou com liberdade sobre todos os partidos e todos os políticos, sem se esconder em alguma suposta neutralidade, pois era filiado ao PDT e chegou a ser vereador eleito. Não recordo, sinceramente, de algum feito político seu, pois tinha a impressão de que, como político, ele seguia sendo um grande jornalista. Tanto que não persistiu na carreira política e voltou com tudo ao jornal, rádio e televisão.

Você podia concordar ou não com o Paulo Sant’Ana, mas tinha de reconhecer no mínimo a sua independência jornalística, sua personalidade, que se impunha ao próprio órgão em que trabalhava, que teve a lucidez de lhe preservar essa liberdade na maior parte de sua carreira. Pelo menos até os conflitos que resultaram em sua saída do Sala de Redação, mais recentemente, que são narrados no livro sobre a história daquele famoso programa de rádio.

Quem achar interessante pode se aprofundar na pesquisa sobre esses conflitos, já nos últimos anos, que ocorreram em época em que sua saúde também já começava a declinar. Muito mais impressionante, porém, foi a liberdade única e pioneira que exerceu durante décadas. A começar pelo fato de ser um cronista esportivo com paixão clubística, numa época em que quase todos tentavam se passar por isentos para comentar o futebol na imprensa gaúcha e brasileira. Sant’Ana contribuiu muito com suas percepções sobre futebol, política, relacionamentos, com crônicas inspiradas como “Meus Secretos Amigos”. O lendo, nos fazia sentir próximos, como um amigo.

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Montserrat Martins é médico e bacharel em ciências jurídicas e sociais.


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