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30 de novembro de 2020
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11:43

Economia brasileira: devagar com o andor

Por
Sul 21
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Foto: Luiza Castro/Sul21

Flavio Fligenspan (*)

Passado o tempo, hoje com dados do IBGE para os setores da Indústria, Comércio e Serviços disponíveis até setembro deste ano, é possível enxergar com mais clareza o movimento de queda abrupta de produção e vendas nos meses de março e abril e a recuperação em velocidade menor a partir de maio. Com efeito, a parada brusca da economia nos primeiros dois meses da pandemia produziu um recuo sem igual nos índices captados pelo IBGE, gerando previsões de uma enorme recessão, com alguns analistas de conjuntura chegando a pensar em queda de 9% para o PIB em 2020. A interrupção quase completa das atividades foi tão radical que desestabilizou as projeções de analistas nacionais e estrangeiros consagrados; todos erraram.

O curioso é que a queda quase vertical das curvas nos gráficos no bimestre março-abril, tão intensa e tão fora dos padrões, produziu erros de análise não só no início da retomada, mas continua a produzi-los até hoje. Num primeiro momento, os erros geraram previsões mais pessimistas do que a realidade mostrou, e agora – me parece – produzem projeções mais otimistas do que o futuro vai mostrar. Assim, por exemplo, o Comércio varejista, setor que menos sofreu a parada, já em agosto havia recuperado o volume de vendas de fevereiro, quando a pandemia ainda não havia chegado ao Brasil, e em setembro já vendeu quase 3% mais que em fevereiro. Ou seja, na média, o Comércio sai da crise quase sem cicatrizes. Na média, porque há setores que amargam perdas pesadas, como o de Veículos.

A Indústria de transformação, que vinha imersa numa crise de mais longo prazo, chegou a setembro com um nível de produção 1% maior que o de fevereiro, na média. Os piores desempenhos ficam por conta de Artigos do vestuário e Fabricação de veículos, com quedas de produção de 17% e 13%, respectivamente, entre fevereiro e setembro. Forçando um pouco a interpretação, a figura gráfica mostraria para o Comércio e para a Indústria uma recuperação em formato de “V”, mas um “V” assimétrico, com uma perna de queda bem pronunciada e uma de recuperação bem mais suave e lenta.

Um tema chama atenção neste momento, em especial na Indústria. Há uma aparente inconsistência nas informações do setor, pois mal ele recuperou o nível de fevereiro – historicamente baixo – e ocorrem problemas de abastecimento, com filas de espera, redução do tamanho dos pedidos e desabastecimento em algumas cadeias produtivas, como se o setor estivesse trabalhando com sobreutilização de suas plantas. Não é isso, mas sim o fato de que a parada abrupta desorganizou os fluxos de produção, esgotou os estoques de peças e de produtos acabados, como que causando “soluços” no ritmo normal. Prevê-se que num intervalo de dois a três meses este aparente excesso de demanda se acomode, até porque o ambiente econômico em geral não é de expansão nem se espera que o futuro imediato ofereça um mercado de trabalho aquecido e uma demanda em alta. Há quem se entusiasme com o desabastecimento na Indústria, vendo aí um sinal de recuperação pujante da atividade econômica do País. Ou se engana ou sabe que não é bem isso e quer enganar os outros.

Os Serviços, por sua vez, representam o setor que mais sofreu com a pandemia, já que as medidas de isolamento social forçaram uma parada que ainda não se esgotou. Para seguir com a mesma comparação feita para os demais setores, entre fevereiro e setembro a queda média do volume de Serviços é de 8%, destacando-se os Serviços prestados às famílias, que englobam restaurantes e atividades de turismo, com queda de impressionantes 36%. A débâcle dos Serviços tem um peso especial sobre o PIB e sobre o emprego no País, visto que o setor tem participação de mais de 70% na economia e é super intensivo em mão de obra, inclusive absorvendo na informalidade muitas pessoas de baixa qualificação e baixa renda. Assim que as recuperações do Comércio e da Indústria ficam longe de representar uma recuperação consistente da economia como um todo, bem pelo contrário. A este propósito, vale observar uma informação instigante, o volume comercializado de Combustíveis e lubrificantes, usados para mover o País, ainda está em setembro 5% abaixo do que se registrou em fevereiro, o que evidencia a queda da atividade econômica em 2020.

A idéia do “V”, quando vista para o PIB total ou mesmo para o emprego, não se verifica, nem mesmo na sua forma assimétrica. Ora, as projeções mais otimistas atualmente chegam à queda do PIB brasileiro entre 4% e 5% para este ano e elevação de mais ou menos 3% em 2021, ou seja, sequer recuperando o que se está perdendo em 2020. E para tornar tudo mais difícil, está chegando o momento em que os muitos incentivos públicos oferecidos a famílias e a empresas durante o auge da crise sanitária vão ser retirados, na virada do ano, por imposição de uma visão ortodoxa do Ministério da Economia. Infelizmente, muita notícia ruim ainda está por aparecer na área da economia. Não nos iludamos com falsos otimismos neste momento.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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