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5 de outubro de 2020
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12:30

O caos da pandemia põe o Governo à espera de um milagre

Por
Sul 21
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O caos da pandemia põe o Governo à espera de um milagre
O caos da pandemia põe o Governo à espera de um milagre
Foto: Luiza Castro/Sul21.

Flavio Fligenspan (*)

Já entramos no último trimestre do ano, o tempo vai passando e o Governo continua enrolado e indeciso com a economia, tanto nas questões de curto prazo, quanto, por óbvio, no que concerne aos planos de médio e longo prazo, se é que algum dia houve uma idéia mais elaborada para o futuro, além da simples lista sobre privatizações, redução do tamanho do Estado e reformas diversas. A conversa conhecida e que aglutina tanto líderes empresariais, como eleitores de classe média e a grande imprensa. O frágil e quase ausente discurso de campanha para a área econômica já se desfez diante da necessidade de agradar a muitos interesses em busca de apoio para a reeleição e das urgências do dia a dia.

Claramente sem rumo, o Governo está à espera de um milagre para resolver o dilema de cumprir o Teto dos gastos e, simultaneamente, sustentar a atividade econômica diante dos efeitos negativos da pandemia. Em especial, deve-se fazer todo esforço para manter o apoio político das camadas de baixa renda, conquistado com o Auxílio Emergencial e em vias de correr alto risco na virada do ano. A guinada política está consolidada, pelo menos no curto prazo, com a negociação de apoio do Centrão, o discurso mais ameno de várias lideranças e o clima mais amistoso com o Legislativo e o Judiciário. Em troca, o Governo teve que desagradar à ala mais radical, que ameaça reclamar. A ver se fica só no barulho.

Mesmo com a política mais calma, o fato é que 2021 se aproxima e o problema econômico está sendo empurrado com a barriga. O Presidente mostra que não tem capacidade de solucionar equação tão difícil. Se não quiser afastar definitivamente a Lei do Teto, o mais racional neste momento seria optar por romper o Teto com ajustes pontuais e específicos, por tipo de gasto, com metas claras de valor e de duração. Esta parece ser uma imposição da realidade, especialmente porque a pandemia até pode acabar na virada do ano, com a chegada da vacina, mas seus efeitos econômicos vão invadir 2021 com certeza, com crescimento lento, desemprego alto e massa de rendimentos reduzida.

Nos últimos dias, principalmente no mês de setembro, o mercado financeiro emitiu claros sinais de perda de confiança na condução da política econômica, entendeu a falta de coordenação do Governo e fez suas apostas no sentido da não resolução do dilema no prazo considerado adequado; ou numa solução que ele considera errada, a do não compromisso fiscal irrestrito, sem relaxamentos quanto a rubricas ou mesmo intervalos de tempo. A forma como aparece esta desconfiança é através da alta dos juros exigidos para comprar títulos públicos e do aumento da taxa de câmbio, reflexo da fuga de capital estrangeiro. O que não era muito sólido desde o início do Governo, no começo de 2019, já tem claros sinais de desabamento. O Ministro da Economia, com sua vasta experiência no mercado financeiro, entende bem estes sinais. Diferentemente do meio da política, no mercado financeiro a confiança se traduz em números bem nítidos, e estes não estão nada bons.

Está bem difícil prever o ambiente econômico do início de 2021, mas o cenário mais provável é de deterioração e decepção, com resposta lenta do PIB e do emprego, numa sensação de nau sem rumo. Mesmo que a urgência leve o Governo a organizar alguma coisa parecida com um programa assistencial um pouco mais amplo que o Bolsa Família, a diminuição do benefício em relação ao Auxílio Emergencial, combinado com a expansão tímida do mercado de trabalho, deve gerar tensão social e quebra dos índices atuais de apoio político da base da pirâmide.

Se houver continuidade do atual movimento de quebra de confiança da parte superior da pirâmide, simbolizada pelos indicadores do mercado financeiro, poderemos ter uma situação singular, a combinação de insatisfação nos dois extremos do espectro social. Esta circunstância ensejaria as condições para a formulação de um novo projeto político para o País, com tempo suficiente para se organizar à disputa eleitoral de 2022.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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