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16 de janeiro de 2021
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22:05

Bolsonaro, o presidente Ideal

Por
Sul 21
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Bolsonaro, o presidente Ideal
Bolsonaro, o presidente Ideal
Foto: Reprodução/Twitter

Céli Pinto (*)

A última live do Presidente da República, junto a seu Ministro da Saúde, só pode ser comparável aos mais politicamente incorretos filmes estadunidenses do século passado, sobre repúblicas das bananas ou repúblicas africanas. Tudo compunha uma cena destes detestáveis filmes: o corte de cabelo a la Hitler do presidente, a figura tosca do ministro e o discurso, a fala contra o mundo, literalmente, o planeta Terra! O Presidente diz que a vacina não tem comprovação científica e que ninguém é obrigado a tomá-la! Para tornar a cena mais caricata, vira-se para o general e pergunta: Não é Pazuello?, e o ministro balança bovinamente a cabeça de forma afirmativa.

Esta live foi gravada ao mesmo tempo em que prefeitos liberavam eventos, como o de Porto Alegre, que permitiu a reunião em lugares fechados de até 2500 pessoas, ou o do Rio, que autorizou baladas, com todo mundo sentado e sem ninguém na pista de dança, nas possivelmente 2000 casas noturnas do Rio de Janeiro. Ambos foram claramente pressionados por interesses talvez pouco confessáveis.

Enquanto isto, pessoas morriam asfixiadas por falta de oxigênio em Manaus e a pandemia chegava a números escandalosos, os maiores desde seu início. Um avião foi adesivado com propaganda do governo para buscar vacinas na Índia. Mentira, o governo, como os minerais, sabia que não existiam as vacinas, eles não tinham comprado nada. Mas os brasileiros acreditaram. Ontem, (dia 15 de janeiro) a Globonews, em seu programa Em Pauta, disse em alto e bom som que, possivelmente, a ANVISA não liberará a vacina do Butantan neste domingo por motivos políticos, já que a decisão contrariaria os interesses de Bolsonaro, que não quer dar palco a Dória. A informação foi dada como se nada de indecente e escabroso houvesse nisto.

Frente a todos estes descalabros, a pergunta que se impõe é: por que Bolsonaro ainda é presidente da república? Por que não foi iniciado um processo de impeachment na Câmara de Deputados e uma grande mobilização popular para acabar com esta tirania caricata e necrófila?

Vamos por partes. Hoje (16/01) em entrevista à Folha de São Paulo, Rodrigo Maia dá um pérola de resposta sobre não dar andamento aos 61 pedidos de impeachment que se encontram em sua mesa ao afirmar: “Não foi avaliar ou deixar de avaliar o impeachment. Foi compreender que o enfrentamento à pandemia é a prioridade de todos nós (…) Qualquer decisão sobre impedimento hoje, com perdas de vidas, é nós tirarmos o foco daquilo que é fundamental, que é tentar salvar o maior número de vidas”. ( p. A6)

Esta é uma das manifestações mais cínicas que um político deu durante a pandemia. De que prioridade Maia fala? Que vidas estão salvando? Que medidas estão tomando? Nenhuma. O Congresso Nacional, em suas duas casas, está completamente envolvido nas eleições de suas presidências. Que vida será salva com a dupla gaiata Bolsonaro-Pazuello? Só eu li que o General de olhar parvo foi pra a Amazônia vender a ideia da cloroquina enquanto as pessoas morriam asfixiadas?

Para muitos membros do Congresso, da Câmara de Deputados e do Senado, quanto mais gente morrer, de preferência asfixiadas ao vivo na TV, melhor. Deixar Bolsonaro sangrar por mais dois anos parece ser o sonho de consumo de todos os grandes partidos, de direita e de esquerda, que pensam que poderão, desta forma, se cacifar com candidatos à presidência da república. A morte, o assassinato de centenas de milhares de brasileiros é apenas um preço a pagar. Também para os membros STF, sempre tão criticados por suas lagostas, suas vestes de morcego e sua falsa erudição, uma medida de bom senso aqui e acolá parece salvar a lavoura e a si mesmos da omissão total.

Resta a mídia e o povo . A grande mídia também está em uma posição muito confortável. Bate em Bolsonaro, mas defende as medidas econômicas que seu governo diz que vai fazer. Se não fizer, pelo menos não haverá mais distribuição de renda; não haverá mais políticas culturais críticas; não haverá mais medidas de intervenção na direção da igualdade de oportunidades, E daí até o vaticanista Gerson Camarotti consegue parecer um analista de bom senso e à esquerda do bolsonarismo.

Ah e o povo? Uma ficção fragmentada. Tem um grupo minoritário de esquerda, na maioria intelectuais, que grita contra Bolsonaro, somando-se- a movimentos sociais importantes, mas com pouca densidade em termos numéricos. E a quantidade, nestas horas, tem uma qualidade que lhe é inerente, já dizia um velho revolucionário. Há um grupo bolsonarista, 30% mais ou menos. Será que todos “invadiriam o Capitólio”? Talvez 10%, 15% . Os outros podem estar esperando uma alternativa, podem estar desesperançados, com toda a razão. Podem ter perdido a esperança na política, a mídia foi sábia em construir isto nas últimas décadas.

Não me preocupam os 30% , mas os outros 70%. Grande parte deles é da classe média, educada, com nível de educação superior. Não são bolsonaristas, mas agem como se fossem, e este é grande problema. Não querem se envolver com política, não se informam. Passam o dia com seus celulares nas mãos, lendo bobagens, e à noite assistem BBB, novelas e The Voice. Sempre que se tenta falar de política com eles, defendem-se rapidamente: “Gosto, política e religião não se discute”. Pois, se discute sim! Bourdieu escreveu um livro de mais de 500 páginas para provar que gosto se discute e, principalmente, se forma. Política só existe através da discussão, do embate, do enfrentamento de posições. A Grécia clássica já nos ensinou isto. Religião também se discute. Pode não se discutir religiosidade, a fé de cada um, mas religião, como instituição, tem que ser discutida cada vez mais.

Caro leitor, cara leitora, não esqueci do que vinha argumentando, fiz esta digressão para falar de um povo que foi deixado à margem na sua educação, especialmente na sua educação cívica, que não se permite refletir, prefere ficar de fora. Frente ao descalabro de um necrogoverno, eles preferem dizer que não entendem de política. Não conseguem se colocar criticamente, nem em relação ao perigo iminente de sua própria morte e a de seus mais próximos.

Este imenso grupo, que muitas vezes não vota à direita e até votou em Haddad, está comodamente instalado no caos, porque escolheu não discutir gosto, política, religião. nem seu próprio futuro como humanidade.

Daí que, também para estes, Bolsonaro é o presidente ideal.

(*) Professora Emérita da UFRGS; Cientista Política; Professora convidada do PPG de História da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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