Para pensar uma sociedade melhor, sou anti-darwinista, diz Richard Dawkins

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Richard Dawkins: "Quando se trata de pensar o tipo de sociedade que queremos construir, como viver juntos melhor, sou anti-darwinista".  (Foto: Guilherme Santos/Sul21
Richard Dawkins: “Quando se trata de pensar o tipo de sociedade que queremos construir, como viver juntos melhor, sou anti-darwinista”.
(Foto: Guilherme Santos/Sul21

Marco Weissheimer

Viver juntos, o mundo urbano e tecnológico e a necessidade de resgatar princípios de cooperação e tolerância: o tema proposto para a edição 2015 do projeto Fronteiras do Pensamento dificilmente poderia ter um conferencista mais provocador para a sua estreia. O biólogo evolucionista britânico Richard Dawkins, considerado mais darwinista que o próprio Darwin, defensor de um ateísmo quase religioso, formulador da concepção do gene egoísta. Dawkins realizou, segunda-feira (25) à noite, a maior conferência da história do Fronteiras do Pensamento. Em razão das obras de remodelação no auditório da Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o encontro foi realizado no Auditório Araújo Vianna, que recebeu cerca de 3 mil pessoas para ouvir Dawkins.

A conferência de Dawkins não deu nenhuma pista sobre como as teorias da seleção natural, do gene egoísta e da evolução das espécies poderiam contribuir para melhorar a nossa vida em comunidade. Não deu porque não tinha como dar mesmo. O biólogo apresentou o mecanismo da seleção natural como uma implacável corrida armamentista entre genes, que não é regida por nenhum plano de um arquiteto universal para um futuro melhor, mas sim pelo interesse de curto prazo dos genes em se replicarem e permanecerem vivos na natureza. A seleção natural, defendeu, não planeja e não pensa no futuro. Para aqueles que cogitavam extrair alguma espécie de tese ultra liberal do teórico do gene egoísta, Dawkins foi um banho de água fria quando, após a conferência, na sessão de perguntas e respostas, afirmou: “Quando se trata de pensar o tipo de sociedade que queremos construir, como viver juntos melhor, sou anti-darwinista. Devemos planejar, valorizar o altruísmo, pensar o futuro, deixar para trás a ditadura do gene egoísta”.

"Os genes são potencialmente imortais, podendo se replicar centenas e milhares de vezes. Os indivíduos são mortais, os genes não". (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“Os genes são potencialmente imortais, podendo se replicar centenas e milhares de vezes. Os indivíduos são mortais, os genes não”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

“Os indivíduos são mortais, os genes não”

Em sua apresentação, Dawkins enfatizou o caráter implacável e cego do mecanismo da seleção natural. Ela não tem nenhum plano, nenhum olhar para o futuro, não está aí para construir um mundo melhor ou algo do gênero. Em vários momentos, recorreu a analogias com a economia para falar sobre esse processo. “O mundo natural da biologia é dominado pela economia. Assim como os economistas trabalham com a noção de funções de utilidade, expressas por indicadores como o Produto Interno Bruto (PIB), no mundo da biologia há um conjunto parecido de funções a serem maximizadas, como a sobrevivência. Os genes são potencialmente imortais, podendo se replicar centenas e milhares de vezes. Os indivíduos são mortais, os genes não. Para o gene, sucesso significa sobreviver por muitas e muitas gerações. Esta é a forma moderna correta de ver a teoria evolutiva darwiniana”, defendeu.

Dawkins também destacou a ideia de que a seleção natural não promove o bem (a sobrevivência de um grupo ou de uma espécie, mas sim a sobrevivência no nível gênico. E essa sobrevivência envolve a busca de um equilíbrio muito delicado na utilização de recursos escassos. “A importância fundamental da economia na biologia é que ambas as disciplinas se baseiam na gestão desses recursos escassos, como é o caso da energia, por exemplo. A energia solar utilizada pelas plantas é a base de uma cadeia alimentar muito complexa”. Ele usou uma parábola para contestar a ideia de que poderia haver algo como um planejamento regendo o mecanismo da seleção natural:

“Suponhamos que todas as árvores de uma floresta chegassem a um acordo para não crescer mais do que dois metros, e todas ganhariam com isso. A dificuldade desses acordos de limitação é bem conhecida e pode ser exemplificada com a dificuldade de todos ficarem sentados na arquibancada de um estádio em um jogo de futebol. O problema surge quando uma pessoa mais baixa se levanta para melhor, levando outras pessoas que estão atrás dela a fazer o mesmo e acabando com o acordo de limitação”.

Dawkins realizou, segunda-feira à noite, a maior conferência da história do Fronteiras do Pensamento. 3 mil pessoas lotaram o Araújo Vianna. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Dawkins realizou, segunda-feira à noite, a maior conferência da história do Fronteiras do Pensamento. 3 mil pessoas lotaram o Araújo Vianna. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Corrida armamentista evolutiva

No processo da seleção natural, acrescentou, não há espaço para uma ideia de economia projetada ou planejada. “Em uma suposta floresta da amizade, haveria um acordo para que todas as árvores crescessem apenas dois metros. Do ponto de vista de uma economia planejada, essa floresta seria mais eficiente. Mas, se aparecer uma árvore rebelde, mutante, que crescer um pouco mais, ela terá uma vantagem competitiva sobre as outras, pois conseguirá maior acesso à luz, até que outras árvores comecem a crescer também. Essa floresta da amizade, então, é um sistema instável que não duraria muito tempo”.

A analogia usada por Dawkins para falar desse mecanismo é o da mão invisível de Adam Smith. Ele recusará esse modelo, porém, quando se trata de debater que tipo de sociedade queremos. Aí, o planejamento, a projeção de futuro e o altruísmo são bem vindos. Mas o teor de sua conferência no Auditório Araújo Vianna concentrou-se mesmo no mecanismo da seleção natural, descrita por ele como uma “corrida armamentista evolutiva” em busca de recursos capazes de garantir a sobrevivência dos genes. “Predadores e presas estão em lados opostos de uma mesma corrida armamentista evolutiva e acabam desenvolvendo características semelhantes para sobreviver, como é o caso da velocidade do leopardo e do antílope, por exemplo. Cada lado vai pressionando o outro a melhorar seu ótimo. E a penalidade pelo fracasso é a morte. Darwin estava ciente da existência dessa corrida armamentista embora não tenha utilizado essa expressão”.

"A seleção natural não olha para o futuro e não escolhe entre grupos. Ela sempre favorece os genes mais competitivos" (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“A seleção natural não olha para o futuro e não escolhe entre grupos. Ela sempre favorece os genes mais competitivos”
(Foto: Guilherme Santos/Sul21)

“A seleção natural não olha para o futuro”

Essa corrida armamentista, assinalou ainda Dawkins, ocorre também no interior das espécies. Para ilustrar o tema, ele mostrou uma charge onde aparecem dois homens fugindo de um urso. Um deles coloca um tênis e é advertido pelo outro que se parar para colocar o tênis pode ser alcançado pelo urso. “Eu não preciso correr mais rápido que o urso, só preciso correr mais rápido que você”, responde o primeiro. “As árvores também está em uma corrida em direção ao céu, contra suas vizinhas. Há uma alta dose de futilidade nestas corridas armamentistas para quem gosta da ideia de um designer inteligente regulando esse processo. Afinal, de que lado esse projetista está, do leopardo ou da gazela? Será que a mão esquerda do projetista não sabe o que a mão direita faz?” – ironizou.

Esses problemas não surgem na teoria evolutiva, concluiu Dawkins, “Não há ideias como futilidade ou desperdício. A seleção natural só se preocupa com a reprodução de genes, com a otimização de recursos. Esse processo envolve um equilíbrio complexo de microconcessões. Desenvolver pernas mais longas pode ser bom para correr mais, mas pode fazer também com que essas pernas se quebrem mais facilmente, como ocorre com alguns cavalos de corrida. A natureza nunca faz excesso de nada. Ela sempre consegue um equilíbrio correto. É isso o que fazem os genes que conseguem se reproduzir. A seleção natural não olha para o futuro e não escolhe entre grupos. Ela escolhe entre indivíduos rivais de uma mesma população. Ela sempre vai favorecer os genes mais competitivos, mesmo que isso leve à extinção de um grupo ou espécie”.


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