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25 de outubro de 2015
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18:15

Cheia do Guaíba levanta discussão sobre condições das comportas

Por
Sul 21
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Cheia do Guaíba levanta discussão sobre condições das comportas
Cheia do Guaíba levanta discussão sobre condições das comportas
Devido à cheia do Rio Guaíba, prefeitura fechou as comportas por duas vezes em outubro, a última foi dia 16| Foto: Guilherme Santos /Sul21
Devido à cheia do Rio Guaíba, prefeitura fechou as comportas por duas vezes em outubro, a última foi dia 16| Foto: Guilherme Santos /Sul21

Jaqueline Silveira

Há muitos anos, os olhos dos porto-alegrenses não se voltavam com tanta atenção para as comportas do Cais Mauá como nos dias atuais. Com o rio Guaíba transbordando e a água chegando perto dos armazéns, a prefeitura, por precaução, fechou as 14 comportas. As estruturas fazem parte de um conjunto de medidas de proteção de contenção das cheias, que incluem 19 casas de bombas e as avenidas com diques: da Legalidade e da Democracia e Freeway, ao norte, e Beira-Rio e Diário de Notícias, ao sul.

Em uma semana, as comportas foram fechadas por duas vezes. A primeira ocorreu em 12 de outubro, quando o nível do rio atingiu a marca histórica de 2,89 metros, e a segunda no dia 16, data em que o Guaíba registrou, ao final da tarde, 2,85 metros. Dos 14 portões, 11 tinham permanecido fechados. No dia 16, a prefeitura voltou a fechar as três últimas que restavam abertas: na Avenida Cairú, na Avenida São Pedro e na Avenida Mauá — entrada principal do Cais Mauá.

Depois de todas as comportas fechadas, no dia 17, o rio subiu ainda mais: atingiu o nível de 2,94  metros e a água passou por baixo de uma das estruturas e chegou à Avenida Mauá. Também invadiu a orla de Ipanema, zona sul da Capital. Como mais uma medida de contenção, a prefeitura colocou sacos de areia de 25 quilos para barrar o avanço da água.

Rio transbordou e água chegou aos armazéns |Foto: Guilherme Santos/Sul21
As ondas do Rio Guaíaba jogaram a água para próxima aos armazéns, na Avenida Mauá |Foto: Guilherme Santos/Sul21

As marcas atingidas pelo rio Guaíba no mês de outubro só não superam as da enchente de 1941, há 74 anos, quando ocorreu a inundação do centro de Porto Alegre. Em virtude da cheia de 1941 e suas consequências foram construídos o muro e as comportas. O conjunto de medidas de contenção de cheias da Capital foi elaborado pelo antigo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) do governo federal ao custo de R$ 385 milhões (levando em conta só a correção monetária nos dias atuais) e entregue, em 1972, à prefeitura. O Executivo, então, ficou responsável pela operação e manutenção de todo o sistema, que inclui também as avenidas com diques e as 19 casas de bombas, localizadas em diferentes regiões da Capital.

Sistema de proteção de conteção de cheias foi construído depois da enchente de 41 que inundou o Centro l Foto: Acervo Museu Joaquim José Felizardo
Sistema de proteção de conteção de cheias foi construído depois da enchente de 41 que inundou o Centro | Foto: Acervo Museu Joaquim José Felizardo

Feitas de placas metálicas, as comportas, segundo o diretor-geral do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) da Capital, Tarso Boelter, recebem manutenção periódica, contudo sofrem o desgaste do tempo e da própria água, como ferrugem. “Estruturalmente, elas estão bem, são placas grossas que suportam bem”, garantiu ele, sobre a eficácia das comportas na contenção das águas. As estruturas são de correr sobre trilhos e para o seu fechamento é preciso o auxílio de uma retroescavadeira. As comportas têm esse formato, que permite a passagem da água por baixo, porque fazem parte também do sistema de evacuação do Cais Mauá. “É um sistema que não emperra, o controle remoto pode não funcionar”, comparou Boelter, referindo-se a outras alternativas de sistemas de contenção de cheias cogitadas.

Reforma em 2011

Em 2011, informou o diretor-geral do DEP, foi feita a reforma das 14 comportas, inclusive dos trilhos, com um custo de R$ 1,78 milhão. Já em 2013, segundo ele, foi feito um teste com todos os portões. Com a revitalização do Cais Mauá, prevista para começar em 2016, o muro e os portões devem ser reformados novamente. Responsável pela revitalização, o consórcio Cais Mauá Brasil informou que as estruturas “receberão sistema moderno de abertura e fechamento, restabelecendo o seu pleno funcionamento.”

Como precaução e diante da previsão de que mais chuvas intensas devam cair sobre o Estado, a prefeitura, segundo Boelter, resolveu fazer a contenção com sacos de areia em outras cinco comportas instaladas ao longo do muro, que tem 2,6 metros. Em toda extensão da estrutura de concreto, são sete portões, mas um já foi fechado e recebeu a contenção na parte externa. Para isso, a prefeitura está providenciando 1,2 mil sacos de areia, que serão colocados, desta vez, na parte interna das estruturas. No dia do último fechamento dos portões não foi usado esse tipo de contenção em todos, esclareceu o diretor do DEP, porque a prefeitura não tinha o material disponível. Só a comporta de acesso principal ao Cais ficará, por enquanto, sem essa barreira. “Vamos fazer as barricadas por uma medida de segurança, os sacos de areia fazem parte do sistema de contenção”, explicou Boelter.

Sistema é mesmo necessário?

Em relação às estruturas, o professor colaborador do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Carlos Tucci defende que se pode pensar “em modernizar a segurança”, uma vez que há materiais e tecnologias novas. Já sobre a eliminação do muro e suas comportas, ele considerou “uma discussão irracional”. O atual diretor-geral do Departamento de Esgotos Pluviais de Porto Alegre afirmou que esse tipo de debate não cabe para “o momento” e que no futuro podem ser discutidos “ajustes e aperfeiçoamento”, porém na estrutura de concreto na Avenida Mauá. “Tem de trabalhar o agora e a cidade é maior do que a prefeitura”, concluiu Boelter, sobre medidas tomadas para conter as cheias atuais.

Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) no Rio Grande do Sul, Tiago Holzmann da Silva tem outro ponto de vista. Para ele, “o tipo de contenção é equivocado, apesar de aparentemente ser eficiente”. Silva diz que é preciso estudar outras alternativas, questionando o custo-benefício da manutenção de uma estrutura para ser acionada a cada 70 anos. “Qual o custo de manutenção para chegar a hora e não funcionar? É uma engenharia pesada para em uma área delicada”, destacou ele.

Comportas instaladas ao longo da extensão do muro receberão sacos de areia para contenção das águas|Foto: Guilherme Santos /Sul21
Comportas instaladas ao longo da extensão do muro receberão sacos de areia para contenção das águas|Foto: Guilherme Santos /Sul21

Fechamento não é inédito

O fechamento de todas as comportas no dia 12 de outubro não foi inédito. Em 1984, as 14 ficaram fechadas por uma semana, relembrou o diretor-geral do DEP na época, David Iasnogrodski, que é engenheiro civil. “Tivemos de fazer uma ação rápida, na madrugada, ficou faltando 10 centímetros para entrar na Mauá”, recordou ele. Contudo, segundo o engenheiro, a cheia era menor e ficou bem abaixo das marcas registradas pelo rio Guaíba em 2015. Na época, o nível alcançou 2,50 metros.

“Naquela noite, só não conseguimos fechar uma das comportas. Não foi fácil, a gente se preparou na madrugada”, afirmou o ex-diretor do DEP, sobre as medidas urgentes tomadas.  Diante da situação, segundo Iasnogrodski, a alternativa foi usar a contenção dos sacos de areia. Na ocasião, ressaltou o engenheiro, os sacos eram de linhaça e tinham mais capacidade para conter a água comparado ao material de hoje, que é plástico. No começo do dia seguinte, a prefeitura conseguiu fechar a estrutura.

O conjunto de medidas de contenção de cheias, enfatizou o engenheiro, não são só o muro e as comportas, mas as casas de bombas e as avenidas com dique e têm de funcionar em harmonia. “Todo esse sistema tem de funcionar bem. Foi o maior presente que Porto Alegre recebeu”, destacou o ex-diretor do DEP, sobre a obra executada pelo extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento e a proteção que oferece à cidade.

Para o professor Carlos Tucci, as comportas “foram feitas seguramente para funcionar” e que as estruturas não têm “uma vedação 100%”. “Um pequeno volume de água vai sair”, acrescentou ele. As placas metálicas de quatro a cinco metros, de acordo com o professor, impedem as inundações. “Mas é bom ser precavido como eles (prefeitura) foram”, observou Tucci, sobre a contenção feita com sacos de areia.

Rio Guaíba ficou mais cheio e as ondas jogaram à agua para mais perto da cidade|Foto: Guilherme Santos/Sul21
Rio Guaíba transbordou e água chegou perto da cidade|Foto: Guilherme Santos/Sul21

Também professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, Joel Goldenfum compartilha de opinião do colega Tucci. Para ele, as comportas, somadas às outras medidas de contenção, são eficazes, embora reconheça que “o sistema (de comportas) está um pouco prejudicado”. Nas estruturas de quatro a cinco metros, conforme ele, a contenção com sacos de areia funciona bem para impedir o avanço da água. “É algo simples e resolve”, completou Goldenfum. Além da enchente de 1941, a maior delas, segundo o professor, ocorreram cheias em 1965, 1966 e 1967 em que água passou os armazéns e alcançou, por exemplo, a Avenida Júlio de Castilhos, entretanto não havia o muro para ser testado. Agora, observou ele, a água não ultrapassou os prédios, mas, sim, as ondas a jogaram para mais perto dos armazéns. “Tem todo um sistema montado na mesma cota de três metros”, reforçou o professor, sobre o conjunto de proteção de contenção de cheias na Capital.

 

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Água avançou em direção aos armazéns depois das chuvas intensas | Foto: Guilherme Santos/Sul21

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