Donos da Cidade
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6 de novembro de 2023
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15:33

Em construção, bairro privado de luxo Golden Lake promete vista eterna para o Guaíba

Por
Lidiane Blanco
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Obras do Golden Lake avançam nas imediações do Barra Shopping. Foto: Luiza Castro/Sul21
Obras do Golden Lake avançam nas imediações do Barra Shopping. Foto: Luiza Castro/Sul21

As obras do bairro privado de luxo Golden Lake, na beira do Guaíba, zona sul da Capital, estão a pleno vapor. Ao todo, sete condomínios serão erguidos na próxima década. O primeiro, Lake Victoria – já em construção –, terá quatro torres e 94 apartamentos. Ciclovias, pistas para caminhada, praia, lago, quadras esportivas, night club e restaurante, garantem que os moradores não precisem conviver com a cidade lá fora. A empresa diz que o empreendimento coroa uma nova fase de Porto Alegre: “Nasceu para proporcionar um novo lifestyle aos gaúchos”.

O projeto imobiliário, no entanto, não teria prosperado sem o apoio político que entregaria à Multiplan Empreendimentos Imobiliarios o terreno para instalar os empreendimentos de alto padrão. A área pública pertencia ao governo do Estado, estava cedida ao Jockey Club do Rio Grande do Sul e não podia ser vendida. A ex-governadora Yeda Crusius (PSDB) resolveu o impasse doando as terras ao clube, em 2010, com apoio unânime da Assembleia Legislativa gaúcha.

Para viabilizar o negócio, ainda faltava ao Jockey uma fração de terra que pertencia ao município. O Executivo Municipal tinha 12 mil metros quadrados “remanescente da implantação da Avenida Diário de Notícias” que interessavam ao Clube. Uma permuta proposta pelo ex-prefeito José Fortunati (PDT) entregou o terreno em troca de um imóvel de cerca de 22 mil m², junto às avenidas Icaraí e Chuí. A Prefeitura ainda precisou pagar R$ 24,5 mil referente à diferença de valor entre os terrenos.

 

Permuta com o Jockey permitiu obra bilionária. Foto: Luiza Castro/Sul21

O próximo passo foi conseguir apoio parlamentar para não permitir a construção de habitações de interesse social na área. À época, a cidade se preparava para receber a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e uma das obras previstas para garantir maior fluidez no trânsito entre a zona sul e restante da cidade era a duplicação da avenida Tronco. Para executar as obras, a Prefeitura removeu mais de 1.500 famílias.

Em 2011, ainda sem um lugar definitivo para morar, a comunidade fez apelo aos representantes da Câmara Municipal para que se comprometessem em transformar a área do Jockey Club em Área Especial de Interesse Social (AEIS) e desta forma assentar as famílias. Não foram atendidas. “Eu ouvi do Fogaça, ouvi do Fortunati e de toda a sua equipe que a obra da Tronco não sairá, se, primeiro, não estiver resolvida a vida das pessoas. Isso é garantia; isso é compromisso!”, justificou o então vereador Sebastião Melo na sessão de votação que aprovou a permuta do terreno.

O Jockey finalmente pode negociar uma permuta com a empresa: ao entregar o terreno de 166 mil m², receberia uma torre comercial, além de uma reforma para parte do clube, mas a empresa mudou o acordo e decidiu pagar em dinheiro o valor correspondente.

Doze anos depois, a situação das famílias permanece incerta, mas o empresário José Isaac Peres conseguiu aprovar com a Prefeitura, em 2016, 18 prédios de uma só vez para povoar o bairro privado. As obras só começaram em 2020, mas o tempo de espera parece ter valido a pena. Hoje, um único apartamento no condomínio pode custar mais de R$ 11 milhões. A generosidade do Estado renderá cerca de R$ 164 milhões aos cofres do Jockey e outros mais de R$ 4 bilhões ao dono da Multiplan.

Na assinatura do Termo de Compromisso com o Município, a empresa ficou responsável por uma lista extensa de obras para mitigar e compensar o impacto decorrente da chegada do novo bairro na zona sul, além de algumas contrapartidas que serão entregues à medida que os condomínios forem sendo construídos. Caso as projeções de lucro do empreendimento se concretizem, os valores gastos em contrapartidas anunciadas – R$ 170 milhões –, corresponderiam a cerca de 4% do valor que o grupo vai lucrar.

Fundador do grupo bilionário, Peres inaugurou seus negócios em Porto Alegre em 2008, com a construção do Barra Shopping Sul, também no bairro Cristal. Em 2013, quando planejava a expansão do shopping, o empresário foi alvo da Operação Concutare da Polícia Federal. Em dez meses de investigação, a PF identificou diversas quadrilhas que atuavam no Rio Grande do Sul. A rede de corrupção envolvia empresários e consultores ambientais que aliciavam funcionários públicos para acelerar as licenças ambientais ou desconsiderar os estudos de impacto ambiental dos projetos.

Segundo o inquérito, o dono da Multiplan poderia ter sido beneficiado com a aceleração da licença para a obra com apoio do ex-secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre, Luiz Fernando Záchia (PMDB). Záchia foi um dos políticos presos à época, sob suspeita de receber R$ 20 mil, mas a demora do Ministério Público Federal em apresentar a denúncia de parte dos investigados, seis anos depois de concluída a investigação, fez a Justiça Federal arquivar o inquérito.


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