Opinião
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5 de abril de 2012
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11:32

Nota do Grupo de Assessoria Justiça Popular – GAJUP a respeito das declarações do Prefeito de Porto Alegre

Por
Sul 21
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Primeiramente, cumpre informar que somos um dos grupos que compõe o Serviço de Assessoria Jurídica Universitária – SAJU/UFRGS – instituição com mais de 60 anos, reconhecida pela sua atuação em defesa dos Direitos Humanos, motivo pelo qual  foi arbitrariamente fechada em 1971, durante o Regime Militar.

Nesse contexto, entendemos que não podemos deixar de responder às críticas de um prefeito que, embora se intitule sensível às camadas sociais atingidas pela Copa, fez, nessa quarta-feira (28), na Fepagro, declarações inverídicas e levianas, além, é claro, de reducionistas e tendenciosas, no intuito de convencer uma grande parcela da sociedade, que não está a par das discussões travadas, de que a bandeira encampada pelas Comunidades afetadas e por aqueles que defendem os Direitos Humanos é de impedir a realização da Copa do Mundo de 2014.

O Seminário Direito à Moradia e a Copa do Mundo contou com o apoio de mais de 20 instituições sérias e comprometidas com a causa, as quais encaminha-se essa resposta para que se solidarizem conosco em face de tamanho despautério do nosso representante.

Ora, não é de agora que tal prefeito se utiliza de artifícios baixos para desqualificar aqueles não concordam com as suas posições. Ressalte-se, por oportuno, que essa postura é adotada também em relação a grupos que não possuem qualquer ligação com a sua tão sonhada e almejada eleição municipal, nunca antes conquistada pela autoridade em questão.

Apenas para exemplificar, podemos citar fato recente, no qual cidadãos e cidadãs foram chamados/as de “caranguejos” uma vez que, segundo o prefeito, pensam e andam “para trás”. Contudo, ele ignorou que esse animal, na verdade, anda para o lado e não para trás, bem como que andar para o lado é, de longe, uma postura mais adequada do que aquela adotada pelas nossas autoridades, que denominam de “avanço” e “desenvolvimento” um gigantesco retrocesso do ponto de vista histórico, cultural e social no campo do direito à cidade sustentável, violando  a liberdade e o direito de escolha de milhares de famílias moradoras de áreas que despertam o interesse público e privado desta capital.

Nós, porém, não saberíamos dizer com qual animal o prefeito se parece, até porque somente os seres humanos conseguem aprovar e conciliar com a mídia a naturalização da contratação de pessoas para a “revitalização” de uma área pública, através de meios questionáveis e obscuros, e posteriormente alegar que esses meios eram legais e de “notório saber“. Ora, estão corretos os integrantes da Região de Planejamento Urbano (RP1) e o Instituto de Arquitetos do Brasil/IAB-RS quando querem discutir os destinos e a preservação da nossa Orla do Guaíba, pois estes sim, temos certeza que possuem notório saber quando falam de Porto Alegre. Tal afronta induz nosso pensamento à esfera da improbidade administrativa.

O prefeito, através de sua manifestação, ofende também as mais de 400 pessoas presentes no evento do dia 26, Direito à Moradia e Copa do Mundo, que, com uma postura diametralmente oposta a sua, ouviram atentamente as lideranças comunitárias do Morro Santa Teresa, Vila do Chocolatão, Divisa Cruzeiro/Cristal, Vila São Pedro, o Procurador da República Alexandre Gavronki e Professora Betânia de Moraes Alfonsin, todas/os cidadãos respeitáveis da cidade de Porto Alegre.

Entendemos, por exemplo, que se ainda há receio por parte de alguma instituição em afirmar, o Grupo de Assessoria Justiça Popular o faz: a remoção da Vila Chocolatão cria e continuará sendo responsável por um retrocesso social. Muitos moradores já voltaram às ruas, ao passo que outros estão desempregados, pois a alternativa de geração de renda apresentada por aqueles que se emprenharam na retirada da comunidade do centro da cidade, um galpão de reciclagem, é insuficiente para uma demanda de mais de 700 pessoas. Os postos de saúde da região estão saturados levando pessoas inclusive à morte em virtude da falta de assistência diferenciada. As escolas não comportam e aceitam os alunos da comunidade gerando grande evasão escolar. As casas já estão rachando a menos de um ano pós-remoção. Portanto, nos parece claro que a remoção que foi vendida como “modelo” no mundo inteiro continuará sendo aplicada em outras comunidades, mesmo tendo sido claramente mal planejada.

Quanto às remoções na divisa, na Cruzeiro e na Cristal, por mais que afirmadas como “necessárias” e “imprescindíveis”, uma vez que alargariam uma via de ligação da cidade (leia-se uma avenida), estão violando o direito de escolha daquela população, que, na omissão do Estado, tem direito àquela terra que habita há décadas, conforme lhes é garantido pelo Estatuto da Cidade, pela Constituição Federal e pela MP2220. O Direito à Moradia, bandeira encampada pelo GAJUP e pelos presentes na IV Semana de Direitos Humanos do SAJU na segunda-feira última, é aquela que garante que 50 anos de ocupação não se reduzam a indenizações irrisórias, nem a realocações para módicos e apertados apartamentos, sem garantia alguma de cumprimento dessas promessas, seja na região ou na “periferia” da cidade.

Diferente daquilo que o Prefeito tentou fazer pensar, o que está em jogo aqui não é a realização da Copa do Mundo ou não, o debate que tentamos trazer é o de que  a realização de  megaeventos acaba sendo pauta prioritária dos governos, em detrimento da garantia de moradia, saneamento, saúde e outros inúmeros direitos primários do seu povo, além, é claro, de servirem, subsidiariamente, como desculpa para que o Estado proceda a uma verdadeira higienização social. Por fim, lamenta-se também a falta de vontade e postura do Prefeito em dialogar e aceitar o contraditório, o contraponto, em suma, visões diferentes da dele.

Com votos de elevada estima e consideração, cumprimentamos as comunidades presentes no evento, os parceiros, e a todos os cidadãos de Porto Alegre.

Grupo de Assessoria Justiça Popular.

GAJUP- SAJU / UFRGS


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