Opinião
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21 de novembro de 2011
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18:03

A UERGS, a Geni e o Zepelim

Por
Sul 21
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Ana Carolina Martins da Silva *

Joga pedra na Geni!
Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!

Chico Buarque

Pois é. Chico Buarque na Capital, show imortal, imperdível. Mas professores da UERGS não têm dinheiro para investir em cultura em mais um final de ano de insegurança. Não têm tempo para ir a shows. Ministram aulas em três ou quatro cidades, mantém dois empregos, muitas disciplinas, tudo “a toque de caixa” para não prejudicar os alunos, para não se perder de sua meta. Os professores, os funcionários da UERGS não querem se perder de sua meta, porque a UERGS é para todos e todas. “De tudo que é nego torto/Do mangue e do cais do porto/ Ela já foi namorada./O seu corpo é dos errantes,/Dos cegos, dos retirantes;/É de quem não tem mais nada. (…)”.

Três governos, quatro e a UERGS com um pratinho na mão pedindo dinheiro para montar laboratórios, para tirar os alunos de dentro do mar, para ter um prédio próprio, para poder pendurar um letreiro escrito UERGS num puxadinho de um hospital psiquiátrico. Ninguém pode imaginar o que é isso. Uma Instituição não poder pendurar um placa com seu nome, como na Unidade de Porto Alegre, onde estamos encostados no Hospital São Pedro. Os internos do Hospital têm identidade, está na placa. Os acadêmicos da UERGS entram por um portãozinho do lado, num lugar com paredes sujas, que não podem ser tocadas. Esse é um caso da UERGS. Essa, que é a Universidade de todos e de todas. “É a rainha dos detentos,/Das loucas, dos lazarentos, /Dos moleques do internato./E também vai amiúde/ Co’os os velhinhos sem saúde/E as viúvas sem porvir./”.

Seus funcionários aprendem suas técnicas, seus professores fazem cursos, se preparam, acrescentam pontos em seus currículos e quando estão prontos, passam em concursos e saem da UERGS. Saem da UERGS porque 10 anos depois de sua fundação, já na sua quarta Reitoria, ela já passou por dezenas de kits de professores, funcionários que não conseguiram esperar indefinidamente por uma segurança na sua vida profissional. Não há PLANO DE CARREIRA PARA OS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DA UERGS. Fizeram outros concursos e foram embora. Ela se despede, fica com lágrimas e saudades e alunos e mais alunos sem aulas, sem infraestrutura, sem funcionamento adequado. Quem se importa com isso, além daqueles que viram na UERGS uma perspectiva de pensamento de Estado, de construção de uma nova coletividade? Quem se importa com isso? “Ela é um poço de bondade/E é por isso que a cidade/ Vive sempre a repetir: “Joga pedra na Geni!/Joga pedra na Geni!/ Ela é feita pra apanhar!/Ela é boa de cuspir! Ela dá pra qualquer um!/Maldita Geni!”

Chico Buarque é um dos homens da minha vida. Tenho muitos desses que nem sabem que eu existo. É por eles, por causa deles, que os outros, os acessíveis, tornam-se tão frágeis e sem graça. Depois de sabermos de homens como o Chico, como Florestan Fernandes, como o Che, os outros sempre ficam nos devendo alguma coisa. Eu não vou no Show do Chico. Eu sou professora da UERGS. Professor da UERGS precisa economizar porque não sabe seu futuro. Não sabe em quantas cidades vai trabalhar, não sabe se vai ter direito a diárias, depende de parecer da PGE para planejar semestres. Não sabe onde vai dormir no semestre que vem, de segunda à sexta, não sabe se vai trabalhar no sábado. Depende. Pode ser que algum colega se demita e tenhamos de assumir correndo alguma turma para os alunos não serem prejudicados. Quem se preocupa com isso? Somos como a Geni, estamos passando de mão em mão. Passamos de Reitor em Reitor, de Secretário a Secretário de Estado. Uma secretaria de Estado que promove reuniões das “Universidades do Rio Grande do Sul” na qual A UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL não pode participar. Como podemos suportar isso, depois de tanta espera?

A UERGS não pode mais apenas servir de bandeira para campanhas políticas. Isso não é mais possível. Precisamos de atitude. Nosso Plano de Carreira evoluiu no Governo atual, passou das gavetas para sobre as mesas, das mesas para as pastas, para as reuniões. Nós o vimos caminhando, fizemos assembleias, era o nosso presente de Natal. Porém, parece que não há natal para a UERGS. Novamente, mais um natal que se comemora com um pé na alegria e outro na insegurança. O Plano repousa em mãos e em condições específicas, estamos em situação de chantagem. Não de negociação. Negociação é quando as partes estão nas mesmas bases, mas nós não estamos na mesmas bases do Governo do Estado. Não estamos em escritórios, nós temos pessoas que dependem de nós – que são nossos educandos, que tem relação com trabalhos de verão, com safra, com trabalhos temporários, responsabilidade com famílias. Nós trabalhamos com trabalhadores e filhos de trabalhadores em estado de adultice. Qualquer decisão que venhamos tomar, temos mais do que um desejo individual de avanço, temos uma responsabilidade histórica com a educação, em especial, com a educação no Ensino Superior no RS, tão vilmente administrada historicamente pelas Universidades ditas comunitárias. Essas que contratam os professores que querem, os mantém em um sistema violento de opressão e trabalho forçado. (Não sou eu quem está dizendo isso, são os dados levantados pelo SINPRO) Essas que tanto oprimiram o Estado com os seus métodos de ensino para o capital e para a exclusão, são as Universidades recebidas com louros pela “nossa” Secretaria de Ciência e Inovação Tecnológica. Ela deveria ser a primeira da fila na discussão do Plano de Carreira dos Trabalhadores da UERGS, entretanto, ficamos na resistência, sozinhos, com um pé na luta e outro na sala de aula, para não prejudicar os alunos. Sei que já repeti essa frase uma porção de vezes, mas é de propósito. Como o Chico faz com seus refrões: “Joga pedra na Geni! /Joga bosta na Geni! /Ela é feita pra apanhar!/Ela é boa de cuspir! /Ela dá pra qualquer um!/ Maldita Geni!”

A UERGS e a Geni têm muito em comum. Ambas são necessárias em determinados momentos, são lembradas e idolatradas na hora da fotografia para o jornal, para a TV, depois, não interessam mais. A discussão do nosso Plano ficou para o final de novembro, talvez não saia esse ano. A quem interessa isso? Aqueles que chegam em enormes Zepelins?

http://youtu.be/Bkoakm33I-w

* Ana Carolina Martins da Silva é ambientalista, Mestre em Comunicação Social e professora da UERGS


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