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31 de dezembro de 2010
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16:00

Para manter a “herança bendita”, deixada por Lula, Dilma precisará ter jogo de cintura

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Sul 21
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Para manter a “herança bendita”, deixada por Lula, Dilma precisará ter jogo de cintura
Para manter a “herança bendita”, deixada por Lula, Dilma precisará ter jogo de cintura
Ilustração/ Eugênio

Adélia Porto / Especial Sul21

A “herança bendita”, como tem sido chamada a situação em que Dilma receberá o pais — economia estabilizada, retomada do crescimento econômico, geração de renda, inflação compatível com as metas — poderá sofrer abalos e exigir da presidente jogo de cintura para preservar as virtudes alcançadas nos períodos anteriores. Antes ainda da virada do ano, os preços já se elevam acima do esperado (em dezembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo, IPCA, ultrapassou a meta dos 4,5% e chegou a 5,25%), antecipando um fenômeno aguardado para o decorrer de 2011. A alta dos alimentos, repercute no IGP-M (que mede os preços no atacado). Esta alta é provocada pelo mercado externo e pelo movimento dos investidores internacionais, que buscam nas commodities a rentabilidade perdida por causa dos juros reduzidos na Europa e nos Estados Unidos. A ameaça da inflação pairando no horizonte, agravada pela crise financeira internacional, arrisca afetar o projeto de Dilma, que envolve crescimento com distribuição de renda e capacidade de investimento do Estado.

Para o economista Antonio Carlos Fraquelli, da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul, o governo de Dilma vai conviver com um cenário externo de crise sistemática, que afeta exportações brasileiras e tem efeitos na economia do país. Essa crise começou com o estouro das hipotecas nos Estados Unidos, em 2007, e até agora não foi debelada. Sua última manifestação são as crises da dívida na Europa, que atingiram especialmente a Grécia e depois a Irlanda.

A classe média não pode ficar presa ao sistema financeiro

Roberto Stuckert Filho
Dilma e Lula /Roberto Stuckert Filho

Internamente, entre os problemas a enfrentar, Dilma terá que mexer na taxa de juros ainda alta (“Não podemos manter a classe média presa ao sistema financeiro”, diz Fraquelli), reduzir a carga tributária, ajustar contas públicas sem aumentar impostos, manter o superávit primário, ficar de olho no endividamento e no déficit público. Embora não seja possível controlar a crise externa, Fraquelli acredita que a presidente terá instrumentos para intervir internamente e preservar o crescimento.

Um desses instrumentos já está sendo usado. “Dá para dizer que o governo Dilma já começou”, disse o economista, técnico da FEE e professor universitário André Scherer. Medidas anunciadas pelo Banco Central. em dezembro, limitaram o crédito para financiamento de carros novos, elevaram o compulsório (dinheiro dos bancos retido no Banco Central) e limitaram o refinanciamento dos saldos dos cartões de crédito, entre outras medidas. No caso dos automóveis, funcionou como um balde de água fria no crédito aquecido. A expectativa do mercado, depois disso, era de uma queda de até 20% nas vendas de carros zero. “Foi uma puxada boa no consumo”, diz André Scherer.

O remédio para controle da demanda e dos preços tem sido a elevação dos juros, mas isso tem efeitos colaterais que afetam o restante da economia: taxa de câmbio valorizada, redução da capacidade de investimento do Estado, o que trava o crescimento, e redistribução de renda em favor de quem tem capital e poder de investimento, ou seja, os mais ricos. “O governo paga juros anuais, hoje, no valor equivalente a 5% do PIB, o que corresponde quase à massa de salários de todos os servidores públicos”, lembra Scherer. Segundo ele, a saída alternativa encontrada, no caso do pacote dos carros, anuncia que o governo Dilma não pretende seguir a receita dos juros altos, preferindo outras intervenções pontuais.

Kapron: “Dilma é herdeira do desenvolvimentismo”

Roberto Stuckert Filho
Foto: Roberto Stuckert Filho

Considerada por colegas economistas como uma “neo-desenvolvimentista democrática”, Dilma Roussef será, segundo Scherer, menos “envergonhada” do que Lula nessa aposta. Isso se expressará na tentativa de viabilizar uma política industrial ativa e em maior controle sobre a atuação do Banco Central. Para o economista Sérgio Kapron, assessor do líder do Partido dos Trabalhadores na Assembléia Legislativa, Elvino Bohn Gass, enquanto Lula governou com base em convicções construídas a partir de seu compromisso social, Dilma é herdeira da vertente teórica construída no pós-guerra — o desenvolvimentismo –, segundo a qual a economia requer o intervencionismo do governo para garantir emprego, estabilidade, crescimento e bem-estar econômico aos cidadãos. Isso aconteceu em diferentes sistemas, inclusive no período militar brasileiro.

Depois do neoliberalismo, que não favoreceu o crescimento, o Brasil e uma parcela da América Latina voltaram a crescer. Porém, lembra Kapron, “o Brasil nunca havia crescido com distribuição de renda. Hoje, existe ação do Estado fazendo política de desenvolvimento, gerando empregos formais”.

Além da conjuntura internacional, Dilma terá vários desafios a enfrentar. “Internamente, o grande desafio será manter e elevar a taxa de investimento”, diz Kapron. O governo começou a ser protagonista na infraestrutura. Os grandes gargalos são estradas, portos, aeroportos, energia. Se o país continuar crescendo na faixa de 5% ao ano, haverá grande estrangulamento e o estado não terá dinheiro para dar conta de tudo. “Agora, teria de desafiar os capitalistas a investir, com lucro”. Outros investimentos são os que melhoram os direitos da população, como habitação, saneamento, educação e saúde, que é preciso universalizar.

Fleischer: “Dilma vai enfrentar sérios problemas de infraestrutura e logística”

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

David Fleischer, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, chama também a atenção para os gargalos. “Dilma vai enfrentar sérios problemas, principalmente os de infraestrutura e logística – portos, aeroportos, estradas. O sistema de transporte aéreo está no limite, não pode admitir mais voos”. Ele acha que, se o Brasil não atacar o problema rapidamente, não haverá Copa do Mundo. “Os estádios estão sendo mais ou menos cuidados, as cidades se encarregam dos hotéis, mas aeroportos e transportes estão ligados à União. É o problema mais urgente”. No que se refere às relações internacionais, ele teme a ameaça de déficit pela questão do câmbio, que tem base nos juros domésticos (“Os juros altos mantém os bancos ganhando muito dinheiro”), e ainda mais a pretensão dela de reduzir a relação dívida pública/PIB, que hoje é de 45% e ela pretende que fique entre 20% e 30%.


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