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27 de julho de 2020
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20:44

Entidades denunciam destruição da política ambiental e papel de ONG’s ‘sorteadas’ para o Conama

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Sul 21
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Entidades denunciam destruição da política ambiental e papel de ONG’s ‘sorteadas’ para o Conama
Entidades denunciam destruição da política ambiental e papel de ONG’s ‘sorteadas’ para o Conama
Governo Bolsonaro promoveu sorteio para escolher novos integrantes do Conselho Nacional do Meio Ambiente. (Foto: Pallemberg Aquino/MMA)

Marco Weissheimer

Conselheiros eleitos para o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), com mandato para o período 2019-2021, ex-conselheiros de mandatos anteriores, organizações ambientalistas e socioambientais e redes de ONGs do Brasil lançaram uma carta de repúdio para denunciar o processo de desmonte e esvaziamento do Conselho no governo Jair Bolsonaro e a atuação de quatro entidades sorteadas e convidadas para “representar” a sociedade civil no órgão. Intitulada “Carta de Repúdio às ONGs sorteadas para o Conama”, a manifestação das entidades afirma que está em curso a “maior destruição da política ambiental da história brasileira”. A carta foi enviada às quatro organizações “sorteadas” pelo governo federal para integrar o Conselho.

A situação de desmonte que atinge a política ambiental brasileira foi expressa nas próprias palavras do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que na famosa reunião ministerial de 22 de abril deste ano, convocou um esforço de seus colegas para aproveitar o momento de tranqüilidade na mídia, “só preocupada coma pandemia”, para fazer “passar a boiada” em termos de desregulamentação da legislação ambiental. Salles disse na ocasião:

“Nós temos a possibilidade, neste momento em que a atenção da imprensa está voltada quase que exclusivamente para o Covid (…), a oportunidade que temos já que a imprensa está nos dando um pouco de alívio nos outros temas é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação, todas essas reformas que dão segurança jurídica, previsibilidade. É preciso ter um esforço nosso, enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, que só fala de Covid, e ir passando a boiada, ir mudando todo o regramento”.

Um dos espaços que vêm sendo atropelados pela “boiada” é o Conselho Nacional do Meio Ambiente. A carta lembra que, em 2019, o recém-empossado presidente Jair Bolsonaro assinou o decreto 9.806 reduzindo o número de membros do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e também o número de assentos das organizações da sociedade civil de 22 para apenas quatro. Dessas 22 organizações que participavam do Conama, 11 eram estritamente ambientalistas eleitas entre seus pares e outras 11 entidades eram de caráter socioambiental sem fins lucrativos representando os interesses de populações indígenas, povos ribeirinhos tradicionais, trabalhadores rurais, catadores de material reciclável, entre outros setores.

Com a mudança imposta pelo governo Bolsonaro, as entidades defensoras do meio ambiente passaram a representar apenas 17% do total dos membros, enquanto o governo ficou com 74%, aprofundando o desequilíbrio de forças no Conama. Além disso, Bolsonaro também assinou o Decreto no 9.759 que extinguiu em massa todos os fóruns e colegiados de decisão participativa e democrática em políticas públicas no país.

Ministro Ricardo Salles: “passando a boiada”na legislação ambiental. (Foto: Lula Marques)

Até então, os onze conselheiros ambientalistas que participavam do Conama eram a única bancada indicada por processo eleitoral realizado entre os seus pares e acompanhado pelo Ministério do Meio Ambiente, que proclamava o resultado e oficializava a nomeação. A última eleição das organizações ambientalistas para o Conselho Nacional do Meio Ambiente ocorreu no final de 2018, com mandatos relativos ao período 2019-2021. As onze entidades eleitas para esse período tomaram posse em março de 2019 e participaram apenas de duas reuniões plenárias no início daquele ano, até a edição do decreto presidencial que simplesmente extinguiu 18 assentos da sociedade civil sem qualquer diálogo prévio com as entidades.

O “bingo do Conama”

O ato do governo Bolsonaro, assinalam as entidades ambientalistas signatárias da carta, não se destinava apenas a reduzir drasticamente a participação de organizações da sociedade civil no Conama, mas a eliminar a possibilidade dessas entidades de elegerem ambientalistas para o Conselho. A solução encontrada pelo governo federal para atingir esse objetivo foi definir que a indicação dessas quatro organizações seria feita por meio de um sorteio com bolinhas numeradas do tipo “bingo”. E, de fato, foi realizado um sorteio com equipamentos da Caixa Econômica Federal, usados para sortear números de bilhetes de loteria vendidos nas agências lotéricas. Essa decisão foi repudiada por centenas de organizações não governamentais de todo o país, que lançaram uma moção de repúdio conclamando as ONGs a não aceitarem a humilhação imposta pelo governo.

Das quatro ONGs inicialmente sorteadas, duas recusaram-se a assumir as vagas definidas por sorteio, criticando o desmonte do Conama, o cerceamento da participação dos ambientalistas e a interferência abusiva do governo na escolha de seus representantes. Além disso, repudiaram igualmente a cassação das ONGs eleitas para o período 2019-2021 que já haviam, inclusive, tomado posse. Duas ONGs, entretanto, aceitaram o convite do governo: Associação Novo Encanto de Desenvolvimento Ecológico, do Distrito Federal, e Comissão Ilha Ativa, do Piauí. Para preencher as outras duas vagas, o Ministério do Meio Ambiente, passou a fazer contato com ONGs de numerações imediatamente seguintes àquelas sorteadas, até encontrar duas que aceitaram o “convite”: RARE do Brasil e INPRSCM.

Essas quatro ONGs, assinala a carta de repúdio assinada por organizações ambientalistas, “incapazes de conquistar uma vaga no Conama por meio de eleições justas e transparentes, legitimaram o desmonte ético e institucional daquele que foi um dia o maior conselho deliberativo de meio ambiente do mundo”. E acrescenta:

“Essas quatro organizações não-governamentais legitimaram o golpe que desmontou o Conama e muitos outros colegiados, tomando oportunisticamente o assento dos legítimos eleitos e virando as costas para os princípios, os valores e a história do Movimento Ambientalista Brasileiro, Latino-Americano e Global. Enquanto os colegiados governamentais de políticas públicas eram extintos pelo governo federal, essas quatro ONGs preferiram o autoritarismo e a deslealdade, demonstrando profunda falta de empatia com a sociedade brasileira, subitamente privada dos espaços públicos de participação democrática duramente conquistados por décadas de luta socioambientalista”.

A carta aponta ainda que essas quatro ONGs passaram a aprovar medidas que enfraqueceram ainda mais o Conama, como a mudança do Regulamento Interno, reduzindo o número de câmaras técnicas, extinguindo a câmara técnica de assuntos jurídicos e reduzindo o mandato das ONGs, por exemplo. Além disso, aprovaram também a exclusão do Ministério da Saúde do Conselho Nacional do Meio Ambiente e, nas câmaras técnicas, começaram a apoiar a flexibilização das resoluções existentes, bem como propostas apresentadas pelo governo e pelo setor privado , com baixo nível técnico e sem qualquer salvaguarda ambiental. Essas propostas, diz a carta, estão sendo “aprovadas pelas ONGs sem qualquer questionamento ou crítica”. Com isso, conclui, elas estão ratificando a “maior destruição da política ambiental da história brasileira”, merecendo o “repúdio da sociedade brasileira e internacional”. “Passarão para a memória da luta ambientalista como os maiores traidores do movimento legítimo em defesa da sustentabilidade socioambiental do Brasil”, encerra o documento.

Assinam a carta os seguintes ex-conselheiros do Conama: Daniel Barreto, Domingos Ailton Ribeiro de Carvalho, Gustavo Teles Azar, Ivy Wiens, João de Deus Medeiros, José Truda Palazzo Jr, Luiz Paulo Meira Lopes do Amaral, Manoel Ananis Lopes Soares, Miriam Prochnow, Paulo Douglas Teles Pereira, Raulff Lima, Renato Cunha, Rubens Born, Silvana Lima dos Santos, Zuleica Nycz

E as seguintes organizações e redes:

Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária (AMAR)

Associação de Proteção ao Meio Ambiente (APROMAC)

Instituto de Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável do Oeste da Bahia (BIOESTE)

Fundação Zoobotânica

Grupo Ecológico Rio das Contas (GERCO)

Grupo de Defesa e Promoção Socioambiental (GERMEN)

Instituto Baleia Jubarte

Mater Natura

Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (RENCTAS)

TOXISPHERA Associação de Saúde Ambiental (Toxisphera)

Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS)

Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (FONASC)


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