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9 de setembro de 2019
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02:42

Estudo estima valor socioambiental das reservas legais no Brasil: R$ 6 trilhões por ano

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Sul 21
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Estudo estima valor socioambiental das reservas legais no Brasil: R$ 6 trilhões por ano
Estudo estima valor socioambiental das reservas legais no Brasil: R$ 6 trilhões por ano
Se a Reserva Legal acabar, uma área de vegetação nativa com o tamanho de Itália, Alemanha, França e Espanha somadas perderá a proteção (Foto: Ibama)

Coalizão Ciência e Sociedade

Os serviços ambientais prestados pela cobertura de vegetação nativa existente na Reserva Legal e em áreas não protegidas de propriedades privadas do Brasil são da ordem de R$ 6 trilhões. Esse é o valor atribuído aos benefícios econômicos — tais como captação de água doce e regulação climática — proporcionados por florestas e outros ecossistemas naturais, estimam pesquisadores da ABECO (Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação) e da Coalizão Ciência e Sociedade (grupo de cientistas que monitora questões socioambientais e políticas públicas no Brasil). Um estudo detalhando a estimativa foi publicado na última edição do periódico “Perspectives in Ecology and Conservation”.

O estudo destaca em especial o papel das Reservas Legais, áreas de proteção obrigatória em propriedades privadas. Motivados pelas ofensivas que essa regra fundiária vem sofrendo em projetos de leis recentes, os cientistas calcularam o tamanho de sua importância. Se a Reserva Legal acabar, uma área de vegetação nativa com o tamanho de Itália, Alemanha, França e Espanha somadas (167 milhões de hectares) perderá a proteção e poderá ser legalmente desmatada. Isso equivale a 29% de toda a vegetação nativa remanescente no país.

Somada à área onde o corte já é autorizado, a área desprotegida total ficaria do tamanho da Argentina inteira (270 milhões de hectares), ou 46% do Brasil. O desmate de um território dessa magnitude comprometeria os R$ 6 trilhões de serviços ambientais que essas áreas geram por ano. (Os serviços ambientais prestados pela Reserva Legal, apenas, são estimados em R$ 3,6 trilhões.)

Buscando construir um consenso sobre esse conhecimento no país, o estudo envolveu o trabalho de dez autores e é subscrito por 407 pesquisadores de 79 instituições acadêmicas brasileiras. “Nosso objetivo é subsidiar o poder legislativo do país com uma medida correta da importância das reservas legais”, afirma o biólogo Jean Paul Metzger, da Universidade de São Paulo, que coordenou o trabalho. “Existe muita desinformação se propagando sobre o tema, e consideramos fundamental que qualquer legislação sobre vegetação nativa do Brasil seja discutida com base científica sólida.”

Além de protegerem a biodiversidade, as Reservas Legais são importantes para o próprio setor agropecuário, que depende, por exemplo, de serviços de polinização, controle de pragas, 4 regulação climática e da provisão de água. A vegetação nativa contribui para o clima global, ao manter carbono estocado no chão, e para climas regionais, ao interagir com a atmosfera. A captação de água para agricultura, para consumo humano e para abastecer hidrelétricas também depende diretamente da extensão de cobertura vegetal natural.

O discurso encampado por um setor predatório do agronegócio desconsidera esses benefícios e distorce a política ambiental de outros países para justificar maior permissividade. Um mito muito propagado, por exemplo, é o de que o Brasil, por ter dois terços de seu território com vegetação nativa, protege essas áreas mais do que outros países o fazem. A esse equívoco ainda se soma àquele de que as nações mais desenvolvidas tiveram de desmatar seus territórios para impulsionar suas economias.

A observação de que a Suécia e a Finlândia possuem, respectivamente, 69% e 73% de suas áreas com vegetação nativa, invalida por si só esse argumento. Um projeto de lei dos senadores Flávio Bolsonaro e Márcio Bittar, já retirado de pauta, argumentava que os Estados Unidos têm 74% de seu território ocupado por agropecuária. O número correto na verdade é 22%, considerando áreas agrícolas e pastagens intensivas — ou 44% quando considerado todo tipo de atividade agropecuária.

“Entendendo a dimensão e a distribuição das Reservas Legais, é possível compreender o quão equivocada é a afirmação de que é preciso desmatar o país para aumentar a produtividade do setor rural”, afirma Mercedes Bustamante, professora do Departamento de Ecologia da UnB (Universidade de Brasília) e coautora do artigo. “Existem no país 115 milhões de hectares cobertos por pastagens, mas que estão a um terço de sua capacidade produtiva”, ressalta Gerhard Overbeck, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “O crescimento da produção agrícola vai depender cada vez mais da intensificação local, sem a necessidade de avançar sobre áreas de vegetação nativa”.

“Usar o problema da fome no mundo como argumento para o agronegócio desmatar livremente é recorrer a uma falácia”, diz Metzger. “No médio e no longo prazo, a perda dos serviços ambientais proporcionados pela cobertura de vegetação nativa impactaria a produtividade do setor, o que agravaria ainda mais a situação atual da segurança alimentar.”

A perda dos benefícios ecossistêmicos proporcionados pela vegetação teria um impacto econômico bastante palpável na economia do país. Enquanto os serviços ambientais proporcionados por um hectare de floresta amazônica são estimados em cerca de R$ 3.000/ano, a rentabilidade de um hectare para pastagem ou plantio de commodities de baixo valor costuma ficar abaixo de R$ 1.000/ano.

“O que complica o equilíbrio de interesses é que o destino desses valores é diferente”, explica Bustamante. “Enquanto os benefícios da preservação de vegetação nativa se distribuem em muitos segmentos da economia, a receita obtida pelo agronegócio predatório alimenta o poder de um grupo relativamente pequeno, mas com grande influência na política nacional.

A literatura científica da área, afirmam os autores, indica que extinguir a Reserva Legal e encolher a vegetação nativa seria algo claramente ruim para a economia do país. “Aqueles que desejam isso defendem um modelo econômico rural que amplia a concentração de renda e coloca o país num projeto sem perspectiva de desenvolvimento humano, tornando-se ainda mais dependente da pecuária extensiva e da monocultura de commodities.”

Mais informações

LEIA O ESTUDO COMPLETO: Metzger, J.P., et al. Why Brazil needs its Legal Reserves. Perspect Ecol Conserv. (2019). https://doi.org/10.1016/j.pecon.2019.07.002 Versão em português será disponibilizada em breve, no mesmo site.

Sobre a Colizão Ciência e Sociedade

A Coalizão Ciência e Sociedade tem a missão de divulgar e traduzir informações científicas de forma clara e fundamentada, desvinculadas de interesses particulares e dogmáticos, para subsidiar diálogos objetivos e aprofundados sobre temas socioambientais relevantes para o Brasil e contribuir com a elaboração e avaliação de políticas públicas, fomentando o controle social responsável e construtivo.

Criado em fevereiro de 2019, o grupo é um movimento plural e interdisciplinar que congrega cientistas representando todas as regiões do Brasil, reconhecidos, nacional e internacionalmente, por sua relevante atuação acadêmica em diversas áreas do conhecimento. A coalizão atua na interface ciência-política, comunicando ideias, reflexões, e resultados de pesquisas à sociedade e contribuindo com o diálogo para a tomada de decisão informada, com base no melhor conhecimento disponível, para viabilizar um modelo de desenvolvimento para o Brasil pautado na relação harmoniosa com o meio ambiente e sua sociobiodiversidade.

É um objetivo do grupo cooperar com os poderes legislativo e executivo para subsidiar agendas socioambientais importantes e propostas de leis com conhecimento científico. A atuação dos cientistas na Coalizão Ciência e Sociedade é voluntária.


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