Opinião
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16 de abril de 2024
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09:50

O ‘cash back’ da Lava Jato (por César Locatelli)

Sergio Moro, em palestra nos Estados Unidos. (Foto: Wilson Center/Reprodução)
Sergio Moro, em palestra nos Estados Unidos. (Foto: Wilson Center/Reprodução)

César Locatelli (*)

Repercute a decisão do ministro Luís Felipe Salomão, Corregedor Nacional de Justiça, de afastar a juíza GABRIELA HARDT por conduta “aparentemente descambando para a ilegalidade”.  O caso de Sérgio Moro será tratado no plenário do Conselho Nacional de Justiça, por não haver necessidade de ação preventiva, já que ele não mais ocupa a posição de juiz.

Foram também afastados Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz e Loraci Flores de Lima, desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4a Região, bem como o juiz federal, Danilo Pereira Júnior, que atualmente chefiava a 13ª Vara Federal de Curitiba.

As decisões vêm na esteira da conclusão da investigação (correição) promovida pela Corregedoria Nacional de Justiça nos trabalhos da operação Lava Jato. A reclamação disciplinar foi instaurada em 29/09/2023 e a inspeção, realizada na 13ª Vara Federal de Curitiba e gabinetes da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, apontou indícios de infrações disciplinares dos reclamados.

Foram selecionados, a seguir, 10 trechos da decisão do ministro Luís Felipe Salomão de afastar Gabriela Hardt.

(1) Uso da função de juiz e juíza para interesses políticos e obtenção de recursos

Salomão defende que a operação que ficou conhecida como Lava Jato trouxe ao conhecimento de todos e “desbaratou um dos maiores esquemas de corrupção do país”. Ele revela, porém, que a operação foi desviada da defesa do interesse público e passou a ser orientada para interesses privados e políticos. Diz ele:

“Constatou-se – com enorme frustração – que, em dado momento, tal como apurado no curso dos trabalhos, a ideia de combate a corrupção foi transformada em uma espécie de cash back para interesses privados, ao que tudo indica com a chancela e participação dos ora reclamados [GABRIELA HARDT e SERGIO FERNANDO MORO]. Portanto, não se trata de pura atuação judicante [ação relativa às funções de juízes], mas sim uma atividade que utiliza a jurisdição para outros interesses específicos, não apenas políticos (como restou notório), mas também – e inclusive – obtenção de recursos.”

Salomão cita a decisão do ministro Ministro Alexandre de Moraes, do STF, que apontou “para a irregularidade dessa destinação, com violações a princípios constitucionais que têm reflexos na esfera administrativa e penal, possivelmente.”

Alexandre de Moraes expressa, na ADPF 568/PR, que:

“No mérito, não há qualquer dúvida sobre a nulidade absoluta do ‘Acordo de Assunção de Compromissos’, que, realizado pela Procuradoria da República no Paraná com a Petrobras e homologado pela 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, desrespeitou os preceitos fundamentais da Separação de Poderes, do respeito à chefia institucional, da unidade, independência funcional e financeira do Ministério Público Federal e os princípios republicano, da legalidade e da moralidade administrativas, pois ambas as partes do acordo não possuíam legitimidade para firmá-lo, o objeto foi ilícito e o juízo era absolutamente incompetente para sua homologação […]”

(6) A fundamentação do Corregedor para o afastamento de GABRIELA HARDT

O Corregedor Nacional de Justiça utiliza praticamente um terço de seu texto, aproximadamente 10 páginas, para sublinhar o caráter de exceção que envolve o afastamento de um(a) magistrado(a) e para justificar sua posição:

“Não se desconhece que, no âmbito administrativo, é excepcional a hipótese de afastamento do magistrado. Consoante dispõe o Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, no exercício de suas atribuições constitucionais, o Corregedor Nacional de Justiça poderá determinar, desde logo, ‘as medidas que se mostrem necessárias, urgentes ou adequadas’ (art. 8º, inciso IV e XX).”

(7) Ações e omissões anômalas

A correição, apuração minuciosa feita pela Corregedoria Nacional de Justiça, para inspecionar o trabalho da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, revelou ações e omissões fora da ordem e das normas estabelecidas

“Destarte, constatou-se um conjunto de atos comissivos e omissivos singulares que são efetiva e essencialmente anômalos (quem, em sã consciência, concordaria em destinar bilhões de reais de dinheiro público para uma fundação privada, de maneira sigilosa e sem nenhuma cautela), sendo que tais ações da reclamada, de uma maneira ou outra, culminariam na destinação do dinheiro para fins privados, o que só não ocorreu por força de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.”

(8) O afastamento da juíza GABRIELA HARDT

A suspeita que paira sobre a juíza GABRIELA HARDT indica a necessidade de interromper sua atuação. Afirma Salomão:

“A natureza da atividade desenvolvida pela reclamada [juíza GABRIELA HARDT] exige e impõe atuar probo, lídimo, íntegro e transparente, sendo inaceitável que, aparentemente descambando para a ilegalidade, valha-se da relevante função que o Estado lhe confiou para fazer valer suas convicções pessoais. Faz-se, portanto, inconcebível que a investigada possa prosseguir atuando, quando paira sobre ele a suspeita de que o seu atuar não seja o lídimo e imparcial agir a que se espera.”

(9) Os quatro afastamentos serão analisados pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça

O afastamento dos quatro magistrados, assinados hoje (15/4) pelo ministro Salomão, serão analisadas pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça amanhã (16/4). A seguir o trecho em que o ministro decreta o afastamento da Juíza Federal GABRIELA HARDT:

“Assim, considerando que a sessão de julgamento para ratificação deste pedido está marcada para amanhã, dia 16/04/2024, diante dos fatos e fundamentos acima expostos, após as circunstâncias reveladas no relatório final da Correição Extraordinária realizada pela Corregedoria Nacional, e com base em todos os fundamentos ora exarados, decreto o afastamento cautelar da Juíza Federal GABRIELA HARDT.”

(10) Moro não precisa ser afastado: não tem mais a função de juiz

Como Moro não exerce mais a função de juiz, não houve necessidade de medida para prevenir contra a ocorrência de outros danos, conforme conclui Salomão:

“O caso de Sergio Fernando Moro será tratado no mérito, quando do exame da questão pelo Plenário do CNJ, dado que não há nenhuma providência cautelar a ser adotada no campo administrativo.”

(*) Cesar Locatelli é economista e mestre em economia

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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