Opinião
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29 de fevereiro de 2024
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10:47

Desrotulando o direito penal: agente infiltrado (por João Beccon de Almeida Neto)

Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil
Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil

João Beccon (*)

Recentemente vimos a notícia sobre a atuação de um policial peruano que se disfarçou de ursinho de pelúcia para realizar a prisão em flagrante de mulher acusada de comercializar drogas ilícitas. O Grupo de Inteligência Tática Urbana foi criado no Peru em 2012 e faz parte da Divisão de Operações Policiais Especiais e Jovens em Risco, criada por sua vez em 2003. É conhecida como esquadrão verde ou Grupo Terna, já que, como descreve a palavra de origem francesa, os agentes realizam operações normalmente envolvendo a ação de três policiais.

No caso citado, além do agente disfarçado de ursinho, havia mais dois no apoio, um mais próximo disfarçado de agente de limpeza urbana. O intuito deste grupo especial é realizar operações mimetizadas, ou seja, com oficiais não uniformizados de forma a realizar flagrantes em situações que dificilmente ocorreria. Mas aí podemos nos perguntar: e no Brasil, isso pode? A legislação peruana é tão diferente da nossa para que isso possa ocorrer?

O disfarce é algo bem presente na literatura policial. Sherlock Holmes, considerado o mais famoso personagem do gênero, em diferentes histórias se utilizou de disfarces como estratagemas para resolver seus casos. Normalmente de forma observacional, como um agente passivo para fins de obter mais informações, como no conto “Escândalo da Boêmia”.

Seja o agente encoberto ou agente infiltrado, temos em nossa legislação a sua previsão legal. Em regra, esse tipo de ação deve ser fundamentada e autorizada por decisão judicial. As

ações do agente infiltrado devem ocorrer dentro dos limites definido na decisão. Normalmente o agente deve agir mais como um observador, cujas ações delitivas não dependam de sua ação para ocorrerem. Assim, não pode um agente ir disfarçado num local de venda de drogas realizar a compra dessas substâncias e dar voz de prisão em flagrante em quem a vendeu, uma vez que sem a ação do policial, a pessoa não teria cometido o referido crime, fazendo com que esta situação seja mais caracterizada como um flagrante preparado, o que é proibido pela legislação e interpretação de nossos tribunais.

Assim, o caso do policial urso, esse seria um flagrante possível em nossa legislação, pois o agente não provoca a ação delitiva, utiliza do disfarce pra se aproximar da suspeita. O mesmo podemos dizer de uma ação promovida neste carnaval por grupo de policiais em São Paulo, em que usando fantasias se misturaram aos foliões para realizar a prisão de pessoas que estavam utilizando o momento de festa pra realizar furtos dentro dos blocos. A operação resultou na recuperação de bens como celulares e cartões de créditos. Outra forma de operação que nossa legislação permite é a chamada ação controlada, em que os agentes não realizam de pronto a prisão em flagrante dos suspeitos, mas permitem por mais um tempo a ocorrência da ação delituosa a fim de obter mais informações sobre os autores e normalmente para entender modus operandi e extensão da organização criminosa.

Mas o agente infiltrado tem ações diversas do que as ações promovidas pelos policiais peruanos e paulistas. Estes casos são operações pontuais na busca de conter flagrantes de crimes comuns, não necessitam obrigatoriamente de decisão judicial que as autorizem, pois a prisão em flagrante delito pode ser feita por qualquer pessoa do povo conforme a Constituição Federal, o que dependendo da situação nos autoriza entrar na residência ou outro local sem prévia autorização. Mas esse já é um universo enorme de situações que em outros textos podemos conversar.

O agente encoberto normalmente está ligado a uma investigação criminal que envolva a identificação de organização criminosa cuja complexidade das ações só podem ser melhor analisadas desde que alguém tenha acesso a informações mais específicas. Por isso, no Brasil, sua previsão tem lugar na lei que envolvem os delitos ligados ao tráfico de drogas ilícitas e na lei sobre o crime de organização criminosa, modificada recentemente pelo pacote anticrime.

São ações importantes e que necessitam ter limites claros, pois o agente não pode se valer da ferramenta só quando lhe é oportuno. Deixar claro em que omissões ou ações sua responsabilidade deverá ser cobrada. No Peru, mesmo em 2020, se denunciou como antidemocráticas e contrárias ao exercício de direitos fundamentais as ações dos Grupo Terna, que mimetizado dentro de movimentos sociais em manifestações e passeatas, realizou a prisão de pessoas sob o fundamento de que estavam comentando crimes. No entanto, em diversos casos isso não estava claro, como se o direito a manifestação de opinião não estivesse sendo respeitado.

(*) João Beccon de Almeida Neto é advogado criminalista e professor da Unipampa

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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