Opinião
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8 de janeiro de 2024
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14:17

O 8 de janeiro e a memória de um tempo que gira em falso (por José Carlos Moreira da Silva Filho)

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

José Carlos Moreira da Silva Filho (*)

“Memória de um tempo
Onde lutar por seu direito
É um defeito que mata” [1]

8 de janeiro é um feitiço do tempo
De um tempo que retorna, sem parar
8 de janeiro, insidioso momento
Insistente e surdo, concentrado em golpear

Hoje faz um ano, ou serão quase sessenta?
A memória já não pode mais contar
Que o país que era do futuro é roda lenta
Que sempre em falso, continua a girar

É verdade que a memória dos que lutaram
Sobreviventes ou tombados, também tenta se afirmar
Mas tropeça no butim dos golpistas que ganharam
O esquecimento, a impunidade, o constante arranjar

São militares, são senhores, do engenho, do capital
Dos poderes do império, do acordo federal
Nessas datas da vergonha, onde às favas vão os escrúpulos
Os senhores elegantes enviam seus fantoches esdrúxulos

Democratas, cidadãos retos e probos
Desmoronam em cartas marcadas
Sob os gritos e as bocas espumadas
Dos perversos, dos fascistas, dos bobos

É a tortura da delação, outrora da subversão
É a cumplicidade dos juízes, também dos legisladores
São as artimanhas da imprensa, em seus jogos de ilusão
São os poderes econômicos, os verdadeiros corruptores

A roda lenta gira em falso
Na farsa da lava-jato
Na mediocridade e ousadia
Da magistratura e da procuradoria

No impedimento sem crime
Na prisão sem prova, sem coisa julgada
Na validação do golpismo insigne
Quando a anistia da ditadura é validada

A gente não sai do lugar
Quando a justiça não tem lugar
Quando está brandida a espada militar
Que insiste em sempre sair do seu lugar

Instituições guardam no peito sua imagem
E por isto o peito sempre se arrebenta
Já que o sonho do povo que acalenta
É destruído por hordas selvagens

Di Cavalcanti, quadros rasgados
Mesas defecadas, tapetes urinados
Plenários depredados, vidraças partidas
Patrimônio estilhaçado, Constituição subtraída

A urgência de hoje é a mesma do início da nossa história
É o moto-contínuo de um país sem memória
É o engano e a desídia do abandono das lutas
Das pessoas desaparecidas, das suas buscas

Mas a esperança sempre se renova nessa ciranda suspensa no ar
É o caminho da memória dos que ousaram lutar
Dos que não se deixam mais em falso girar
Pois outro caminho não há senão a luta popular

“São tantas lutas inglórias
São histórias que a história
Qualquer dia contará

De obscuros personagens
As passagens, as coragens
São sementes espalhadas nesse chão” [2]

Notas

[1] Versos de Gonzaguinha, da sua canção “Pequena memória para um tempo sem memória”, de 1981.

[2] Versos de Gonzaguinha, da sua canção “Pequena memória para um tempo sem memória”, de 1981.

(*) Professor da Escola de Direito da PUCRS. Sócio Fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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