Opinião
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10 de julho de 2023
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15:11

‘Precisa de muito dinheiro’ sobre quanto custa se eleger (por Milton Pomar)

Foto: José Cruz/Arquivo/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Arquivo/Agência Brasil

Milton Pomar (*)

Três veteranos de eleições para vereador conversavam de maneira animada em uma barbearia das antigas, há poucos dias, a respeito das possíveis candidaturas em 2024, em Capivari de Baixo-SC, município de 18 mil eleitoras e eleitores, quando um deles, ao se justificar porque não será mais candidato sintetizou a questão com uma frase: “precisa de muito dinheiro”. 

Sim, precisa de muito dinheiro, porque o comércio de votos em Capivari de Baixo-SC e nos 5.569 outros municípios do Brasil exige, de quem quer se eleger vereador, vereadora, prefeito(a) e vice que invista uma soma considerável de dinheiro, serviços ou produtos, para comprar os votos necessários para ser eleito(a). Não há estatísticas confiáveis a respeito, o que nos obriga a estimar, com base na experiência de assessorar campanhas municipais em alguns estados há 30 anos, que 90% do total eleito (titulares e suplentes) no Brasil comprou votos. Se foi determinante ou residual a quantidade comprada, só investigando caso a caso para se saber. 

Com 24 mil habitantes e acanhados 53 km2, Capivari de Baixo é um caso exemplar, porque a Câmara Municipal recebe pequena fortuna do Executivo por ano – R$4,6 milhões em 2023, para 11 vereadores(as). São Joaquim, na Serra catarinense, tem um pouco mais de habitantes (26 mil), área de 1.888 km2, e R$1,9 milhão esse ano para a Câmara. Os dois municípios têm receita total estimada para 2023 quase igual: R$98,5 milhões Capivari e R$97 milhões São Joaquim.

O excesso de dinheiro para a Câmara de Capivari possibilita todo tipo de absurdos, alguns deles comprovados há seis anos em inquérito policial, denominado “Casa da Mãe Joana”: contratação excessiva de auxiliares por alguns vereadores e utilização fraudulenta de diárias e passagens para participar de eventos. Ou seja, alguns eleitos não apenas compraram votos para chegar lá, como utilizaram recursos públicos para pagar votos comprados e recuperar o “investimento” realizado.

Até hoje não houve o julgamento dos indiciados na “Casa da Mãe Joana”, o que faz temer pela prescrição, que se acontecer jogará fora todo o trabalho de investigação realizado. 

Capivari voltou ao noticiário policial no início desse ano, com a prisão do seu prefeito (PL) na “Operação Mensageiro, sob acusação de receber suborno em licitação para contratar o serviço de recolhimento e destinação de lixo. A “Mensageiro” levou para a cadeia também o prefeito (PP) e o vice (UB) de Tubarão, cidade vizinha a Capivari, e dezenas de outros prefeitos, vices, secretários etc.

Municípios com mais de R$3 mil de receita municipal anual por habitante (receita total estimada no Orçamento dividida pela população) são cobiçados, porque possuem “margem” maior para os “esquemas” no lixo, em obras e compras. Capivari tem receita maior do que a média (R$4,1 mil de receita/habitante/ano), graças ao repasse do ICMS da termelétrica Jorge Lacerda. Sua receita anual por habitante é próxima dos R$4,4 mil da cidade portuária de Rio Grande-RS, mas distante da de polos petroquímicos, como Camaçari-BA (R$7 mil) e Triunfo-RS (R$13,8 mil), por coincidência municípios com histórico de prisões de integrantes do executivo e do legislativo.

Essa é uma das razões pelas quais a maioria dos municípios brasileiros “prefere” desperdiçar recursos públicos recolhendo e destinando lixo que não é lixo, ao invés de fazer Coleta Seletiva e economizar mais de 80% do que é gasto com empresas terceirizadas. (Quanto o seu município gasta com “lixo”, você sabe?) Se há aterro sanitário, obra que custa milhões de reais, ele terá vida útil muito maior com a Coleta Seletiva, que é economia ambiental e de recursos públicos e é também geração de renda para as famílias que participam dessa atividade.

Reduzir a compra de votos depende, em primeiro lugar, da compreensão da sua importância fundamental enquanto base do sistema político brasileiro. Vereadores(as) eleitos(as) com votos comprados negociarão seus próprios votos, para aprovação do Plano Diretor e contas do prefeito, por exemplo, porque precisam “recuperar o dinheiro investido”. Esses políticos e os seus agenciadores de votos trabalham para candidatos(as) a deputado(a) estadual e federal, o que caracteriza uma grande engrenagem, em permanente funcionamento – na entressafra eleitoral, os vínculos são mantidos com todo tipo de favores para “as bases”. 

Por isso também é fácil pegar quem trabalha intermediando a compra de grandes quantidades de votos nos municípios. Essas pessoas bem são conhecidas nos bairros e áreas rurais. São os famosos “cabos eleitorais” (o termo é masculino, mas há muitas mulheres nessa atividade), que hoje atuam devidamente informatizados, mantendo cadastros completos do “seu” eleitorado, ou, como se dizia antigamente, do seu “curral eleitoral”. 

Comprar voto é crime. Por isso, a contabilidade a respeito tem que ser “caixa dois”, o que leva à conclusão óbvia de que as prestações de contas eleitorais são uma farsa, porque não incluem essa “despesa”, muito menos as doações ilegais essenciais à compra de votos. 

O comércio de votos é uma das duas grandes tragédias nacionais do sistema eleitoral brasileiro. A outra é a existência, em pleno Século 21, de 53 milhões (33,8% do total) de eleitoras e eleitores analfabetos funcionais. Ambas são hipocritamente invisibilizadas. Debates da Educação promovidos por parlamentares e sindicalistas giram em torno de quem está nas escolas, não de quem está fora delas. Na Era 4.0, há quase 36 milhões de eleitoras e eleitores apenas com o Fundamental incompleto – e esse universo de sem diploma está impedido de cursar o Ensino Médio, porque governos e parlamentares municipais e estaduais não fizeram a parte que lhes cabia na época, e hoje não querem nem ouvir falar dessa questão.

Quem quiser ser eleito(a) honestamente, disputando em igualdade de condições, só conseguirá isso em 2024 se até lá acontecer uma revolução no Brasil, porque a compra de votos é tão dominante que já foi até “naturalizada”, a ponto de ser denominada “método tradicional de fazer campanha”. O ministério público terá que se mexer para desmantelar as estruturas capilarizadas de intermediação comercial de votos, e os tribunais eleitorais regionais (TREs) e superior (TSE) investigarem pra valer as prestações de contas, principalmente dos “campeões de votos”. 

(*) Professor, geógrafo, mestre em “Estado, Governo e Políticas Públicas”.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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