Opinião
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16 de junho de 2023
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06:39

Diretas Já, democracia na rua (por Selvino Heck)

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Selvino Heck (*)

A Wladimir Pomar, in memoriam, e Frei Betto, profetas, amantes e sonhadores da democracia

Para as/os mais antigas/os, é bom relembrar. Para as/os mais novas/os, ou as/os que foram e estão chegando, eventuais e bem-vindas (os) leitoras e leitores destas palavras e reflexões semanais, é bom, sempre, colocar os pés no chão e na vida. Há 40 anos, 1983 e anos posteriores, aconteceram as Diretas Já. Saudosas Diretas Já.

Olhando hoje para trás, para quem, como eu, começou no movimento estudantil, Pastoral da Juventude, trabalho nas periferias com Associações de Bairro, CEBs, Comunidades Eclesiais de Base nos anos 1970, os tempos então não eram fáceis. Perseguição de variados tipos, tortura, prisão, morte e exílio para muitas e muitos, a luta pela democracia era cotidiana e difícil naqueles tempos. Anos atrás recolhi no Arquivo Nacional em Brasília tudo que a Polícia Federal, SNI, DOPS e Brigada Militar gaúchos acompanharam (e guardaram) de minhas atividades, ações, relações, escritos e até poemas, enquanto frade franciscano e militante, e de muitas companheiras e companheiros da época, ONGs, Pastorais e movimentos sociais. Uma montanha de papéis e relatórios de todos os tipos sobre quase tudo! Estavam, investigadas e investigados, todas e todos na boa luta por direitos, igualdade, soberania, justiça, democracia.

Como compreender hoje que não havia eleições diretas para prefeitos de capital, governador, presidente por décadas!? Só havia eleições para vereador, deputado estadual, federal e senador, e com regras difíceis de superar para quem era do campo democrático-popular. Fui o candidato a deputado estadual mais votado do PT do Rio Grande do Sul em 1982, mas o PT não elegeu ninguém porque não atingiu o quociente mínimo de votos: a eleitora, o eleitor precisavam votar no mesmo partido de alto a baixo para vereador, deputado e senador.    

Eram tempos de ditadura militar. Participar de uma eleição não era apenas buscar o voto. Era lutar por democracia, mesmo para um morador da Lomba do Pinheiro, periferia de Porto Alegre, onde a forma de comunicação, além das visitas, das reuniões dos Grupos de Reflexão nas casas das pessoas, era o jornal O LOMBA, impresso no mimeógrafo do DCE da PUCRS, e vendido nos pequenos comércios das vilas São Pedro, Santa Helena, Santa Catarina, Jardim Viçosa, Panorama, Nova São Carlos com apoio dos seus donos, além de ser distribuído diretamente para a comunidade. As Diretas Já eram democracia na veia. E na rua, bandeira de luta que ganhou toda sociedade brasileira.

Houve um Dia Nacional de Protesto em 21 de julho de 1983, com caminhada de metalúrgicos de Canoas até Porto Alegre, o hoje senador Paim, então presidente do sindicato, à frente. A primeira manifestação maior aconteceu na Esquina Democrática de Porto Alegre em 13 de janeiro de 1984, milhares de pessoas no centro da capital. Nunca me esqueço de ver Tancredo Neves, um tanto sozinho, caminhando a pé pelo centro de Porto Alegre e falando no Ato. O comício e mobilização maior aconteceram na frente da prefeitura de Porto Alegre, com 200 mil pessoas, em 13 de abril de 1984. Falei no comício em nome da Pastoral Operária, que eu representava na mobilização unitária das Diretas Já do Rio Grande do Sul.

Estavam no Comício, entre outros, Lula, Olívio Dutra, Paulo Renato Paim, Leonel Brizola, Ulysses Guimarães, Pedro Simon, Alceu Colares, Fernando Henrique Cardoso, unidade de todos os democratas na luta por Diretas Já. O movimento e a mobilização ganharam o Brasil, com manifestações de todos os tipos, greves, Comitês Populares e tudo que a coragem e a criatividade puderam produzir em plena ditadura.

Construiu-se a unidade pelas Diretas e o campo democrático-popular assumiu a bandeira de uma Constituinte Soberana e Exclusiva. Mas toda unidade e toda mobilização de milhões de brasileiras e brasileiros não garantiram as eleições diretas, que só foram acontecer em 1989. Um Colégio Eleitoral de deputados e senadores elegeu indiretamente Tancredo Neves  Presidente da República. Doente, ele não assumiu. José Sarney, que vinha da ditadura, foi empossado presidente. Em 1989, com o apoio da elite de direita e escravocrata e da grande mídia, especialmente Rede Globo, Fernando Collor foi eleito presidente, e logo “impichado”. Agora, 2023, foi condenado e está na iminência de ser preso. Tampouco a Constituinte foi livre e soberana, mas ajudou na redemocratização. O Rio Grande do Sul, eu, agora legitimamente eleito deputado estadual constituinte, tem hoje a Constituição estadual mais progressista do Brasil, através da mobilização social por democracia nas ruas. 

A democracia, num país como o Brasil, nunca foi fácil e tranquila, sabem-no muito bem  as brasileiras e os brasileiros, inclusive hoje, 2023. Mas a boa luta, no Esperançar freireano, constrói todos os dias o novo, o futuro e o amanhã, com os Comitês Populares de Luta e tantas formas de trabalho de base e organização. 

A sabedoria popular faz acontecer o sonho de um Brasil justo, com igualdade, na utopia da justiça e da paz. Junto com Wladimir Pomar, que partiu há alguns dias. Junto com Frei Betto, cuja conversa sobre democracia não foi permitida esta semana no Colégio São José em Caxias do Sul, por iniciativa e protesto de grupos da ultradireita antidemocrática. Mas Frei Betto, com fé e coragem proféticas, falou na Universidade, com o apoio e mobilização do movimento sindical e dos movimentos sociais e populares, e milhares de participantes, sonhadoras e sonhadores.

Viva a democracia!

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Em dezesseis de junho de dois mil e vinte três

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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