Opinião
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14 de novembro de 2022
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18:47

Sobre a concessão do Parque da Redenção à iniciativa privada (por Paulo Teixeira)

Parque da Redenção, um dos alvos do desmonte da política ambiental em Porto Alegre. (Foto: Luiza Castro/Sul21 )
Parque da Redenção, um dos alvos do desmonte da política ambiental em Porto Alegre. (Foto: Luiza Castro/Sul21 )

Paulo Teixeira (*)

Toma conta da Cidade, ou de parte dela, a discussão sobre a proposta de concessão à inciativa privada, dentre outros espaços púbicos, do Parque Farroupilha (Redenção): o mais antigo (criado em 1807 mais antigo que o Central Park NYC de 1853) e valioso patrimônio natural histórico e cultural de Porto Alegre, tombado pela Lei 1.036678961. A proposta, com mais de uma centena de páginas, que poucos leram, mas criticada por muitos, vai à consulta pública nos próximos dias, pelo que organizei algumas considerações resultado da minha experiência na gestão ambiental da nossa Cidade e conhecimentos sobre outros parques mundo afora.

Meu primeiro sobressalto foi constatar a inexistência de um enfoque ambiental na proposta: sequer são mencionadas as palavras, “árvores”, “flora”, “fauna”. Em se tratando de um Parque, isso por si só, configura a proposta mais como um “balcão de negócios” do que uma redenção. Sem entrar no mérito econômico-financeiro da proposta, sabemos que os contratos de concessão garantem bastante segurança à parte privada, mas entranham potenciais riscos ao erário.  Assim, em que pese a princípio não ser contrário a proposta, serei contrário à mesma como está, caso não surjam esclarecimentos sobre que:

  • Qual parecer jurídico embasou a proposta da Concessão? uma vez que a Lei 1.036678961 do patrimônio histórico e cultural estabelece que “ficam tombados “seus passeios, caminhos, vegetação, ajardinamos, edificações, abrigos, chafarizes, fontes, estatuaria, lagos, espelhos d’água e recantos; 
  • Qual serão as futuras funções da Prefeitura (Secretarias, Guarda Municipal) no Parque? e dos representantes dos usuários e de entidades amigas do Parque?
  • Qual será o tratamento dado ao patrimônio arbóreo? não há sequer menção sobre quem fará manutenção da flora e a proteção da fauna;
  • Recreação, saúde, arte e lazer: haverá novos espaços para esporte e lazer, onde? quantos? como funcionariam? playgrounds, pistas de atletismo, áreas de jogos, obras de arte? trenzinho? cancha de bocha, zonas para pic-nic, pets (normas);
  • Como será feita a manutenção e irrigação dos jardins e limpeza do Parque: manejo de resíduos sólidos, recuperação e ajardinamento dos recantos: recanto chines etc. (rotinas de manutenção e limpeza); 
  • Como ficará o regramento do uso espaço visual do Parque: propagandas, cartazes ou outdoors;
  • E sobre o destino dos vendedores ambulantes?  
  • E sobre a proteção e utilização do Lago: normas e critérios?
  • A segurança pública vai continuar sendo feita pela Brigada? A proposta menciona vigilantes de bicicletas, sem explicitar.

Sugestões: 

  • Que o contrato obrigue que a concessionaria realize um Projeto de Infraestrutura e Urbanização do Parque, que considere, dentre outros, a drenagem pluvial (chuvas, esgoto sanitário dos equipamentos) e redes de água potável, varrição e limpeza- resíduos sólidos (armazenamento coleta transporte e destino final) , pavimentação dos passeios ciclovias, trilhas de pedestres;
  • Que a concessionaria realize um Inventario dos Espécimes da Flora e Fauna do Parque Farroupilha que contenha um plano de tratamento (dendrocirurgia), recuperação recomposição da flora com espécies nativas;
  • Que a Concessionaria implemente um Plano de Comunicação Social e seja submetida a periódicas avaliações públicas sobre os serviços prestados;
  • Quanto ao estacionamento subterrâneo exigir a realização de um Estudo de Impacto Ambiental para identificar impacto do rebaixamento do lençol freático (com potenciais consequências desastrosas para as árvores) corte de raízes ….; 
  • Seja realizado um Inventário dos Monumentos e Obras de Arte com proposta de recuperação e conservação dos mesmos e dos recantos Jardim Alpino, Jardim Europeu, Jardim Oriental (criados em1941);
  • Precisa haver considerações sobre o tema recorrente do cercamento do Parque: sim, não depende…hoje não daqui alguns anos, quem sabe…?
  • Analisar a criação de um Fundo Rotatório para a manutenção da Redenção (doações, recursos da concessão);

Por fim, cabe lembrar que a Redenção possui 250 anos de tradição de utilização comunitária prezar integralmente pelos nossos patrimônios ambientais significa preservar nossos valores culturais e éticos e requer combater a passividade, às raias da submissão idiotizada e conivente, de parte da população alheia à defesa do interesse público, políticos e empresários.  O individualismo exacerbado e egocêntrico sempre será fatal para a nossa e para qualquer sociedade. Se não participarmos ativamente desse processo de concessão do Parque Farroupilha e se a voz da razão não for ouvida pelos tomadores de decisão, seremos a antítese de uma Cidade comprometida com seu futuro e com sua honra coletiva.  

Assim, lutemos por reabilitação e vida longa para a Redenção! 

Sem Redenção não haverá um Porto “Alegre”!

(*) Fundador da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Porto Alegre, Ex: Supervisor de Meio Ambiente da SMAM, Assessor Regional da Organização Mundial da Saúde para Saúde Urbana

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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