Opinião
|
24 de outubro de 2022
|
11:58

Os crônicos perdidos (por Cassio Machado)

Foto: Alex Pazuello/Semcom
Foto: Alex Pazuello/Semcom

Cassio Machado (*)

Mais de 3 mil mortes diárias, considerada a principal causa de letalidade no país, hospitais lotados, falta de medicamentos e equipamentos e profissionais. Nesse cenário, que cada vez mais vai se perdendo entre as brumas da memória, muito foi deixado para depois. Aquele exame, aquela consulta, aquele pequeno procedimento, situação não muito diferente de qualquer outro cenário de crise. Quando as sirenes gritam, os carros devem dar vez. 

Como priorizar as oito horas de sono em uma situação de conflito armado? Ou pensar nos dois litros de água durante a passagem de um tornado? Ou ainda nas refeições a cada três ou quatro horas durante a caminhada de uma migração forçada? Porém, indiferente à nossa vontade, a conta sempre chega. Atualmente, em Porto Alegre, a espera por exames complementares, como a mamografia, pode chegar a 5 anos, e esse é apenas um dos exemplos relacionados às consequências do vivido pandêmico. 

Em uma ocasião recente, presenciei uma colega advertindo os residentes sobre as consequências extemporâneas da pandemia. Para além dos sintomas relacionados à Covid Longa, sintomas estes que podem estar presentes por até 18 meses após a infecção, ou de outras sintomatologias relacionadas a possíveis efeitos tardios decorrentes da infecção, ainda em estudo, ela chamou atenção para uma conjuntura com viés mais sistêmico, o qual chamou “os crônicos perdidos”. Para ela, esses indivíduos compõem um grupo de negligenciados durante os períodos mais críticos da pandemia, sujeitos com demandas colocadas em segundo plano, diabéticos, oncológicos, cardiopatas, entre outros.

Para os não iniciados, cabe destacar que o Sistema Único de Saúde não atua de forma exclusivamente reativa, quando os usuários procuram os serviços de saúde, mas grande parte de suas ações está ancorada em ações pró-ativas, voltadas à promoção, ao monitoramento, à identificação e ao acompanhamento de situações de saúde. Para essas ações se faz fundamental o contato com os usuários. Em alguns casos, o vínculo com os profissionais ou serviços de saúde pode ser decisivo para a resolubilidade.

Nesse sentido, o ponto abordado pela colega trazia para a discussão o fenômeno relacionado ao abismo criado entre usuários e serviços de saúde durante a pandemia, que, por sua vez, pode estar relacionado tanto aos medos de frequentar um serviço de saúde, seja por razões objetivas ou subjetivas, quanto ao desinvestimento dos próprios serviços para a execução dessa forma de cuidado. Sobretudo, analisar esse cenário e concluir que a situação dos “crônicos perdidos” faz parte análoga da pandemia seria por demais superficial.

Desde o momento do primeiro cancelamento de cirurgia, do fechamento de agenda ou da primeira ligação não realizada ou visita domiciliar postergada se fez notório que, para minimizar os danos e dirimir os riscos, um planejamento rigoroso deveria compor essa ausência. Porém, qualquer atravessador pode concluir que, ao menos aqui, pandemia e planejamento infelizmente não fazem parte da mesma moeda. 

Culpa desse, culpa daquele, muitos podem dizer. Assim, vale retomar que participar na formulação e na implementação das políticas; definir e coordenar os sistemas, coordenar e participar na execução das ações de vigilância epidemiológica;  formular, avaliar, elaborar normas e participar na execução da política nacional e produção de insumos e equipamentos para a saúde; controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde; prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional, assim como elaborar o Planejamento Estratégico Nacional no âmbito do SUS são de responsabilidade da direção nacional, ou seja, do Ministério da Saúde, isto é, da presidência da república.

(*) Psicólogo, atua no Grupo Hospitalar Conceição (GHC) ([email protected])

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora