Opinião
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17 de novembro de 2021
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09:09

Recessão à vista? (por Flavio Fligenspan)

Estimativa para 2024 está acima do centro da meta de inflação que deve ser perseguida pelo Banco Central. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Estimativa para 2024 está acima do centro da meta de inflação que deve ser perseguida pelo Banco Central. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Flavio Fligenspan (*)

A fragilidade da recuperação da atividade econômica brasileira e a forte alta dos juros no ano de 2021 abriram um debate sobre a possibilidade de se viver uma recessão logo à frente. Não é de agora que as previsões do mercado financeiro para o crescimento do PIB em 2022 vêm caindo, mas nos últimos trinta dias algumas alcançaram o terreno negativo, acirrando o debate sobre a proximidade de uma recessão. Fatores possíveis de causar uma recessão não faltam neste momento, tanto os que se originam no mercado internacional, como a escassez de matérias primas industriais, como os domésticos, como a desorganização do Governo e o consequente aumento da incerteza e da taxa de câmbio.

Na semana passada começou uma discussão típica de conjuntura, sobre um indicador de recessões, que é a relação entre as taxas de juros de curto prazo e as de longo prazo. Esta relação deve, normalmente, ser tal que a taxa curta é menor do que a taxa longa, visto que o longo prazo envolve mais incerteza e, consequentemente, exige/merece maior remuneração. Ocorre que, em momentos especiais, se observa a inversão desta relação, com a taxa curta maior do que a longa. Nestes casos, considerados anormais, a demanda por crédito se retrai, já que ninguém toma dinheiro emprestado tendo a expectativa de que as taxas vão ser menores a seguir. Logo, a economia encolhe e aumenta a chance de ocorrer uma recessão. Para a economia americana, sempre que ocorreu esta inversão desde os anos 1950, verificou-se uma recessão a seguir, num intervalo de quatro a seis trimestres – uma única exceção ocorreu neste período.

O debate brasileiro está lançando mão desta “regra” americana, visto que a alta expressiva da Selic em 2021 fez aparecer a tal inversão da relação. E mais, a diferença entre as taxas curta e longa pode até aumentar nos próximos meses, a depender dos movimentos já previstos do Banco Central. Para atiçar o debate, pode-se recorrer à observação da última vez em que se verificou a inversão no Brasil; foi na passagem de 2013 para 2014, e logo depois houve a recessão que se manifestou com mais força entre 2015 e 2016. Diante das evidências, cabe perguntar: estamos diante de um sinal de recessão entre 2022 e 2023?

Em primeiro lugar, é bom lembrar que também temos direito à nossa exceção, já que entre 2010 e 2011 se verificou a inversão da relação, ainda que a diferença entre as taxas fosse pequena, e isto não foi acompanhado de nada parecido com uma recessão a seguir.

Segundo, vale estabelecer uma cautela na análise. Dependendo do ponto de partida, isto é, a base de comparação no tempo, produzir uma recessão pode ser mais fácil ou mais difícil. Quanto mais deprimida estiver uma economia, mais difícil será ela viver uma recessão a seguir. Assim como não é fácil gerar taxas elevadas de crescimento quando já se está em período de alta, o oposto também é verdade. E esta é justamente a situação que vivemos desde a recessão anterior, terminada em 2016, e agravada com a pandemia. Mesmo que o crescimento de 2021 reponha aproximadamente o que se perdeu de PIB em 2020, deve-se lembrar que no início de 2022 ainda estaremos com um nível de atividade menor que o de 2014. Ou seja, sete anos depois, o PIB será inferior ao que já produzimos. Esta é, portanto, uma economia bem fragilizada, o que torna uma recessão estatisticamente menos provável.

É impossível cravar um resultado neste momento, até porque quem prevê crescimento negativo do PIB brasileiro em 2022 considera taxas muito pequenas, em torno de -0,5%. Mas me parece que a inversão da relação atualmente verificada no Brasil tem mais a ver com um erro de política monetária: uma alta exagerada da taxa curta para conter uma inflação de oferta, não de demanda. A elevação da taxa curta foi de tal ordem que gerou esta diferença inusual em relação à longa. É tão fora de propósito tal política de aumento da Selic que se prevê sua reversão à frente, e isto é que faz aparecer a relação invertida.

(*) Professor do Departamento de Economia e de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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