Opinião
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15 de agosto de 2021
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09:00

Municípios pagarão a conta da privatização da Corsan (por Jeferson Fernandes)

Foto: Divulgação/Corsan
Foto: Divulgação/Corsan

Jeferson Fernandes (*)

Se consumada a privatização criminosa da Corsan, cujo projeto de Eduardo Leite tramita em regime de urgência na Assembleia Legislativa, uma fatura pesada incidirá sobre a maior parte dos municípios gaúchos.

Isso porque eles serão obrigados a abrir mão da titularidade do saneamento, o que representa um ataque sem precedentes ao princípio da autonomia municipal assegurada na Constituição de 1988. E ao abrir mão da titularidade, estarão subordinados aos interesses de lucro da empresa que vier a adquirir nosso valioso patrimônio.

Isso é gravíssimo, e está previsto no projeto de lei de regionalização do saneamento que tramita em regime de urgência no parlamento gaúcho, amparado pela lei federal 14.026/20, que instituiu o chamado Novo Marco Regulatório do Saneamento.

O PL da regionalização do Leite é de tal forma desrespeitoso com a autonomia dos municípios, que determina que todos os 317 municípios atendidos pela Corsan, bem como aqueles que possuem estruturas próprias deverão, em um prazo de até 180 dias, manifestar adesão à respectiva Unidade Regional de Serviços de Saneamento a ser criada.

Os atendidos pela Corsan, caso não o façam, e optem pela encampação dos serviços (condicionada à aprovação pela instância de gestão regional a ser criada), terão que realizar o “prévio e integral pagamento da indenização devida ao concessionário em decorrência dos investimentos em infraestrutura de saneamento executados na área da concessão.”

Isso não existe em lugar nenhum no mundo. Quando se faz uma encampação, a discussão sobre o valor a ser ressarcido e a forma de pagamento à empresa que compulsoriamente perdeu a titularidade de um determinado serviço é discutida na esfera judicial. 

Portanto, os municípios estarão sendo, de fato, obrigados a aderir à regionalização, a partir da qual os Planos Municipais de Saneamento não terão mais valor legal algum. O PL da regionalização estabelece que os Planos Regionais prevalecerão sobre eles e os “dispensarão”. O papel de regulação e fiscalização dos serviços passará a ser através de uma “governança interfederativa” regional.

Nessa instância de direção regional a ser criada, o Estado terá até 50% dos votos e a representação de cada município será de acordo com a população. Ou seja, a imensa maioria dos municípios gaúchos, que são de pequeno porte, ficarão subordinados sem poder nenhum de deliberação.

Por fim, o golpe financeiro no bolso da população. Consumada a adesão, os novos contratos de programa serão discutidos fora da lógica do subsídio cruzado, que impera até o momento, através do qual a Corsan cobre o déficit operacional que possui em cerca de 280 pequenos municípios com o valor que arrecada em municípios de médio e grande porte.

A possibilidade de que essa lógica venha a imperar a partir da transferência do patrimônio da Corsan à iniciativa privada, que visa unicamente o lucro, é zero. Nessa perspectiva, O foco da nova empresa se voltará exclusivamente aos municípios superavitários para obter dividendos fabulosos aos acionistas.

Com o fim do subsídio cruzado como política pública, restará a alternativa que está sendo proposta, de dividir o déficit solidariamente entre os municípios integrantes de cada unidade regional de saneamento. Exatamente o contrário do que a Corsan faz hoje. A Companhia, por não almejar o lucro, redistribui solidariamente parte significativa do superávit que acumula. A partir da privatização, esses recursos irão parar nos bolsos de meia dúzia de acionistas e os municípios serão obrigados a dividir os prejuízos entre si.

Um dos primeiros municípios a chiar foi exatamente o que possui o maior orçamento do estado e autarquia própria: Porto Alegre. Imaginemos os demais, com orçamentos apertados (alguns no vermelho) e ainda tendo que cobrir despesas alheias.

Mas Porto Alegre, Caxias, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Santana do Livramento, dentre outros, ainda podem espernear porque possuem estruturas próprias. Mas e os mais de 300 municípios que são abastecidos com estruturas da Corsan? Esses ficarão com a faca no pescoço, e serão, por bem ou por mal, taxados pesadamente, especialmente aqueles cuja arrecadação não cobre as despesas. 

Podem ter certeza que a nova empresa iria impor a esses municípios deficitários condições draconianas de ressarcimento pelas perdas operacionais, de manutenção e de investimento. Esse é o preço a ser pago se a irresponsabilidade de vender um patrimônio lucrativo como a Corsan for efetivada.

Aliás, isso já está sendo previamente encaminhado, através do aditivo contratual padrão que a Corsan está enviando aos municípios. É o serviço público preparando as condições ideias para decretar o seu próprio fim em benefício da iniciativa privada. É inacreditável. Estamos na iminência da consumação de um crime de grandes proporções, cuja maior vítima é a própria sociedade. Mas ainda dá tempo de evitá-lo.

 (*) Deputado estadual (PT/RS). Presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Água Pública.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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