Opinião
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29 de agosto de 2021
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17:00

A armadilha da proibição da candidatura de policiais (por Leonel Radde)

Vereador Leonel Radde (PT) (Divulgação)
Vereador Leonel Radde (PT) (Divulgação)

Leonel Radde (*)

Às vésperas das manifestações Bolsonaristas convocadas para o dia 7 de setembro, e que possuem como foco a defesa o fim do Estado democrático de direito e a instalação de uma ditadura com fechamento do STF e demais instituições constituídas do país, o Brasil foi sacudido por manifestações públicas de um oficial da Polícia Militar de São Paulo, devidamente afastado das suas funções e respondendo a Inquérito Policial a mando do governador João Dória (PSDB), afirmando que os Policiais Militares daquele estado participariam ativamente dos atos e que teriam acordo com as pautas defendidas pelos grupos da extrema-direita. 

A fala foi reverberada por deputados da base governista de Bolsonaro, que chegaram a afirmar que dezenas de ônibus teriam sido fretados por empresários para o transporte de agentes da segurança para os atos antidemocráticos, e também por alguns oficiais da reserva da mesma instituição. Por outro lado, diversos outros policiais se manifestaram publicamente desmentindo as afirmações, reafirmando o compromisso das instituições da segurança pública na manutenção da ordem democrática.

Paralelamente a isso, mais uma pauta polêmica e explosiva foi colocada na ordem do dia no Congresso Nacional, de forma totalmente inesperada e incluída na última hora no projeto de reforma da lei eleitoral: a vedação de que policiais possam se candidatarem se não cumprirem 5 anos da chamada quarentena afastados da sua profissão, o que é o mesmo que impedir de forma efetiva com que esses profissionais possam disputar cargos eletivos pela impossibilidade de subsistência pessoal ao longo do período sem auferir seus vencimentos e ainda correndo o risco de não obterem o sucesso eleitoral. A mesma regra ainda foi estendida para militares, promotores e juízes.

É importante frisar que existem limites eleitorais para os militares e policiais militares dentro da própria Constituição Federal, que exige a exoneração (demissão) daqueles que possuam menos de 10 anos na respectiva corporação e a aposentadoria compulsória (chamada de reserva) para aqueles que possuam mais de 10 anos na corporação e tenham sido eleitos. Ou seja, em ambos os casos os agentes não fazem mais parte ativa das suas instituições. Juízes e promotores também devem se desvincular em definitivo das suas atividades para concorrerem a cargos eletivos. Demais categorias da segurança pública seguem as mesmas regras dos servidores públicos civis, exigindo a licença de 6 meses a 3 meses antes das eleições e em caso de vitória a licença para cumprimento de mandato eletivo, o que afasta o servidor da sua função e instituição, justamente para que não utilize seu cargo para favorecimento pessoal.

O que está sendo proposto e encabeçado, principalmente pelos partidos da centro-direita PP e PL, são regras ainda mais duras nesse quadro. Importante frisar que tal proposta vai ao encontro do que pensa o ministro da economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, que defende abertamente que nenhum servidor público possa concorrer a qualquer cargo eletivo, sendo exigida sua exoneração e quarentena para tal, exatamente a mesma regra proposta pelas lideranças de ambos partidos.

Nesse contexto, a proposta ainda encontrou simpatia e apoio aberto do PSDB, liderado nessa pauta pelo governador João Dória, e pelo PT que através da sua liderança na Câmara Federal, Deputado Bohn Gass, declarou em entrevista ao jornal Folha de São Paulo que: “se nós tivermos tempo hábil de votar agora, sem açodamento, sou a favor de que se tenha uma quarentena”. A medida tem apoio aberto ainda do aliado de Bolsonaro e Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), e do Ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira (PP), sendo que a relatora do Projeto de Lei, Margarete Coelho (PP), também pertencente ao mesmo partido de uma das siglas que possivelmente podem lançar Jair Bolsonaro como candidato à reeleição.

Em declaração nas redes sociais, Bolsonaro afirmou que vetará tal vedação e defendeu o direito de todas as categorias profissionais terem seus candidatos, principalmente policiais, enviando uma clara mensagem para mobilizar ainda mais os grupos da área da segurança pública que supostamente participarão das atividades do dia 7 de setembro. 

De imediato, foi aberto um debate na sociedade civil sobre a presença de policiais na política. Parte relevante do campo democrático e de esquerda possui simpatia pela proposta, pois observa que a presença de membros das forças de segurança em cargos eletivos poderia contribuir para avanços autoritários e tais candidaturas possuiriam vantagens eleitorais frente às demais categorias profissionais por pertencerem à estrutura do Estado. Argumento muito similar ao defendido pelos partidos neoliberais da direita nacional, que buscam vedar candidaturas de todos servidores públicos.

Com o loteamento de mais de 6.000 cargos de confiança ocupados por militares dentro do Governo Federal, esse deveria ser o foco central da disputa. Militares e policiais não podem estar cedidos para outras funções que não sejam as suas de origem. Além do mais, regras em relação aos profissionais que pertençam ao Estado devem impedir a midiatização da sua profissão para que não se transformem em celebridades nacionais a partir das atividades cotidianas pagas com o dinheiro do contribuinte mas amplificadas pelas redes sociais e pelos grandes meios de comunicação, como é o caso dos chamados policiais “youtubers” ou dos programas “pinga-sangue”.

Porém, o debate central se resume a um claro silenciamento de uma determinada categoria profissional, de forma muito evidente. O campo democrático, por temer a militarização da política, toma medidas muito similares com as que tomou a partir dos protestos de 2013, quando aprovou a Lei Antiterrorismo que hoje passou a ser utilizada contra os próprios movimentos sociais de esquerda. No momento em que se veda uma categoria de trabalhadores de que ela possa ter representatividade eleitoral está se abrindo um precedente para que, dentro em breve, se avance sobre outras categorias profissionais até se chegar a um monopólio da burguesia nacional e do agronegócio terem condições financeiras de disputarem eleições.

Além do mais, tenta apagar um incêndio com gasolina, na medida em que a proposta censora já passa a ser debatida no interior das corporações que são o foco das manifestações do próximo dia 7 de sembro. Com certeza a fala de Bolsonaro, contrária a tal iniciativa, terá um efeito de ampliar a sua coesão no interior dos grupos que disputam espaços no interior dos órgãos de segurança e o chamado “centrão”, assim como os partidos de esquerda, serão mais uma vez vistos como inimigos. Esse foi o efeito prático até o presente momento.

Por outro lado, se tal proposta prosperar no campo dos partidos da esquerda existirá uma debandada dos poucos agentes da segurança pública que permanecem nas respectivas agremiações e isso demonstrará que essas instituições, que já lançaram em outros pleitos eleitorais policiais, guardas municipais e inclusive juízes, que é o caso do governador Flávio Dino (PSB), não possuem de fato uma visão de que policiais são trabalhadores de direitos e que fazem parte da base da classe trabalhadora, mesmo sendo impedidos de fazerem greve, sofrerem sanções severas por se manifestarem contra abusos profissionais e receberem alguns dos piores salários do serviço público do país.

Importante frisar que existiu um dossiê em que parte dos policiais que se opõem às políticas de Bolsonaro tiveram sua vida devassada e sofreram perseguições dentro dos seus locais de trabalho por justamente defenderem a democracia. Seria um passo extremamente equivocado dos partidos de esquerda que implodiria pontes fragilmente construídas, o que poderia custar a nossa própria democracia.

 (*) Policial Civil (PCRS) e vereador pelo PT em Porto Alegre

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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