Saúde
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26 de agosto de 2023
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07:42

Governo Leite corta recursos de hospitais e causa fechamento de serviços e diminuição de exames

Por
Luciano Velleda
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Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Porto Alegre (Foto: Cristine Rochol/PMPA)
Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Porto Alegre (Foto: Cristine Rochol/PMPA)

Gestores hospitalares e prefeituras da Região Metropolitana de Porto Alegre estão unidos em uma mesma reclamação desde outubro de 2021. A data marcou o corte de 17% nos recursos repassados pelo governo estadual para 56 hospitais que atendem pelo SUS. Na ocasião, a previsão era de mais cortes até de dezembro de 2022, quando então se completaria o período de transição determinado pelo governo de Eduardo Leite (PSDB) no âmbito do Programa de Incentivos Hospitalares Assistir, implementado em agosto de 2021.

As críticas e reclamações logo surgiram, independente da cor partidária dos governos municipais. Os número impressionam. Se o planejamento original do programa, que vigoraria até dezembro de 2022, tivesse sido cumprido, o Hospital São Camilo, de Esteio, teria perdido R$ 20 milhões em repasses do governo estadual. De R$ 24 milhões por ano (cerca de R$ 2 milhões/mês), receberia apenas R$ 4 milhões.

O Hospital de Canoas, que recebia R$ 49 milhões/ano do governo estadual, com os cortes projetados receberá R$ 6 milhões. Em Porto Alegre, a situação não é diferente. O Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS) recebia R$ 35 milhões e com os cortes previstos no programa Assistir, receberá somente R$ 10 milhões. O Hospital Restinga e Extremo Sul perderá quase R$ 10 milhões de um total de R$ 13 milhões. O Hospital Materno Infantil Presidente Vargas perderá 50% dos recursos estaduais, caindo de R$ 10 milhões para R$ 5 milhões.

O Programa Assistir foi criado com a perspectiva de ter uma nova sistemática “mais equânime e racional” na distribuição de recursos públicos, “buscando a efetiva entrega de serviços para a população”, segundo anunciou o governo. O programa tem a lógica de cortar recursos de 56 hospitais (11 dos quais estão na Região Metropolitana) e direcionar a verba para outros hospitais com menos financiamento. A justificativa do governo é que os hospitais que terão a verba cortada “produzem pouco”, enquanto outros se propõem a “produzir mais”. Na prática, entretanto, o resultado tem sido outro.

“São valores muito importantes para a sustentabilidade desse serviços que têm uma lógica diferente de uma Santa Casa e de um hospital filantrópico, que consegue captar recursos, inclusive de convênios e privados, o que não é o caso do Pronto Socorro de Porto Alegre, do São Camilo, do Hospital Geral de Novo Hamburgo, o Getúlio Vargas de Porto Alegre, o Restinga Extremo Sul, todos hospitais 100% SUS”, explica Ana Boll, diretora do Hospital São Camilo e coordenadora do Fórum de Saúde da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (Granpal).

A insatisfação por parte dos municípios e gestores hospitalares foi tão grande que o governo Leite recuou. Após o primeiro corte de 17% no valor dos repasses, em outubro de 2021, o “período de transição” foi estendido e os cortes seguintes congelados. E congelados permanecem. No caso do Hospital São Camilo, ao invés dos R$ 2 milhões recebidos mensalmente, a instituição tem recebido R$ 1,7 milhão.

Ana é taxativa ao dizer que o passo atrás do governo só aconteceu devido à mobilização dos municípios da Região Metropolitana, que denunciaram uma situação “insustentável” e pediram a revisão do programa.

“Teria o primeiro desconto de 17% ano final de 2021, depois em março de 2022 teria mais 33% e em agosto de 2022 seria efetuado o restante do desconto, mantendo somente aqueles incentivos que são fixos dos prestadores”, explica a diretora do Hospital São Camilo, citando como exemplos os incentivos por emergência com porta aberta (24h) e o por leitos de saúde mental.

O congelamento dos descontos conseguido pelos prefeitos junto ao governo Leite vai vigorar até dezembro deste ano. A preocupação agora se refere ao que acontecerá em 2024.

Diante da situação, a coordenadora do Fórum de Saúde da Granpal enfatiza que o pedido das prefeitura e dos gestores é um só: a revisão da matriz do programa Assistir e a atualização dos custos com saúde dos hospitais. “A gente quer uma solução para o problema dos descontos para que, de fato, isso seja sustado definitivamente, e que a gente tenha uma política que os prestadores possam se organizar em cima de expectativas do Estado ou de necessidade de produção. Queremos construir essa possibilidade, nunca dissemos que éramos contra o mérito de análise dos recursos”, salienta.

A diretora do Hospital São Camilo e coordenadora do Fórum de Saúde da Granpal conta que a perda de recursos a obrigou a redimensionar a oferta de alguns serviços. Na prática, isso significa reduzir a oferta de exames e atendimentos clínicos. O ambulatório de especialidades, como urologia, proctologia e cirurgia geral, foi afetado para baixar custos, assim como a oferta de exames especializados, como endoscopia e  colonoscopia. Ao reduzir a oferta de exames, a consequência imediata é aumentar a fila de pacientes aguardando a sua vez.

“Tudo aquilo que é eletivo, que não implica numa urgência, que eu não atenda na porta de emergência do hospital, tentei reduzir o custo aqui dentro da estrutura”, explica Ana Boll, enfatizando que graças à ampliação de recursos para o Hospital São Camilo feita pela Prefeitura de Esteio, nenhum serviço chegou a fechar.

Se o São Camilo reduziu atendimentos, mas conseguiu não fechar serviços até agora, o mesmo não aconteceu em outros hospitais da Região Metropolitana. O município de Montenegro decidiu fechar a traumatologia quando soube que iria perder dinheiro; Viamão fechou a saúde mental, obstetrícia e a traumatologia; Taquara fechou a maternidade.

A coordenadora do Fórum de Saúde da Granpal não esconde que o principal ressentimento dos gestores de saúde é não terem sido consultados pelo governo Leite durante a elaboração do Assistir.

Ana destaca não questionar o mérito do programa, o problema, diz ela, são os critérios adotados pelo governo para efetuar os cortes. “Para nós, a principal crítica do (programa) Assistir é que isso nunca foi dialogado com os municípios. Nos mostrem que produção é essa que o Estado esperava, porque não havia um parâmetro numérico do que produzir. O recurso era repassado com outra lógica, que era a lógica de custeio dos hospitais públicos para manter o usuário na região, não deixar chegar a Porto Alegre e descentralizar a média complexidade”, afirma.

Tema foi debatido na Assembleia em agosto e nova audiência está marcada para o dia 4 de setembro. Foto:Mariana Czamanski

Proponente da audiência pública que debateu o problema na Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, no último dia 7 de agosto, o deputado estadual Miguel Rossetto (PT) avalia que o governador Eduardo Leite segue sua agenda de ajuste fiscal “contra os serviços públicos e o povo gaúcho”.

“É brutal o abandono da escola pública e do sistema estadual de saúde. Há um desfinanciamento permanente, uma retirada de recursos em nome de um ajuste fiscal que nunca acaba, com prejuízo gigantesco e sofrimento à população que precisa de serviços públicos”, afirma.

O deputado pondera que ao cortar recursos e reduzir serviços hospitalares, o governo estadual está aumentado um cenário já grave devido ao aumento da procura por atendimento na rede hospitalar represado em função da pandemia de covid-19. Rossetto ainda ressalta que o governo estadual tem descumprido a lei que o obriga a aplicar 12% da receita corrente líquida em saúde. “Isso é gravíssimo. Há uma perda de quase 1 bilhão e meio de recursos anuais por conta do não cumprimento dessa lei.”

Em relação aos recursos que o governo estadual repassa aos hospitais, o parlamentar calcula ter havido redução de cerca de R$ 500 milhões nos últimos 10 anos. “Há uma redistribuição de recurso cada vez menor. O que está fazendo com que serviços sejam cortados, hospitais anunciando fechamento na Região Metropolitana, e o resultado disso são as filas que aumentam, o tempo de resposta aumenta, há mais sofrimento e dor por parte da população, e aumenta a circulação desesperada de pessoas doentes em busca de atendimento hospitalar”, lamenta.

Rossetto avalia que a ideia da regionalização do atendimento de saúde é necessária, todavia, diz ser preciso pensar uma regionalização que amplie a oferta de atendimento e não o contrário, ou seja, que cause a redução de serviço hospitalares.

Ele lembra que na audiência pública realizada no começo de agosto, o secretário de saúde de Canoas chegou a falar em colapso do sistema. “A nossa luta é para evitar essa redução de recursos tão importantes para o atendimento da população.”

Em contato com a reportagem, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) disse que um grupo de trabalho foi instituído, no dia 7 de julho, “para avaliar tecnicamente os resultados do Programa Assistir e subsidiar eventual substituição de critérios”.

Uma nova audiência pública sobre o tema será realizada na Comissão de Saúde e Meio Ambiente dia 4 de setembro. A secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, que não compareceu na última audiência, é mais uma vez aguardada para falar da questão e dizer o que acontecerá com os recursos dos hospitais públicos em 2024.


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