Política
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8 de março de 2024
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10:11

Sob pressão conservadora, direitos das mulheres avançam devagar em Porto Alegre

Por
Bettina Gehm
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8M de 2019 em Porto Alegre. Foto: Guilherme Santos/Sul21
8M de 2019 em Porto Alegre. Foto: Guilherme Santos/Sul21

A vida das mulheres em Porto Alegre é diretamente impactada por políticas públicas que passam pela Câmara Municipal. Atualmente, tramitam 31 projetos de lei com essa pauta, conforme levantamento da vereadora Karen Santos (PSOL). Desde março de 2022, foram aprovados 21 textos – a maioria incluindo datas comemorativas e de conscientização.

“Existem projetos, existem iniciativas, mas muito deslocadas desse eixo de enxergar a cidade como promotora ou violadora de direitos da mulher”, avalia Karen. Um dos textos em tramitação, proposto pela vereadora, prevê um auxílio aluguel, de um salário mínimo, para as mulheres vítimas de violência. “O projeto visa pressionar ainda mais o Executivo, porque Porto Alegre tem apenas 100 vagas nas casas de acolhimento às mulheres vítimas de violência, então muitas não conseguem romper o ciclo porque não têm autonomia financeira”, explica a parlamentar.

Três projetos atacam o direito ao aborto legal – todos de autoria da vereadora Comandante Nádia (PP). Um deles, que também tem autoria da vereadora Fernanda Barth (PL), determina que o médico deverá sugerir a realização de ultrassonografia prévia ao procedimento de aborto para que a gestante escute os batimentos cardíacos do nascituro. Outro texto obriga que os hospitais afixem cartazes sobre aborto, contendo “explicação pormenorizada de cada tipo de procedimento abortivo, os danos físicos e psicológicos que o procedimento poderá ocasionar para a gestante e qual seria o destino do nascituro após a realização do procedimento”.

O Protocolo Não é Não, inspirado no caso de Barcelona que resultou na prisão do jogador Daniel Alves, foi aprovado e sancionado, mas ainda não está em voga na Capital. O texto da vereadora Biga Pereira (PCdoB) previa uma série de medidas a serem adotadas em espaços de lazer para evitar o assédio sexual e prestar auxílio às eventuais vítimas. Os estabelecimentos que seguissem à risca ganhariam o selo Mulheres Seguras. Mas a Prefeitura ainda não regulamentou a lei. “Mesmo que diariamente se comprove a necessidade de criar ambientes seguros para as mulheres, Melo e seus secretários pouco se interessam pelo tema”, diz a autora. A parlamentar já se reuniu com o prefeito e com o secretário de Desenvolvimento Social, Léo Voigt, mas ainda não há previsão da regulamentação.

O gráfico elenca, por temática, os textos protocolados na Câmara desde março de 2022 tendo a vida das mulheres como pauta principal. Logo abaixo, na tabela, é possível pesquisar os projetos por temática, autor(a) ou situação na Câmara.

 

“A Câmara de Vereadores tem uma bancada feminina muito grande e temos uma procuradoria da mulher instaurada na casa. Mesmo assim, a Câmara deixa a desejar no sentido de ter uma frente que unificasse as mulheres da esquerda e as mulheres da direita para combater as desigualdades de gênero no nosso município”, aponta Karen. “Porto Alegre é uma capital majoritariamente feminina e nós temos esses problemas estruturais, as terceirizações, as vagas na educação infantil, a política de mobilidade que é extremamente violenta contra as mulheres, ônibus sucateado e caro, inviabilizando que elas consigam sair das suas comunidades para uma consulta médica, para levar os seus filhos nas escolas, para acessar a cidade”.

No ano passado, três mulheres foram vítimas de feminicídio na Capital. Para evitar crimes como este, tramitam quatro projetos que visam combater a violência doméstica. Dois são muito parecidos: Biga Pereira (PCdoB) e Leonel Radde (PT) propõem tornar obrigatória a denúncia de episódios de violência doméstica, por parte dos síndicos e dos condomínios, respectivamente. Radde protocolou também um texto que veda a internação de agressor e vítima em mesma área hospitalar. Já Claudio Janta (SD) quer instituir o Programa Municipal de Enfrentamento ao Feminicídio, com a criação de mecanismos para coibir as práticas que revitimizam as mulheres na rede de atendimento.

Coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, a promotora Ivana Battaglin aponta outro dado alarmante: “O Anuário Brasileiro de Segurança Pública do ano passado mostrou o crescimento de todas as formas de violência contra a mulher. Uma das hipóteses para isso é o desfinanciamento de políticas públicas praticado pelo último governo [federal]”, afirma. “Investimento em política pública é preservação da vida das mulheres. Do contrário, vemos o aumento dos feminicídios e subnotificação das violências”.

Sete projetos em tramitação focam na maternidade. O vereador Leonel Radde (PT) propõe instituir o Programa de Erradicação da Violência Obstétrica na cidade, criando um canal de denúncias e um projeto de formação para profissionais da saúde. Radde alega, baseado em um estudo de 2010, que 25% das mulheres que passam por uma gestação sofrem algum tipo de violência em Porto Alegre. Já Biga Pereira (PCdoB) quer ampliar benefícios da licença-maternidade e assegurar a isenção das taxas de inscrição em concursos públicos e processos seletivos às candidatas lactantes.

O vereador José Freitas (REP) propôs a criação de um programa de creche domiciliar. A iniciativa visa regulamentar a atividade das mães crecheiras – mulheres que cobram para cuidar de crianças de outras famílias, em turno integral ou no contraturno escolar. Conforme o projeto, as creches atenderiam crianças de zero a cinco anos de idade, com no mínimo três e no máximo cinco crianças por unidade.

Em Porto Alegre, 4,8 mil crianças estão sem vaga na Educação Infantil. “É fundamental que as mães tenham onde deixar os filhos. Como o cuidado compete a elas – e o cuidado não só dos filhos, mas também dos idosos e das outras pessoas da família –, elas acabam por vezes não conseguindo se vincular ao trabalho formal porque não têm onde deixar essas crianças. Ou pior: as crianças ficam em situação de vulnerabilidade”, aponta a promotora Ivana. “Cabe ao Município fornecer creches. Essa é uma política pública fundamental para o empoderamento das mulheres, para que elas tenham autonomia financeira e possam sair de eventuais relações violentas”, afirma.

Além da Lei nº 13.831, que criou o Dia Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política contra Mulheres Negras, LGBTQIA+ e Periféricas, de autoria da Bancada Negra, apenas um texto em tramitação propõe um recorte racial. O projeto da vereadora Biga Pereira (PCdoB) institui o Programa Municipal de Valorização de Meninas e Mulheres Negras, que poderá ser desenvolvido no âmbito da Secretaria Municipal de Educação e deverá ter como espaço prioritário de atuação escolas, cursos técnicos, universidades, além de espaços de socialização e lazer.

Também faltam políticas para mulheres trans. “A última grande iniciativa foi a instalação do laboratório de atendimento às pessoas trans junto ao posto de saúde Modelo, que vem desde o ano de 2022 oferecendo atendimentos especializados e específicos para a comunidade T de Porto Alegre”, lembra Karen. A vereadora ressalta que quatro parlamentares da Câmara são pastores. “A Casa também é um espaço reacionário para articular políticas que deem visibilidade às pautas trans”, afirma.

Os três projetos sobre gênero que tramitam na Câmara são de cunho conservador. Autor de dois projetos, o vereador José Freitas (REP) propõe vedar a instalação de banheiro unissex nos estabelecimentos comerciais da cidade e também impedir a “propaganda sobre ideologia de gênero” no ambiente escolar. Já a vereadora Comandante Nádia (PP) quer tornar obrigatória a indicação do gênero masculino ou feminino nos banheiros das escolas públicas e privadas de Porto Alegre. Por outro lado, um projeto já aprovado e de autoria da vereadora Daiana Santos (PCdoB) acrescentou identidade de gênero e de orientação sexual no rol de informações obrigatórias nas fichas cadastrais dos órgãos da Administração Municipal.


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