Política
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5 de março de 2024
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16:47

CCJ barra tentativas do PT e PL de revogar decretos de Leite que aumentam impostos

Por
Luís Gomes
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 Comissão de Constituição e Justiça rejeitou o acolhimento de propostas de revogação dos decretos do governador Leite | Foto: Lucas Kloss / ALRS
Comissão de Constituição e Justiça rejeitou o acolhimento de propostas de revogação dos decretos do governador Leite | Foto: Lucas Kloss / ALRS

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa aprovou nesta terça-feira (5), por 7 votos a 3, o parecer da deputada delegada Nadine (PSDB) que rejeitou o acolhimento de dois Requerimentos Diversos (RDIs), de autoria das bancadas do PT e do PL, que buscavam sustar os efeitos dos decretos do governador Eduardo Leite (PSDB) que promovem a revisão de benefícios fiscais e elevam as alíquotas do ICMS da cesta básica. Após a decisão, os deputados Miguel Rossetto (PT) e Rodrigo Lorenzoni (PL) anunciaram que irão recorrer ao plenário da Assembleia, onde precisarão da maioria simples dos deputados, para tentar reverter a decisão da CCJ e garantir a tramitação das propostas. Os decretos de Leite entram em vigor em 1º de abril.

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Os decretos do governador trazem três mudanças sobre benefícios fiscais. A primeira delas é referente à cesta básica, com a eliminação da isenção de ICMS ou da alíquota diferenciada para 21 itens, passando a incidir uma alíquota única de 12% sobre todos eles. A segunda mudança é a retirada gradual de 40% de incentivos fiscais concedidos a 64 setores produtivos, cortando 10% a cada semestre a partir de 2024. A terceira é a alteração nas regras do Fator de Ajuste de Fruição (FAF), que passará a condicionar 100% do crédito presumido a compras feitas pelas empresas no próprio Rio Grande do Sul. Com as medidas, a Secretaria da Fazenda (Sefaz) estima aumentar a arrecadação do Estado entre R$ 2,1 bilhões e R$ 3,6 bilhões por ano.

O relatório apresentado por Nadine considerou que, do ponto de vista jurídico, os requerimentos não apresentaram quais artigos da Constituição do Estado foram infringidos pelos decretos, o que, avaliou, seria um requisito formal para que os pedidos de revogação pudessem tramitar na Assembleia. Caso fossem acolhidos pela CCJ, os requerimentos seriam convertidos em Projetos de Decreto Legislativo e poderiam ter o mérito discutidos pela Casa. Contudo, conforme argumentou a relatora, é jurisprudência reconhecida no Supremo Tribunal Federal (STF) que governos estaduais podem promover alterações de caráter tributário por meio de decretos, tanto para conceder benefícios, como para retirar.

“Existe uma regra de que, como se concede, se retira. Se é poder do governador conceder uma isenção através de decreto, ele pode retirar a qualquer momento. Então, tecnicamente, não é possível discutir isso. O requerimento diverso ataca justamente dizendo que o governador exorbita do seu poder. Ele não excede esse poder. Se nós chegássemos ao absurdo de entender de forma diversa, são mais de 30 anos de isenções em determinados setores. Nós vamos ter que voltar 30 anos e dizer que aqueles atos de governo também têm irregularidades e ilegalidade porque não têm competência para tanto”, disse Nadine.

De teor semelhante, os RDIs 76 e 77, apresentados respectivamente por PL e PT, argumentavam que os decretos deveriam ser revogados porque o governador abusou do poder regulatório ao aumentar os impostos de 21 itens da cesta básica e retirar benefícios fiscais que elevam a tributação para 64 setores da economia. Em manifestações durante a manhã, Pepe Vargas (PT), Miguel Rossetto (PT) e Rodrigo Lorenzoni (PL) argumentaram que seria função da Assembleia proteger a sociedade gaúcha de decisões açodadas e de prejuízos à economia do Estado.

Rossetto ponderou que os decretos exorbitam os poderes do governo por não terem mais justificativa formal, uma vez que, ao serem apresentados, eram justificados pela necessidade de recomposição das perdas geradas pela redução unilateral da tributação sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações pelo governo federal em julho de 2022, então na gestão de Jair Bolsonaro, e para evitar que o Estado fosse prejudicado pelo artigo da reforma tributária que estabeleceria a divisão futura do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que vai unificar o ICMS e o ISS, pela média dos estados na arrecadação tributária entre os anos de 2024 e 2028. Esta regra foi retirada da versão final da reforma.

“A justificativa inicial apresentada pelo governo Leite não existe mais, o artigo 131 da reforma tributária não existe mais. Portanto, não há justificativa. Mesmo as alíquotas de combustíveis foram reajustadas. Portanto, é uma iniciativa que abusa do poder do governador de tributação. O governador não pode produzir injustiça social. Quando ele aumenta o preço dos 21 principais itens da cesta básica, ele está produzindo injustiça social. O governador não pode prejudicar a sua economia. Quando ele diminuiu a competitividade de mais de 60 setores sem ter uma análise criteriosa para preservar a nossa economia, ele prejudica a economia. Portanto, na nossa opinião, há um abuso claro de prerrogativa do governador”, disse Rossetto.

 

Miguel Rosseto (centralizado), Pepe Vargas (ao seu lado) e Rodrigo Lorenzoni (de camiseta branca) se manifestaram contra o parecer de Nadine | Foto: Guerreiro/ALRS

Lorenzoni lembrou que o artigo 226 do regimento interno prevê que qualquer deputado ou comissão pode propor a sustação de atos do Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar. Pontuou também que o artigo 227 prevê que a proposta de sustação deve ter o seu acolhimento analisado pela CCJ e, somente após essa primeira decisão, o Poder Executivo terá um prazo de 10 dias para defender a legalidade do ato — no caso, dos decretos. Para o deputado, o parecer da delegada Nadine atropelou este trâmite e configurou uma defesa dos decretos governo antes mesmo da análise de acolhimento dos pedidos.

“Aparentemente, nós acompanhamos aqui uma inovação na condução desse tipo de requerimento diverso. Até a legislatura passada, se fazia aqui na própria CCJ, primeiro uma manifestação de acolhimento em relação aos RDIs, quase de admissibilidade. Se os requerimentos preenchessem os critérios, na técnica legislativa correta, aí se abriria prazo de 10 dias para o governo se manifestar e aí se debruçar sobre o mérito. O que ficou claro, hoje, pela decisão do presidente, é que nós vamos pular uma etapa e ir direto para a discussão do mérito, que é uma interpretação nova e que não foi submetida ao plenário da comissão”, afirmou Lorenzoni.

Após o presidente da CCJ, deputado Frederico Antunes (PP), considerar que o relatório de Nadine respeitava os trâmites da comissão por se tratar de uma análise sobre o acolhimento dos RDIs, Rossetto pediu vistas e a votação foi suspensa por duas horas. Antunes explicou que, por se tratar de RDI, pedidos de vistas são coletivos, não individuais dos deputados, e uma nova sessão da CCJ pode ser convocada após um intervalo de duas horas, o que aconteceu.

Na volta dos trabalhos, já no início da tarde, Pepe Vargas pontuou que os decretos foram publicados quando o governo ainda tentava garantir a aprovação do projeto de lei que aumentava a alíquota básica de ICMS do Estado dos atuais 17% para 19,5%, como uma espécie de “chantagem” aos deputados. Sem apoio na Casa, o projeto acabou sendo retirado, reforçando os decretos como a solução do governo para aumentar a arrecadação do Estado. “Isso não é um ato exorbitante? Se não é, o que é um ato exorbitante”, questionou Pepe.

Além de novas manifestações de Rossetto e Lorenzoni, também falaram os deputados Marcus Vinícius (PP) e Bonatto (PSDB) a favor do parecer de Nadine e pela rejeição dos RDIs. Marcus Vinícius pontuou que, no mérito, é contrário ao aumento de impostos e disse que defende alternativas para a elevação da arrecadação, mas disse que, do ponto de vista jurídico, acompanhava o parecer de Nadine.

Na sequência, ambos os pareceres foram votados, resultando no mesmo placar de 7 a 3 — pareceres precisam de ao menos sete votos para serem aprovados ou rejeitados na CCJ, maioria simples. Votaram contra o acolhimento dos RDIs os deputados Frederico Antunes, delegada Nadine, Bonatto, Marcus Vinícius, Luciano Silveira (MDB), Edivilson Brum (MDB) e Delegado Zucco (Republicanos). Votaram contra o relatório e a favor do acolhimento Rossetto, Pepe e Lorenzoni.

Imediatamente após as votações, Rossetto e Lorenzoni informaram que irão recorrer ao plenário, onde os RDIs precisam ser aprovados por maioria simples — metade mais um — para que possam retornar à CCJ.

“O plenário vai ter condições de fazer a hora da verdade. Não houve a votação do projeto que previa o aumento das alíquotas do ICMS porque o governador viu que não teria maioria. Ou seja, nem a sua própria base o acompanharia. Aqui, a CCJ rejeitou a continuidade da tramitação dos requerimentos que visavam abrir o processo para sustar os decretos do governador que aumentam a tributação ao retirar benefícios fiscais concedidos no passado para cesta básica e outros setores da economia. Bom, então o plenário agora vai poder se manifestar. A gente vê muitos deputados da base do governo dizendo que são contra o aumento da tributação. Vai ser a hora da verdade para ver, de fato, quem é contra esse abuso e essa exorbitância que o governador está cometendo ou quem é conivente”, disse Pepe Vargas, acrescentando ainda que a bancada do PT ainda não trabalha com a judicializar ações contra pontos dos decretos.

Frederico Antunes explicou que, se os recursos forem acolhidos pelo plenário, os RDIs voltam para a CCJ, que deve indicar um novo relator para analisar a admissibilidade e, em caso de acolhimento, aí sim se tornarem projetos de decreto legislativo e iniciarem a tramitação na Assembleia. Contudo, considerou que não houve atropelo na CCJ.

“Nós cumprimos aquilo que é papel de uma comissão que estuda juridicidade, legalidade e constitucionalidade. O mérito se debate em plenário ou se argumenta a sua contrariedade em matéria que vão ao plenário. Como ela não está acolhida pela CCJ, como qualquer projeto que não tenha parecer favorável nesta comissão, ela não tramita em outras comissões de mérito, passa a não ter a autorização de continuar tramitando”, afirmou.


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