Meio Ambiente
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14 de junho de 2024
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17:01

Conselho do Plano de Reconstrução do RS não tem nenhuma entidade ambientalista do estado

Por
Luciano Velleda
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Governo Leite diz que objetivo do Conselho é receber demandas relacionadas ao restabelecimento do estado e propor soluções Foto: Maurício Tonetto/Secom
Governo Leite diz que objetivo do Conselho é receber demandas relacionadas ao restabelecimento do estado e propor soluções Foto: Maurício Tonetto/Secom

O governador Eduardo Leite (PSDB) empossou, nesta quinta-feira (13), os membros do Conselho do Plano Rio Grande – Programa de Reconstrução, Adaptação e Resiliência Climática do Rio Grande do Sul. Segundo o governo estadual, o objetivo do Conselho é receber demandas relacionadas ao restabelecimento do estado e propor soluções. O papel dos conselheiros será propor, avaliar e monitorar as problemáticas recebidas, além de participar das câmaras temáticas que serão criadas para análise e discussão dos assuntos indicados.

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Ao todo, o conselho terá 178 integrantes, entre representantes do Poder Público, da sociedade civil e dos vítimas da maior enchente da história do RS. A relação do membros, entretanto, chama atenção pela baixa participação de entidades ambientalistas gaúchas, justamente para compor um conselho com a missão de tratar das consequências de um evento climático.

Dos 178 integrantes, apenas quatro têm relação direta com o meio ambiente: um representante do Conselho Estadual do Meio Ambiente; um membro do Conselho Estadual de Saneamento, um representante do Conselho Estadual de Recursos Hídricos;  e um membro do Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas. Juntos, os quatro integrantes representam 2,2% do total de membros do Conselho do Plano Rio Grande.

Como comparação, as federações possuem cinco assentos no órgão: Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Fecomércio, Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Fórum dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes RS) e a Organização das Cooperativas (Ocergs).

O setor de comércio e serviços tem quatro representantes e as indústrias outras três vagas. A construção civil também tem quatro assentos no Conselho, o setor de logística tem seis vagas e o agronegócio, além da Farsul, tem outras cinco entidades representativas.

Pioneira em alertar para as mudanças climáticas e seus efeitos, a Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (Apedema), destaca que sempre lutou por políticas públicas para a prevenção do meio ambiente, mitigação do racismo e das injustiças climáticas. Segundo a organização, a proposta do governo Leite para o Conselho do Plano Rio Grande “está prejudicada por vício da desproporcionalidade, sendo uma flagrante violação da Constituição Federal e Estadual com a exclusão, injustificável e ilegal, das ONGs ambientalistas/ecologistas”.

“Ressaltamos que o Conselho Estadual de Meio Ambiente não representa as entidades ambientalistas e não tem legitimidade ambiental para participar em nome dessas, o que é um ataque ultrajante à nossa história, visto que o referido Conselho tem atuado, com exceção das poucas entidades da Apedema que o integram, de forma contrária aos interesses de proteção ambiental, sendo, inclusive, parte do grupo responsável pela atual situação que os gaúchos enfrentam”, afirma a Apedema.

A entidade afirma que, se não houver mudança na proposta “não isonômica e tendente ao negacionismo”, o Conselho do Plano Rio Grande “corre sérios riscos de seguir o modelo que, apesar de membros que configuram exceções, foi o responsável, diretamente ou por omissão, por criar as vulnerabilidades no RS aos eventos climáticos extremos. Os causadores diretos ou indiretos do colapso climático, sozinhos, já demonstraram que não desejam e/ou não podem enfrentá-lo com justiça, democracia e defesa ambiental”.

Em nota, a Apedema diz que está mobilizando apoiadores e a sociedade em geral para reverter o que considera mais um retrocesso ambiental do governo Leite. A Associação destaca querer que “a democracia e a proteção ambiental não sejam excluídas, novamente, da construção desta política publica fundamental para todo o RS”.

Coordenadora da Rede de Emergência Climática e Ambiental (Reca), Márcia Barbosa, professora de Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também demonstra descontentamento ao avaliar a composição do Conselho com “muita iniciativa privada e poucos cientistas”.

“Ficou muito ruim não ter a ciência. Para não termos mais do mesmo precisamos ouvir a ciência e quem milita há décadas em meio ambiente. Onde está a representação gaúcha da Rede Clima do Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação? Onde está a representação dos ambientalistas? Onde está a Furg (Universidade Federal do Rio Grande)?”, questiona.

A Rede de Emergência Climática e Ambiental (Reca) reúne pesquisadores e profissionais multidisclipinares que propõe uma série de ações sobre monitoramento, análise de risco e alerta, assim como medidas de adaptação, mitigação e resiliência climática.

O vice-governador, Gabriel Souza, será o presidente do Comitê Executivo. Foto: Maurício Tonetto/Secom

Professor do Departamento de Botânica da UFRGS e coordenador-geral do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Paulo Brack, destaca que os setores empresarial e governamental predominam na composição do Conselho do Plano Rio Grande, enquanto o setor ambientalista não foi contemplado com nenhuma vaga.

Ele também chama atenção na inclusão dos conselhos de engenharia e arquitetura, entre outros conselhos profissionais, ao mesmo tempo em que o Conselho de Biologia, que já atua no Conselho Municipal do Meio Ambiente, foi deixado de fora.

“Por que não convidam as pessoas que são ligadas ao tema, como ambientalistas ou o Conselho de Biologia?”, pergunta. “Os convidados que estão ali, mais de 80% são do setor empresarial. Chama a atenção também que parte dos convidados, das federações que estão presentes no Conselho Estadual do Meio Ambiente, em sua maioria votam pela flexibilização e inclusive auxiliaram o governador no novo Código Ambiental, que retirou mais de 480 itens que se refletem em retrocessos na área ambiental”, critica o coordenador-geral do InGá.

O professor da UFRGS pondera que as mesmas federações que contribuíram para a flexibilização da legislação ambiental do Rio Grande do Sul, inclusive permitindo a construção de barragens e açudes em Áreas de Preservação Permanente, agora estão  contempladas na composição do Conselho.

Por sua vez, Alexandre Krob, coordenador técnico do Instituto Curicaca, considera a criação do Conselho uma iniciativa importante e necessária frente aos acontecimentos catastróficos que assolaram parte do Rio Grande do Sul em maio. Ele ressalta que a principal motivação para a formação do grupo foram os impactos causados por inundações que têm, dentre suas causas, os impactos causados pelas atividades produtivas, serviços e o consumo insustentáveis, cujas emissões de gases de efeito estufa têm causado o aquecimento global e eventos climáticos extremos, com solos degradados que assoreiam o Guaíba e aumentam os alagamentos, além do lixo plástico que entope o sistema de drenagem e as construções urbanas que impermealizam o solo, transformando as ruas em arroios e cachoeiras.

“A preocupação em relação a esse Plano é que os desafios do aquecimento global e das mudanças climáticas não sejam apenas uma bandeira de fachada, que ajuda na captação de recursos e na construção de imagem de engajamento com a Convenção do Clima. E essa preocupação se materializa na composição do Conselhão com 180 componentes, dentre os quais não há nenhuma organização da sociedade civil ambientalistas ou mesmo que possa representar um compromisso claramente ambiental, já que as quatro vagas do setor de Meio Ambiente são para conselhos cuja composição é setorialmente mista e cuja maioria de seus integrantes são também dos setores de produção ou de governos”, afirma.

O coordenador técnico do Instituto Curicaca alerta que o Plano Rio Grande se apresenta como mais um plano de desenvolvimento do RS e não deve, com frases prontas associadas ao clima, substituir ou ser confundido com o necessário Plano de Mitigação e Adaptação Climática previsto em programas nacionais e também nas legislações mais atuais.

Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Caí, Rafael José Altenhofen avalia que o Conselho repete o modelo que, com exceções de alguns indivíduos, setores, instituições e movimentos, foi o responsável, diretamente ou por omissão, por criar no RS as vulnerabilidades aos eventos climáticos extremos e colocar o estado na contramão das tendências mundiais de resiliência e de ações com vistas a sua reversão.

“Excluídas e ignoradas universidades importantes, os comitês de bacia, que ao invés de estarem cada um deles representado são substituídos por um representante do Fórum Nacional, vários municípios atingidos, o Conselho Regional de Biologia, a Metroplan, agências de regulação de saneamento, representação da agricultura orgânica, agroecológica e familiar. Em resumo, repete-se o mesmo modelo e mesmas instituições, com louváveis exceções, que levaram o Rio Grande do Sul ao caos para fazer o quê? Pensarem e agirem diferente do que sempre fizeram em sua história? Ou se organizarem para decidir como fazer mais lavagem e maquiagem verde e climática?”, questiona.

Além das entidades empresariais e do agronegócio já citadas, o Conselho do Plano Rio Grande inclui 10 ex-governadores e mais 25 convidados, entre eles Nelson Sirotsky (Presidente Grupo RBS), José Galló (ex-CEO Lojas Renner), Paulo Hermann (ex-CEO John Deere), Luiz Eduardo Batalha (fundador Azeite Batalha), Marciano Testa (CEO Agribank), Rosane Marchetti (jornalista e empresária), Jorge Gerdau (presidente Gerdau) e Dody Sirena (ex-empresário do cantor Roberto Carlos), entre outros.


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