Meio Ambiente
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17 de novembro de 2023
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18:46

Alertado sobre riscos de enchentes em 2015, Passo Fundo ainda não adotou medidas propostas

Por
Luís Gomes
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Passo Fundo foi um dos municípios que registrou morte em decorrência das chuvas que atingiram o Estado em setembro | Foto: Prefeitura de Passo Fundo/Divulgação
Passo Fundo foi um dos municípios que registrou morte em decorrência das chuvas que atingiram o Estado em setembro | Foto: Prefeitura de Passo Fundo/Divulgação

Ao longo da última década, uma série de municípios gaúchos elaboraram planos de drenagem e prevenção para contenção de enchentes e danos causados por eventos climáticos extremos. Outros contrataram empresas de consultoria para subsidiar a elaboração desses planos. Neste último caso, encontra-se o Município de Passo Fundo, que recebeu em 2015 um relatório com quatro alternativas para a mitigação de inundações, mas ainda não elaborou o seu plano de drenagem, tampouco seguiu as sugestões apresentadas pela consultoria.

Em outubro, a arquiteta Marina Bernardes apresentou uma Notícia de Fato ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) em que denuncia a omissão da Prefeitura de Passo Fundo no enfrentamento aos danos causados pelas chuvas que atingiram o Estado em setembro passado, uma vez que o Município não cumpriu as obrigações contidas na Lei Federal 12.608/2012, a qual institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil

“Isso porque, mesmo passada cerca de uma década de sua promulgação, Passo Fundo – RS não possui plano de contingência, obrigação determinada pelo artigo 8º e seus incisos da referida Lei. A Lei menciona a obrigatoriedade de cadastro dos municípios. Embora não faça parte do histórico do Município a ocorrência de desastres socioambientais, ressalta-se a negligência de medidas frente ao crescente aumento das ocupações irregulares, inclusive, em áreas de risco. Assim como, a negligência, novamente, frente aos alertas e previsões de futuros eventos climáticos que se tornarão em desastres em virtude das mudanças do clima e falta de planejamento urbano atento ao meio ambiente”, diz a Notícia de Fato.

Evidentemente, o Município de Passo Fundo não é o único do Estado a ainda não ter cumprido as obrigações da Lei Federal. No entanto, em maio de 2013, o Município contratou, por R$ 738 mil, a consultoria Beck de Souza Engenharia LTDA para fazer a elaboração de estudos de concepção de drenagem urbana sustentável na parcela do perímetro urbano pertencente à Bacia do Uruguai.

O relatório com propostas de alternativas para o enfrentamento de inundações foi entregue pela consultoria em outubro de 2015. No documento, a empresa pontua que Passo Fundo se localiza sobre as bacias do Uruguai e do Jacuí, sendo que sua área urbana está assentada exatamente no encontro da água das duas bacias.

O documento destaca que, em razão do acelerado processo de urbanização da cidade, de 204 mil habitantes, ocorreram diversos impactos ambientais negativos, tais como: ocupação inconsequente dos fundos de vale; lançamento dos esgotos sem tratamento; lançamento de resíduos sólidos; canalização dos cursos d’água sem devido planejamento; sub-dimensionamento da rede de drenagem, ou mesmo ausência de critério para implantação de dispositivos de drenagem; ocupação urbana além das taxas de impermeabilização previstas pelo Plano Diretor Urbanístico; perda das Áreas de Preservação Permanente – APP, pela ocupação urbana e/ou degradação; entre outros.

A consultoria também listou as principais causas de inundações que precisariam ser enfrentadas em um Plano Municipal de Saneamento Básico, que seriam: migração da população para o centro urbano; crescimento acelerado e desordenado da ocupação do solo; desconsideração com as questões ambientais; crescimento das áreas de ocupação informal; especulação imobiliária; construção junto às margens dos cursos d’água; acúmulo de resíduos sólidos nas sarjetas e bocas de lobo; lançamento de resíduos sólidos e esgoto doméstico sem tratamento prévio na rede de drenagem; ocupação irregular das margens dos rios e próximo de banhados, consideradas áreas de preservação permanente; inexistência ou sub-dimensionamento do sistema de drenagem em algumas áreas do Município; falta de manutenção preventiva do sistema; e execução de pavimentação asfáltica de vias sem um sistema de drenagem adequado.

Diante deste diagnóstico, o relatório aponta quatro propostas de alternativas e elenca suas consequências. As quatro alternativas seriam: não fazer intervenções; remover as edificações localizadas em áreas sujeitas a inundações; e duas alternativas em que se realizaria a integração de controle na fonte das bacias de detenção e adequação de canais.

A consultoria pontua, então, que o prejuízo anual que o Município sofre com as inundações é de R$ 15.967.253,23 (em valores da época), enquanto o custo de desapropriação de todas as edificações e terrenos em áreas de risco de inundações, conforme a segunda alternativa, seria de R$ 233.350.212,53 (em valores da época). Já as alternativas que envolvem bacias de detenção e a adequação de canais de macrodrenagem teriam custos estimados de R$ 221.641.537,68 e R$ 154.785.136,60 (ambas em em valores da época).

Por fim, o documento alerta que os principais impactos das inundações sobre a população da cidade são: prejuízos de perdas materiais através da danificação de benfeitorias, mobiliário e pertences pessoais; interrupção da atividade econômica das áreas inundadas e impossibilidade da população diretamente atingida exercer suas atividades profissionais, tendo em vistas os transtornos gerados pela inundação; contaminação dos moradores por doenças de veiculação hídrica como leptospirose, cólera, entre outras; contaminação da água pela inundação de depósitos de material tóxico, de estações de tratamentos, entre outros; perdas de vidas humanas.

 

Arquiteta aponta ausência de medidas efetivas adotadas pela Prefeitura de Passo Fundo para prevenção de inundações | Foto: Prefeitura de Passo Fundo/Divulgação

Em sua denúncia ao MP, a arquiteta Marina Bernardes aponta a ausência de medidas efetivas tomadas pela Prefeitura de Passo Fundo com relação à elaboração do Plano de Contingência e que as ações colocadas em prática para a contingência das enchentes de setembro, que deixaram uma vítima fatal na cidade, mostraram-se “absolutamente descoordenadas, ineficazes e inconsistentes, fazendo com que muitas pessoas tivessem danos materiais que poderiam ter sido evitados”.

Ela destaca que, além de não adotar medidas de contingência efetivas, a Prefeitura local usou seus canais nas redes sociais para responsabilizar o descarte irregular de resíduos por um morador como uma das causas das enchentes enfrentadas na cidade, transferindo para uma ação individual um problema estrutural de falta de planejamento urbano e de mitigação destas ocorrências, que demandam iniciativas macro estruturais para que tenham menores impactos futuros.

A arquiteta observa ainda que há um atraso reiterado do poder público em publicizar o atual estado de elaboração do plano de contingência, atuando quase que exclusivamente de forma pontual nas áreas mais atingidas. “Transcorridos dois meses desde a primeira intercorrência climática, nós ainda não temos notícia de como a Prefeitura pretende implementar um projeto que reduza os riscos de que as famílias que residem em áreas de vulnerabilidade continuem sendo, a cada chuvas, vítimas dessa situação”, argumenta.

Marina pontua que, diante das enchentes de setembro, redes de assistência foram constituídas pela Prefeitura para receber, de forma emergencial, famílias atingidas, mas que a medida é apenas uma redução de danos diante da ausência de um modelo de enfrentamento mais amplo que faça parte do planejamento da cidade.

O Ministério Público concedeu ao Município de Passo Fundo um prazo até o final deste mês de novembro para responder questionamentos sobre o andamento do plano de contingência de desastres naturais. A reportagem do Sul21 enviou questionamentos à Prefeitura local, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria — o espaço permanece aberto.

O Sul21 identificou outros municípios que também contrataram consultorias para subsidiar planos de drenagem ou de contingência para enchentes ao longo da década passada. Um desses municípios foi Rio Grande, que recebeu, em agosto de 2013, o “Relatório de Diagnóstico do Saneamento Básico” feito pela Engeplus Engenharia e Consultoria LTDA para subsidiar a elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico do Município.

O documento informa sobre os riscos de inundações enfrentados pelo município, apontando que as cinco principais causas de inundação na cidade eram: precipitações anormais; elevação do nível das águas da Lagoa dos Patos; falha nos equipamentos de bombeio dos sistemas de drenagem; oclusão do sistema de escoamento pluvial; e represamento das águas na entrada da Barra por ação dos ventos. Aponta também que a situação de maior risco foi identificada no bairro Getúlio Vargas, onde estão localizados aterros ocupados por famílias de grande vulnerabilidade social. O relatório consistia em um diagnóstico da situação e não apresentava propostas de soluções.

Secretário municipal de Zeladoria de Rio Grande, Marlon Nunes Soares afirma que o Município ainda não conseguiu elaborar um plano municipal de drenagem. Ele justifica a demora com o argumento de que os recursos para a contratação do plano devem ser oriundos do Fundo Municipal de Gestão Compartilhada, que foram usados pelas gestões anteriores para outras finalidades e, na atual, estavam comprometidos até o segundo semestre deste ano. Agora, diz o secretário, a contratação do plano deverá ser pauta no conselho gestor do fundo e, caso aprovada, será encaminhada. Por outro lado, ele pontua que o Município tem investido na limpeza das bocas de lobo e na requalificação das casas de bomba

“Embora a gente não tenha tido muitos problemas aqui, o alagamento que a gente teve foi a Lagoa dos Patos, que subiu bastante dos dois lados. A gente teve cerca de 20 ruas que a água da Lagoa entrou na rua, avançou pelas galerias de drenagem. Provavelmente, o plano vai indicar fazer alguma barreira para evitar que a água avance e a instalação de algum tipo de bomba nesses locais. Ele vai ser mais orientativo para novos loteamentos, de situações que precisam ser feitas, mas não evitaria o alagamento em si”, afirma o secretário, que acrescenta que um volume significativo de obras de drenagem está previsto para ser contratado a partir de janeiro.


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